Há quem diga que essa artista tinha uma produção livre, sem rotular sua obra a qualquer movimento, ideia, grupo ou linguagem. Mas também há quem a encaixe como uma representante do abstracionismo informal. Seja qual for, de fato, a escola a que pertence, a obra dela é realmente única, cheia de experimentações nas diversas áreas da arte, como pinturas, desenhos e esculturas. Ela é Tomie Ohtake, artista que viveu a ordem inversa do que se espera de uma profissional das artes plásticas, iniciando sua carreira aos 39 anos. Tomie dizia: "Tudo o que tenho a dizer está dito em meu trabalho. Nunca planejei de modo racional as minhas formas; elas simplesmente surgiam."

Entendendo sua trajetória, Tomie Ohtake nasceu em Kyoto, no Japão, em 1913. Veio ao Brasil para visitar seu irmão e ficar por um ou dois anos em 1936. Porém, o que Tomie não previu foi o início da guerra, impossibilitando seu retorno ao país natal. Isso fez com que Tomie se instalasse no Brasil, conhecesse seu marido, o engenheiro agrônomo Ushio Ohtake, também japonês, e tivesse dois filhos, Ricardo e Ruy, este último também um grande arquiteto. "Foi a luz amarela daqui - me apaixonei logo ao desembarcar no porto de Santos", disse Tomie ao chegar ao Brasil. Em São Paulo, estabeleceu-se com sua família no bairro da Mooca. A artista usava sua casa como ponto de encontro de pessoas de diferentes opiniões, gerações e perspectivas, promovendo assim encontros interessantes.

Quando criança, em sua terra natal, Tomie conheceu a arte da caligrafia, tradicional no Japão. Da caligrafia, começou a se arriscar em desenhos, fazendo testes e esboços o tempo todo, apesar do pouco incentivo de sua família. Na sua vinda ao Brasil, deixou totalmente de lado esse interesse, tornando-se dona de casa e mãe, mantendo os costumes da sociedade conservadora em que vivia.

Foi só após os 30 anos que, por acaso, ao auxiliar o recém-chegado do Japão, professor de arte e pintor Keisuke Sugano, Tomie voltou a pintar de forma simples, com quadros figurativos e paisagens (pinturas essas que se perderam em uma enchente). Esse aprendizado com o professor Sugano foi rápido, não lhe rendendo muito triunfo, porém fez com que Tomie acordasse do sono profundo longe das artes. Passado algum tempo, Tomie passou a integrar o grupo paulista de artistas plásticos chamado Seibi, do qual faziam parte Manabu Mabe, Tikashi Fukushima, Flavio Shiró, Tadashi Kaminagai, entre outros.

O grupo era restrito a artistas japoneses ou descendentes, porém era aberto a pintores já consagrados ou iniciantes. Sobre a influência japonesa, Tomie disse uma vez: "Minha obra é ocidental, porém sofre grande influência japonesa, reflexo de minha formação. Esta influência está na procura da síntese: poucos elementos devem dizer muita coisa."

Alguns anos depois de voltar a pintar, em 1957, Tomie Ohtake realizou sua primeira exposição individual no Museu de Arte Moderna de São Paulo (MAM-SP). Nos anos 70, começou a trabalhar com serigrafia, litogravura e gravura em metal, e nos anos 80 surgiu em suas obras um contraste mais intenso de cores. O ponto alto de sua carreira foi aos 50 anos, com muitas mostras individuais e conquistas de prêmios. Tomie participou de 20 Bienais Internacionais, mais de 120 exposições individuais no Brasil e no exterior, e ganhou 28 prêmios.

Tomie marcou sua trajetória tanto na pintura quanto na gravura e escultura. Suas diversas obras públicas estão espalhadas em muitas cidades, como São Paulo (Av. 23 de Maio, Anhangabaú, Cidade Universitária, Auditório Ibirapuera, Auditório do Memorial da América Latina, entre outros), Belo Horizonte, Curitiba, Brasília e outras. Além de ter esculturas no Japão, no jardim do Museu de Arte Contemporânea de Tóquio e no Mori Museum. No ano 2000, foi criado o Instituto Tomie Ohtake, que funciona até hoje, abrigando exposições de grande relevância e outros eventos. Tomie viveu até os 101 anos e sua obra a deixa viva até hoje.