Tenho inveja dos japoneses!
Não pela comida, tecnologia, natureza ou economia. Não que estes itens não sejam admiráveis, mas os invejo mesmo é pela civilidade! Sim! Civilidade! A minha inveja aflora ainda mais quando entro numa academia e me deparo com o caos generalizado que ali impera.
Nós, brasileiros, parecemos desdenhar o espaço público, como se não fosse nosso, não nos servisse. Estendendo o problema ao espaço semipúblico ou privado de utilização comum por um grupo social, tais como: shoppings, condomínios, cinemas, academias... Não está acreditando? Com certeza você já viu algum destes exemplos:
Pets que urinam nos elevadores dos condomínios por total falta de destreza dos seus tutores (ou seria indiferença com os vizinhos?);
Fezes de animais não recolhidas nos passeios públicos;
Há cenas que de tão burras tornam-se hilárias! Já vi tutor recolher as fezes do cachorro e deixá-las dentro do saco plástico na calçada (?!). Pior que simplesmente não recolher! Afinal, em última análise, as fezes é matéria orgânica e a chuva e o tempo se encarregarão mais rápido delas do que do plástico. Possivelmente a pessoa estava convicta que um serviçal iria passar para recolher a sua merda e, está no sentido figurado (mas já é uma outra história, falemos mais tarde...).
Já reparou o chiqueiro que é uma sala de cinema após o término da sessão? Pipocas, baldes, copos espalhados por todos os lados, mesmo existindo grandes lixeiras nas saídas das salas.
Mas voltando aos japoneses... Todos lembram do comportamento deles ao final dos jogos na Copa do Brasil de 2014, depois na Rússia e Qatar. Eles limpavam os estádios, recolhendo toda a sujeira das arquibancadas. E não se trata apenas de limpar os estádios de futebol. Uma matéria da BBC News Brasil destaca que é uma tradição do país: o souji, incentivada e praticada até mesmo nas escolas pelos alunos e professores. Esclarece ainda que o souji é inspirado no provérbio:
Não jogue terra no poço que te dá água.
E voltando à academia... Além da musculação e do aeróbico, existe uma ginástica a mais para se praticar numa academia, talvez seja até equiparada a ioga, meditação ou algo do gênero. Há que respirar fundo e praticar a paciência para encarar tantos exemplos de falta de civilidade. Vejamos:
Os armários
Na academia que frequento, existem três tipos de armários para acomodar os objetos pessoais:
Os pequenos, que seriam indicados para carteiras, celulares, chaves e outros objetos de menor porte;
Os médios, que cabem bolsas, jaquetas, blusas e até uma pequena mochila;
E os grandes, que cabem mochilas maiores juntamente com sapatos, camisas, jaquetas etc.
O bom senso, a empatia, a civilidade (olha ela aí!) ou talvez apenas algo além de dois neurônios nos indica que uma chave, um celular ou uma camisa não deveriam ser acomodados nos armários maiores. Afinal, algum frequentador irá para academia com diversos apetrechos para na sequência tomar um banho e seguir para o trabalho e será muito difícil acomodar tudo isto nos armários pequenos, mesmo nos médios.
Os halteres e anilhas
Em algumas línguas do mundo oriental, como o árabe, o persa, o hebraico e o japonês, a escrita é realizada da direita para a esquerda. Todavia, no mundo ocidental sabemos que ela ocorre da esquerda para a direita, o que inclui a descrição dos números. Então, mesmo que não houvesse a respectiva identificação dos pesos nas prateleiras dos halteres, bastaria seguir esta regra básica que aprendemos desde a alfabetização.
Obviamente não é isto que ocorre! Creio que deve ser muito difícil, pois encontramos o halter de 20kg na frente do halter de 12kg, o de 15kg depois do de 25kg... Todos num processo altamente randômico de organização e procura. Ah! Há os espalhados no chão, logo abaixo ou ao lado das prateleiras. Afinal a ordem é tão difícil que alguns julgam ser melhor abandoná-los em qualquer lugar.
Os equipamentos sujos
Não me incomoda o fato de praticamente ninguém limpar os colchonetes ou os equipamentos de musculação, afinal estes, normalmente, não apresentam muitos sinais de restos de secreções. Por outro lado, me incomoda profundamente notar que as pessoas deixam os equipamentos aeróbicos (esteira, bicicleta, elíptico, simulador de escada etc.) sem promover um mínimo de asseio. Imagina que horror você subir em um desses aparelhos completamente melecados!
No início, primeiro pensava “PQP! Baralho! Zorra!” e outros. Com o tempo, para sofrer menos, adotei o padrão de já subir nos aparelhos aeróbicos com o spray higienizador e papel em mãos! Na dúvida se foi ou não higienizado, prefiro limpar novamente.
Os íntimos da academia
A academia é um espaço de convivência social. Logo podemos estreitar algumas relações de amizades ou apenas conversas pontuais. No caso de pessoas adultas, normalmente o fazemos dentro daquele nosso cronômetro de gestão das obrigações diárias do trabalho, estudos, família e prática de atividade física.
Há alguns frequentadores que de tão frequentadores formam grupos. Tudo bem! Faz parte da dinâmica do convívio social. O problema é quando estes grupos de tão frequentadores do mesmo espaço e da mesma rotina diária tornam-se tão “íntimos” que começam a adotar comportamento de “donos do pedaço”. Aí vira uma feira! São gritos para todos os lados. Nada contra os gritos na feira, pois ali cumprem uma função: vender! Já na academia apenas promove uma enorme poluição sonora!
O banheiro
Após toda esta maratona de convívio com pequenos e cotidianos gestos de incivilidade, entro no banheiro e encontro no box: restos de sabonete ou de suas embalagens, potes vazios de xampu etc. Outro dia me surpreendi com uma novidade. Encontrei um tubo vazio de pasta de dente! Fiquei imaginando quais partes do corpo foram lavadas com uma pasta de dente. Não arde? Recompus o pensamento e concluí “devem apenas ter escovado os dentes no box do banho”, apesar de existirem pias no banheiro.
Respiro fundo, recolho todos os dejetos e descarto-os na lixeira, afinal ela existe e está ali a disposição de todos!
Por fim
Só me resta invejar os japoneses e imaginar como seria bom se todos lembrassem do provérbio deles ao utilizar a academia, ou melhor, ao utilizar todos os espaços públicos, semipúblicos ou de utilização comum:
Não jogue terra no poço que te dá água.
Ah! Voltando aos serviçais
Talvez um pouco de todo este comportamento seja uma herança do nosso passado colonial escravocrata. Estamos sempre imaginando que algum serviçal irá limpar a nossa sujeira, organizar a nossa bagunça... Afinal, aos fidalgos lhes cabem apenas os prazeres.