Kazimir Malevich (1879-1935) foi o primeiro artista a reduzir a pintura à pura abstração geométrica. Cunhou as suas representações gráficas com o termo Suprematismo, através de um manifesto intitulado Do Cubismo ao Suprematismo, escrito por si e pelo poeta Vladimir Mayakovsky (1893-1930), em 1925/6.
Enquanto que, na pintura anterior ao suprematismo, esta era apresentada como representação ou distorção do real, na arquitectura a sua matéria de representação vinculou-se sempre com as formas geométricas. Malevich via a arquitectura como a arte síntese de todas as outras artes e a determinada altura envolve-se num projecto de arquitectura utópica, em conjunto com o arquitecto El Lissitzky (1890-1941), intitulado Architecton, onde desenvolve esculturas tridimensionais, com base em formas geométricas puras. As experimentações de Malevich foram uma contribuição revolucionária para vários campos artísticos.
«Dois tipos básicos de criação podem ser distinguidos: um, inicia-se na mente consciente, serve a vida prática, e lida com um fenómeno visual concreto; o outro, origina-se na mente subconsciente ou supraconsciente, fica à parte da “prática útil” e trata-se de um fenómeno visual abstrato».
(Malevich, Kazimir, 1926. "The non-Objective World: The manifesto of Suprematism")
Malevich contagia os seus experimentos arquitetónicos com o suprematismo na arquitectura num momento em que esta passava por uma rutura epistemológica e o movimento moderno estava em crescimento. Ele contagia ambas as áreas com este seu movimento e faz trocas de experimentos nas diferentes áreas sempre apoiado na sua paixão por formas geométrica puras. Curiosamente, a obra que mais se aproximou do campo da arquitectura, não saiu das suas tentativas de arquitectura utópica, saiu de uma das pinturas que compõem os seus primeiros conjuntos de trabalhos.
A sua pintura denominada, Branco sobre Branco, realizada em 1918, aproxima-se da arquitectura de uma forma subtil e subconsciente, transpassa as suas qualidades formais, ligando-se através de um sentimento maior, pela forma, pelo plano, pela cor e até pelo seu título. Branco sobre Branco remete de uma forma abstrata, tanto para a arquitectura vernácula mediterrânea, como também para a arquitectura minimal contemporânea. É um suprematismo intemporal que transcende a pintura e a arquitectura. Numa simples pintura de um quadrado branco sobre um fundo branco, Malevich consegue levar-nos a viajar pela arte moderna e pela arquitectura desde as formas arquitetónicas mais primitivas até aos exemplos mais contemporâneos.
A arquitectura vernácula mediterrânea, considerando o exemplo de Phira, a capital da ilha de Thera na Grécia, tem inteiramente o mesmo gesto abstrato que Malevich expressa nesta pintura. Servem o seu intento na perfeição, desde a função, à escolha da posição da forma geométrica - a sua implantação - o seu lugar, até à sobreposição de elementos da mesma família, de linhas, planos e cores. A cor será um dos elementos chave destas associações em cadeia. O branco puro remete a estes lugares, mas também o facto de ser branco sobre branco, remete a uma anulação de cor, que primitivamente nestes lugares servia para camuflar e que contemporaneamente é utilizado como uma estética higienizada herdada do modernismo.
Primeiramente, na arquitectura sem arquitectos, era a forma pela sua função, contemporaneamente, na arquitectura por arquitectos, é a forma pela forma, e o branco pelo branco.
Talvez nunca Malevich tenha conscientemente associado estas pontes e estes imaginários da sua pintura, mas vemos hoje os mais variados exemplos de arquitectura que utiliza até à exaustão, o Branco sobre Branco, sem que daí necessite de subsistir alguma relação entre ambos.