Tony van Raat é professor, arquiteto, curador e escritor da Nova Zelândia. Em 2014 e 2016 foi Comissário do pavilhão da Nova Zelândia na Bienal de Arquitectura de Veneza. Ele é ex-presidente da Association of Architecture Schools of Australasia, fundador da NZ Architectural Publications Trust, membro e medalhado pelo presidente da NZIA (New Zealand Institute of Architects).
É arquiteto na Nova Zelândia, mas tem muita experiência no exterior, com projetos comunitários. O que o faz querer explorar o mundo?
Eu tenho uma capacidade de concentração muito curta, e por isso preciso de continuar a fazer coisas diferentes, de maneira a conseguir trabalhar. Isto pode parecer uma piada, mas é algo muito sério. Eu acho conveniente mover-me frequentemente de uma coisa para outra - e fazer ligações inesperadas entre elas.
Uma das razões pelas quais eu gosto de viajar é que actualmente somos todos cidadãos do mundo e não apenas cidadãos do nosso próprio país. Mas mesmo para alguém da minha idade, que nasceu num momento em que não era tão fácil viajar, a ideia de viajar é emocionante e romântica. O que é realmente fantástico é que conhecem-se pessoas incríveis de diferentes partes do mundo e essa experiência quebra qualquer possibilidade de xenofobia, ódio racial, étnico ou desconfiança.
Actualmente estou a trabalhar num projeto no Sri Lanka, um projeto comunitário num distrito pobre. A equipe é formada por Juhani Pallasmaa, o famoso teórico da Finlândia, um arquiteto espanhol chamado Alberto Foyo, que está em Nova York, um arquiteto do Sri Lanka chamado Gihan Karunaratne, que mora em Londres e eu moro na Nova Zelândia! E há algo extraordinário sobre unir pessoas de todo o mundo. Gosto dessa experiência: acho muito estimulante, muito emocionante e aprendemos muito ao lidar com pessoas que têm diferentes origens educacionais, sociais e culturais. Mas também tendo viajado um pouco por todo o lado, permite-me ver o meu próprio país de uma forma bastante diferente. Dá-me uma nova perspectiva e eu acho que entendemos melhor um lugar quando estamos longe e vê-mo-lo de uma certa distância.
Estas são algumas das razões.
Alguma experiência de aprendizagem, que queira partilhar, que teve ao longo da carreira?
Posso falar de três que são na verdade todas a mesma.
A primeira foi visitar o Estúdio Rural no Alabama, onde eles têm provavelmente os melhores projetos de estudantes construídos no mundo. Visitei com o director da escola David Hinsen e também o arquiteto da Nova Zelândia Dave Strachan com quem estávamos a desenvolver um projeto semelhante aqui na Nova Zelândia para envolver os alunos na construção. Ver os estudantes americanos a trabalhar em projetos comunitários foi uma experiência realmente incrível.
Semelhante é este projeto que estamos a fazer no Sri Lanka, no distrito das favelas, a tentar construir um centro comunitário com as pessoas que acabo de mencionar. Levei estudantes da Nova Zelândia, e alguns de Inglaterra também. Foi uma experiência enriquecedora trabalhar num ambiente tão diferente.
E a terceira situação, é um projeto na Nova Zelândia, quando levamos um grupo de alunos para um distrito rural remoto, longe da cidade para reconstruir um velho Marae. Um Marae é um edifício Māori, é algo entre um centro comunitário e uma igreja e este estava abandonado desde 1940. Com os estudantes, o arquiteto Maori Rau Hoskins, artesão / artista Carin Wilson e outros, o edifício foi reconstruído.
Todos esses projetos relacionam estudantes de arquitetura e arquitetos com pessoas que nunca usariam um arquiteto. Há algo maravilhoso em trazer o mundo da arquitetura para pessoas que realmente não sabem muito sobre ele e dificilmente acham que um arquiteto poderia ajudá-los. E não há melhor experiência - para os alunos e na verdade para qualquer pessoa - do que ser capaz de fazer algo para ajudar a transformar a vida dos outros.
Há muita arquitetura altamente sofisticada e intelectual no mundo. Mas eu cheguei a um ponto, como um homem da minha idade, que eu preferia ir e construir um banheiro para alguém em África do que escrever um artigo académico para uma revista. Eu confesso que realmente preferia!
Em termos de oportunidades em arquitetura, a Nova Zelândia é o sítio ideal para se estar agora?
Sim, acho que é.
A economia é muito flutuante, toda a gente tem trabalho e eu estou actualmente envolvido num projeto na rua principal da maior cidade do país - a conversão de uma loja de 12 pisos de 1920 para novos usos – para o qual não conseguimos encontrar um arquiteto na cidade para nos ajudar. Tivemos que procurar nas províncias para contratar um arquiteto para produzir a documentação. Os estudantes arranjam trabalho quase imediatamente quando acabam o curso. Alguns interrompem os estudos porque têm trabalho mesmo antes de terem concluído o curso.
Mas a verdadeira razão pela qual eu acho que a Nova Zelândia é o lugar para trabalhar neste momento é porque é estável, não há corrupção, muito pouca poluição, tem um bom estilo de vida e somos uma sociedade extremamente mista. Na última aula que eu lecionei, acho que havia 16 alunos na turma e vieram de 12 países diferentes. Por isso, é muito misturado, há pouco preconceito racial (mas ainda demasiado!), Preconceito religioso é muito raro, o tempo não é mau e a comida é muito boa. Então eu acho que toda a gente devia vir para a Nova Zelândia para trabalhar!
Vou contar-te uma história: eu estava a almoçar com uma aluna que tinha terminado o terceiro ano e, quando saímos do café, encontramos um grupo de recém-formados que estão a gerir um atelier. Eu apresentei o grupo à aluna que nunca tinham conhecido antes e, de pé na esquina da rua, ofereceram-lhe trabalho na hora. Tal era a necessidade que tinham de contratar arquitectos para o atelier.
Numa entrevista, disse que «a credibilidade reside nos conhecimentos especializados e uma mudança na posição dos arquitetos na sociedade obriga a uma mudança no processo educacional que acultura os jovens à medida que entram na profissão». O que é mais urgente mudar na forma como ensinamos e aprendemos arquitetura?
Eu acredito que a academia precisa de sair da bolha onde se vê como sofisticada e elitista e incentivar os alunos a compreenderem que estão a entrar numa profissão de serviço. Acho que um bom exemplo é a medicina. Grande parte da educação em medicina é dada no hospital, onde os professores da escola de medicina fazem pesquisa e ensinam, mas também trabalham com os pacientes. Nas escolas de medicina na Nova Zelândia, não se pode ensinar a menos que também se esteja a trabalhar. A maioria dos funcionários das nossas escolas de arquitetura não estão registados e por isso não são permitidos, por lei, a chamarem-se arquitetos. São académicos e tornaram-se académicos porque não querem praticar arquitetura.
É necessário que a escola de arquitetura retome a sua ligação à prática, que se envolva na comunidade, que compreenda melhor o ofício de construir, utilizando as ferramentas digitais e eletrónicas disponíveis mais sofisticadas. Os arquitetos dependem de patronos de elite para alguns dos seus trabalhos, mas eles não vão dar trabalho a uma geração inteira de estudantes de arquitetura. Essa elite pode contratar o Rem Koolhaas, Renzo Piano, Bjarke Ingels ou quem quer que seja o seu stararchitect favorito. Mas a comunidade precisa das habilidades dos estudantes que ali nasceram.
Eu acho realmente que a melhor escola de arquitetura não seria sequer dentro de um edifício. Seria móvel, transitória. Seria inserida na comunidade. Este é um modelo que eu gostaria de ver.
A educação é um negócio gerido pelas universidades com fins lucrativos. Os arquitetos teriam mais trabalho se se integrassem nas comunidades e se não se considerassem uma espécie de elite. Na verdade os arquitetos são uma espécie de funcionários públicos e existem para servir – tal como os médicos.
A atual crise expôs muitos edifícios que estão agora vazios. Os arquitetos também tiveram alguma culpa nisso. Os alunos estão cientes disso? Ou estão muito distantes dessa realidade?
Muitas vezes os alunos estão muito distantes dessa realidade, porque a maioria da educação universitária acontece numa espécie de bolha. Os estudantes de arquitetura devem conversar com economistas, políticos, assistentes sociais e profissionais da saúde. Se estivessem mais envolvidos na situação política e social das suas comunidades, iriam compreender que, para quando a arquitetura simplesmente serve os interesses dos especuladores imobiliários, os responsáveis que estão a construir esses empreendimentos de apartamentos vazios, não são boas opções nem saudáveis. Essas pessoas não precisam de nós: eles podem arranjar alguém que projete esses edifícios para eles.
Quais são os principais benefícios dos projetos comunitários para os alunos?
Duas coisas. Um é lidarem com pessoas comuns, ao invés de clientes ricos. E o segundo é que os alunos ajudam a construir o que eles projetam para as comunidades. Desta forma, eles envolvem-se diretamente na experiência de trabalhar num estaleiro de obras e aprendem que alguns construtores sabem muito mais sobre a construção do que eles. A maioria dos arquitetos gasta o seu tempo a documentar o trabalho que tem de ser construído por outros, por isso é inestimável para os alunos verem os seus desenhos a serem usados na obra e pensarem «como é que vou construir isto?». Eu tenho um amigo construtor na Nova Zelândia que diz «lá porque você pode desenhar não significa que eu possa construir!«. É sobre a realidade. Eles têm a realidade social, ao lidar com pessoas comuns, e a realidade arquitetónica, ao trabalhar com construtores.
Nós levámos um grupo de estudantes para o Haiti depois do terremoto que houve, eram estudantes do primeiro e segundo ano que fizeram um exercício de levantamento nos subúrbios em ruínas. Quando voltámos um deles disse-me: «Eu pensava que esta viagem ia mudar a minha visão da arquitetura. Eu estava errado. Mudou a minha visão sobre a vida». Todos os alunos dizem que os projetos construídos por eles são os melhores projetos que eles fazem na escola de arquitetura.
Quais são as principais mudanças no percurso dos alunos devido à proliferação de ferramentas digitais contemporâneas nas aulas?
Eu acho que o risco real é que os alunos são agora obrigados a ser tão profissionais em computação que o que apresentam numa crítica é uma demonstração de habilidades de computação ao invés de habilidades de arquitetura. Se fores sofisticada o suficiente com renders e modelos virturais, então podes fazer um péssimo projeto ficar muito bom! E eu acho que isso é perigoso.
Eu sou velho o suficiente para pensar que há um valor quando se trabalha com o seu corpo - mãos, olhos, coordenação do cérebro - de uma maneira que não se faz com o computador.
Como professor, tem algum conselho para os alunos que estão agora a começar a estudar arquitetura?
Ninguém deve estudar arquitetura, pelo menos não em níveis avançados, até ter a oportunidade de descobrir o que é, fora da escola de arquitetura.
Acredito que há valor no modelo prático de aprendizagem. Os alunos devem passar algum tempo num escritório de arquitetura ou numa obra e só depois ir para a escola de arquitetura. Os alunos têm que ser expostos às realidades da produção da arquitetura antes de saberem que tipo da educação querem ter. Os alunos devem escolher sua própria educação e uma escola de arquitetura deve permitir que um aluno possa construir o tipo específico de educação que mais lhe convir. Deve haver liberdade e flexibilidade dentro do programa de arquitetura. Eu não acho que a escola de arquitetura deva ter de ser acreditado ou examinado de maneira nenhuma. O verdadeiro teste é quando se entra na profissão.
O ensino de arquitetura numa escola de arquitetura deve envolver quase tudo o que seja do interesse do estudante. Mas caso se queiram tornar um arquiteto registado, existem certas coisas a nível profissional que terão de aprender. Ninguém deveria estudar arquitetura antes de saber algo sobre o mundo.