Pedro Ressano Garcia divide a sua actividade profissional entre a prática, em atelier próprio, a docência no ensino universitário e a investigação sobre a reconversão de frentes ribeirinhas em contexto urbano. Recebeu o Prémio Pancho Guedes de arquitectura em 2010 e é actualmente director do departamento de arquitectura e urbanismo na Universidade Lusófona.
Desde cedo na sua carreira, o Pedro dedica parte do seu tempo a viajar, tendo um percurso muito internacional e eclético. De que forma essas viagens influenciam o seu trabalho no atelier?
Quando viajamos as coisas tornam-se mais óbvias porque são mais expressivas. Eu vivo pasmado com as coisas. E por isso é que aprecio viajar. Estou sempre a ter essa sensação de frescura.
Eu cresci entre cinco países. Os convites para apresentar as minhas ideias e projectos no estrangeiro foram surgindo. Estou sempre atento aos edifícios e às cidades, e quando viajo estou particularmente atento, o que estimula a minha curiosidade. Tento compreender porque surgem as coisas que vejo, e daí tirar lições para os meus projectos.
Quando eu tive a bolsa da Gulbenkian, isso mudou a minha vida. Porque depois tive a bolsa FCT, etc. Entrei num circuito que me permitiu alguma liberdade de movimento e muita autonomia e assim iniciei-me fora. Criei relações com pessoas que estão noutros países, mas que de alguma maneira me são próximas. Essas relações mantêm-se e gradualmente convidam-te para uma série de coisas e a relação continua a crescer. É um bocado uma bola de neve.
Uma característica do atelier, é que temos sempre estrangeiros. Porque eu acho que é muito mais interessante olhar para uma realidade deste ou daquele contexto, com pessoas que não estão a lidar com os mesmos códigos culturais. E assim tudo se torna mais questionável. Ou seja, quando estamos todos de acordo com alguma coisa, tudo fica preguiçoso e não surgem novas perspectivas.
A viagem sempre cansa, mas para mim é uma oportunidade para ter criatividade. Mesmo durante o voo, aproveito as horas que me proporcionam, para fazer aquele desenho, ler ou terminar aquele texto que ainda não tinha tido tempo.
O atelier tem um carácter muito artístico pela forma como encaram cada projecto e pela versatilidade dos projectos. É algo que o apaixona? Ou é proporcionado pelos clientes?
A arquitectura é uma coisa que é preciso dosear bem. Não é óbvia. E o trabalho do atelier é um equilíbrio entre a nossa sensibilidade e a comunicação com o cliente.
Eu tenho tido muita sorte com os clientes e isso tem ajudado um pouco nesta caminhada. O atelier não é comercial, e um cliente inteligente e requintado é uma espécie em vias de extinção.
No atelier procuramos tirar partido de cada contexto, e das características de cada encomenda. A nossa resposta é movida pela paixão, por isso estabelecemos uma relação intensa com os projectos. Acho que os clientes são sensíveis à nossa atitude.
Por outro lado, actualmente dou por mim a ir mais a inaugurações de amigos meus artistas do que arquitectos.
Há pouco tempo fui dar uma conferência em Cracóvia. A minha apresentação era sobre 4 sentidos na Arquitectura e apresentei 4 projectos. A audição, com o projecto Voz do Mar; a visão, com o projecto do Eremitério; o olfato, com o Hamam do projecto Companhia das Culturas; e por último o tato, com os postes instalados no jardim, também do projecto Companhia das Culturas. E neste momento estamos a desenvolver um projecto para uma adega, que será o quinto sentido, o paladar.
Cada projecto que desenvolve é acompanhado por maquetes. Qual é para si o papel da maquete no desenvolvimento do projecto no atelier?
Ao projectar, o arquitecto usa uma mão cheia de instrumentos – desenha, tem ideias, faz maquetes, usa computadores e escreve. Cada instrumento é como um dedo da mão. Os nossos projectos são imaginados utilizando cinco instrumentos. Um deles é a maquete.
Em mais do que uma ocasião, dou por mim em obra a comunicar com maquete para partilhar as ideias. Estamos a querer perceber a arquitectura, e há coisas que o desenho te dá, outras o esquiço, outras o 3D, e outras a maquete. Se deitas a maquete fora, não conheces o projecto.
Recentemente publicou o seu livro Obras Seleccionadas com projectos do atelier. No livro recorre muito a imagens e reflete precisamente o constante recurso a maquetes. O que pretende transmitir a quem explora o livro?
Queremos partilhar a maneira como imaginamos a arquitectura. A invenção da arquitectura é misteriosa, e revelar a sua fabricação não é fácil. Tentar explicar como nasceu, ou descobrir como é cunhada, tem sido difícil para o público.
Alguma experiência de aprendizagem, que queira partilhar, que teve ao longo da carreira que marcou o seu percurso?
Eu estudei na Faculdade de Arquitectura do Porto, mas foi em Lisboa que me iniciei numa educação autodidacta. Acredito em liberdade e intensidade tal como existiu no construtivismo russo, onde houve a criação de ateliers livres e experimentais modelados a partir de um ideal utópico do atelier renascentista. Os construtivistas descobriram que há vários caminhos e ousaram explorar ambientes desconhecidos.
Curiosamente, foi com o Daniel Liebeskind que comecei a interessar-me pelo construtivismo, e foi com Pancho Guedes que agucei a minha curiosidade. Tenho tido muita sorte nas pessoas que encontrei na aprendizagem.
Quais são as principais mudanças no percurso dos alunos devido à proliferação de ferramentas digitais contemporâneas na academia?
Querem todos aprender o CAD e similares. Os programas digitais estão gradualmente a ser substituídos por aplicações e algoritmos de inteligência artificial.
Na minha opinião, haverá mais oportunidades no futuro para quem pense e tire partido das suas ideias, nas suas emoções, e respeite a sua intuição. Para o aprendiz de arquitecto, onde me incluo, o importante é aumentar a inteligência. As viagens, as leituras, o conhecimento de outros autores permanece uma enorme fonte de inspiração.
Como professor e arquitecto, tem algum conselho para os alunos que estão agora a começar a estudar arquitetura?
Sim, procurem cumprir-se, ou seja, desenvolver a sua própria expressão.