Muito antes dos punks declararem rebeldia nos anos 70, dos hippies tirarem as roupas nos anos 60, e até de jesus dizer “é mais fácil um camelo passar pelo buraco de uma agulha do que um rico entrar no reino dos céus” existiram, os Cínicos. Um grupo de filósofos que pareciam de tudo, menos um grupo de filósofos. A palavra Cínicos vem do grego Kynikos, que significa “igual a um cão”.
A palavra inicialmente foi dada como um insulto, porém adotada pelos Cínicos como seu modo de vida, porque assim como os cães os Cínicos viviam nas ruas, não tinham bens materiais, não tinham pudores sociais, e principalmente, não se preocupavam nem um pouco com que os outros pensavam.
Em particular, de todos os Cínicos que se tem registro na história, indiscutivelmente o mais famoso e mais controverso foi Diógenes de Sínope, que levou a filosofia ao seu extremo, tornando-se um verdadeiro arquétipo do cinismo, e o filosofo mais carismático da história.
Diógenes buscou fazer da sua vida o mais simples possível. Ele vivia em um barril, e seus únicos bens eram um bastão, uma lamparina e um saco. Ele também tinha uma tigela que utilizava para beber água, até que um dia viu uma criança bebendo água com as mãos e jogou a tigela fora. Ele fez da pobreza o seu estilo de vida, e a forma mais radical de protestar contra a sociedade corrupta e consumista da época. Diógenes costumava a andar pelas ruas de Atenas com sua lamparina acesa durante o dia. Quando as pessoas pararam para perguntar o que ele estava fazendo, ele respondia: “procurando um homem honesto”.
De acordo com sua filosofia, todas as conquistas e buscas da época, o dinheiro, o poder e o status, são elementos incompatíveis com a felicidade. Segundo ele, a moralidade advém do retorno à simplicidade da natureza.
A sua filosofia era vivida no dia a dia e não ensinada nas escolas, já que a virtude revela-se na ação, e não na teoria. Ele não tinha nenhum respeito pelos grandiosos filósofos da época e seus questionamentos intelectuais que não se aplicavam a vida em si. O famoso Platão foi o que mais sofreu nas mãos de Diógenes, porque ele acreditava que Platão não era digno de carregar o nome do seu próprio mestre, Sócrates. Uma vez que segundo Diógenes, Platão tinha perdido completamente a essência dos seus ensinamentos, por transformar a simplicidade da filosofia socrática em devaneios inúteis, que transformavam a filosofia em algo elitista e que nada acrescentava a arte de viver. Diógenes também afirmava que o verdadeiro discípulo de Sócrates foi Antístenes, que foi seu mestre e fundador do Cinismo.
Um dia Platão viu Diógenes lavando alfaces, e disse “se você cortejasse Dionísio não precisaria estar lavando alfaces” — e Diógenes respondeu — “e se você lavasse alfaces não precisaria cortejar um tirano.” E irritado com tal afronta, Platão definiu Diógenes como “um Sócrates que enlouqueceu.”.
Não podemos negar que sim, que Diógenes era um pouco louco, afinal, como dito por Aristóteles, “nenhuma mente brilhante existe sem um toque de loucura”. E em um tempo em que Aristóteles, Platão, e todos outros grandes pensadores defendiam a escravidão, era esse louco o único que se opunha totalmente a ela.
Com o decorrer do tempo a palavra cínico foi perdendo o seu significado, passando a ser sinônimos de falso, hipócrita, corrupto e arrogante, principalmente a partir do segundo século depois de Cristo, quando Luciano de Samora criticou os autoproclamados cínicos de seu tempo que simplesmente pregavam os ensinamentos de Diógenes, porém viviam o total oposto.
Mesmo tendo perdido o seu verdadeiro significado ao longo do tempo, a filosofia cínica foi responsável pelo surgimento do Estoicismo e teve uma relevante influência nos pensamentos de Nietzsche, além de todas as pessoas que se propõe a questionar o status quo.
Ninguém precisa seguir fielmente todos as loucuras de Diógenes para colher os frutos positivos da sua filosofia, afinal, é nos dias de hoje, talvez mais do que nunca, que precisamos ter um pouco de Diógenes dentro de cada um de nós, sendo a sua autossuficiência, a capacidade de pensar por si, não seguindo cegamente as regras impostas pelos grupos que dividem ou dominam a sociedade, a capacidade de viver fora de uma bolha e construir a própria história independente do que os outros irão pensar, e principalmente, a capacidade de ser honesto consigo mesmo.