Não é apenas na forma construída da obra arquitectónica de Carlo Scarpa (1906-1978) que se encontra a sua mestria, é também e principalmente nos mais ínfimos detalhes.
Carlo Scarpa foi um arquitecto modernista italiano, dissipado no panorama pelos seus contemporâneos, talvez pela natureza da sua arquitectura subtil e térrea. As suas obras superam o modernismo, tornam-se intemporais e resgatam o ornamento.
É nos seus pormenores ornamentais onde mostra a sua aptidão para trabalhar o vazio e a massa construída. A forma como trabalhava, através do desenho e proximidade com os artesãos, permitia-lhe manobrar as formas, os materiais e as texturas como muito poucos arquitectos.
«Ele acreditava na elegância do incompleto».
(McCarter, Robert, 2013.Carlo Scarpa monography)
Os seus detalhes mais recorrentes são escadeados de betão, que aparecem tanto nos planos verticais e horizontais, como no interior e exterior dos seus edifícios. No projecto da Aula Magna di Cà Foscari, em Venena, de 1935-37, um projecto do inicio da sua carreira, mostra já essa mesma habilidade para os pormenores. Os pilares e vigas em madeira, tal como as portadas, que acompanham os envidraçados, são elementos reconhecíeis como sendo da obra de Scarpa. São elementos de um desenho minucioso e de um trabalho de artesão, não só na composição e junção dos materiais como também no seu design.
No pavilhão que constrói, em Veneza no ano de 1958, para expor os elementos da marca Olivetti, Carlo Scarpa tem a oportunidade de mostrar todo o seu potencial como arquitecto e designer. Alguns dos pormenores mais refinados da sua obra aparecem neste edifício. Um negativo escavado nas pedras da fachada, onde se situa uma espiral quadrangular num metal em tons de amarelo, que é o logotipo da exposição, ou, a célebre escada deste edifício, que é a peça central do modelo do seu poder escultórico como arquitecto.
O complexo da Tumba Brion é o colossal exemplo do infinito trabalho e dedicação aos detalhes como também da relação que Scarpa cria entre a sua arquitectura subtil e a natureza circundante. Projectado e construído entre 1969 e 1978, em San Vito de Altivole, é um projecto desenhado com base num forte simbolismo e temporalidade, para eternizar o amor incondicional de uma família. Para além dos edifícios do complexo cheios de detalhes intermináveis, o jardim que os rodeia é um gesto de pura integração e contemplação da vida mortal. É neste projecto que Scarpa perpetua desenhos de detalhes infinitos e pormenores minuciosos, praticamente esculturas em betão, que só um arquitecto com a sua capacidade de simplificar a densidade do seu trabalho conseguia e onde explora a sua idoneidade para trabalhar as formas como moldes de negativos e positivos.
Neste contexto do detalhe, encontramos a verdadeira obra do arquitecto Scarpa. Este cria uma estética eterna e intemporal para a sua arquitectura dita moderna. Trabalha o betão com um material escultório e produz autênticos edifícios com profunda densidade na imersão nas tradições artesanais. Tudo nos seus projectos apontam para a sua desmesurada capacidade de trabalho, de manobrar as formas e para a aptidão de criar lugares onde se sente a poesia do espaço.