Muito fácil saber o que meu pai sabe; muito difícil saber o que ele sente ou pensa. Não me refiro aos sentimentos relativos à nossa família: que ele nos ama, com todas as nossas imperfeições, tenho conhecimento de causa. No entanto, o que, de fato, ele sente quando está em seu silêncio meditativo, quais os pensamentos que voam por sua mente quando ele olha para a sua vida em retrospectiva, nunca chegou a meu conhecimento.
Será que chegou ao conhecimento de alguém? Será que ele se reconhece como uma pessoa de êxito? O que seria êxito para ele? Essas e algumas outras perguntas sobre as percepções de meu pai sobre quais seriam suas aspirações profissionais e seus sonhos que o motivavam quando jovem irromperam em minha mente durante a leitura de um emotivo livro, cuja narrativa é apresentada sob a perspectiva de um pai. Em um momento de muito cansaço emocional, o personagem reflete sobre como teria sido sua carreira profissional caso não fosse pai. Comparando-se com um colega, quase estrela do mundo acadêmico, cuja carreira decolou e segue em órbita há anos, tal pai se percebe pequeno e insatisfeito, mesmo tendo um trabalho estável em uma respeitável instituição. Inveja o colega e sentencia: somente conseguiu esse êxito porque não construiu uma família.
Acostumada a reflexões semelhantes, seja na vida real, seja na fantasia narrativa ou televisiva, surpreendeu-me o fato de que, naquela estória, o dilema era relativo à paternidade, não à maternidade. Voltei, reli os parágrafos como se para confirmar se havia entendido bem. E, sim, o dilema era o mesmo, mas ao revés. Choquei-me! Necessitei de alguns instantes para raciocinar. Uma vez compreendida a situação, minha mente inundou-se com os questionamentos já relatados, tendo como ator principal meu pai. Será que algum dia ele pensou que sua carreira seria diferente se não tivesse sido pai?
Me recordo da estória profissional de meu pai com muitos detalhes. Iniciou sua vida profissional jovem. Atuou como office boy e, após a conclusão do ensino técnico profissionalizante, ingressou diretamente em uma empresa de telecomunicação. Ingressou na faculdade, desistiu dessa, mudou de empresa e de cargo e, já casado e pai de duas filhas, decidiu voltar a cursar o ensino superior para melhorar o currículo. Continuou crescendo, trocou mais algumas vezes de empresas, sempre depois de ter vivenciado um ciclo em cada uma delas. Suas filhas se formaram na faculdade. Aposentou-se. Cumpriu sua missão. Será?
Sem receios de se expressar ou de ser julgado, um conhecido próximo conta abertamente que não atuou na área profissional que gostava para poder oferecer uma vida mais cômoda e uma boa educação aos filhos. Teve oportunidade de seguir trabalhando com o que gostava, mas, sem condições de cursar o ensino superior para deixar de ser um auxiliar e progredir na área das ciências, decidiu aceitar a oportunidade que lhe aparecera em outra área, para a qual não se requeria títulos.
Alguns parágrafos de um livro, dois exemplos de paternidade aqui sucintamente apresentados, e uma enxurrada de reflexões em minha mente. Ser pai pesa na balança das escolhas de vida tanto quanto a maternidade. Pode parecer ingenuidade minha, desleixo ou egocentrismo, mas, como mãe, poucas vezes parei para reconhecer os sacrifícios da paternidade. Esses pais, como tantos outros pais, de uma ou outra maneira, também necessitaram reescrever seus roteiros de vida. Para alguns, as mudanças podem ser mais drásticas, da água para o vinho; para outros, talvez mais sutis, passando desapercebidas para os espectadores menos atentos.
Ser pai é uma experiência pessoal, construída e interpretada a partir das significações culturais e sociais em que o homem está inserido. Exige do homem uma reinterpretação de si mesmo, suas crenças, seus valores; uma redefinição de responsabilidades e prioridades de vida. Um exercício longo e contínuo, possivelmente exaustivo emocionalmente, cuja carga emocional pode ocultar-se dos demais, justamente pelo papel social do homem, já que, ainda hoje, são educados a não mostrar sentimentos.
Volto ao início deste texto: muito fácil conhecer o que meu pai sabe (ele adora transformar jantares em momentos palestráveis); muito difícil saber o que ele sente. Sorte a minha tê-lo por perto, assim, ter tempo para, quem sabe, com auxílio de minhas melhores técnicas investigativas, descobrir o que meu pai sente quando admira sua vida. Quem sabe, no próximo mês de agosto, eu possa ter o privilégio de contar-lhes um pouco mais sobre o universo afetivo da paternidade.