Antes de a gastronomia entrar na minha vida, eu trabalhava no ramo de marcenaria e projetos de interiores, mas minha primeira formação é em arquitetura e urbanismo. Vivi muitos anos atuando nessa área profissional, o que me proporciona uma perspectiva única na relação com espaços e suas características. Enquanto cursava gastronomia, uma das minhas principais referências era o chef Alex Atala. Para mim, a forma como ele apresenta a cozinha brasileira é brilhante, evidenciando uma parte da cultura do país.
Pouco tempo após me formar, estive em São Paulo e reservei um horário para o almoço no restaurante mais famoso do país, o 'D.O.M.'. Para muitos, seria um dia de semana comum, mas para mim, foi um evento! Era um momento que minha esposa e eu planejávamos viver há anos. Animado, cheguei antes do horário agendado, antes mesmo da abertura, e tive tempo para analisar a localização do restaurante: o edifício fica na Rua Barão de Capanema, numa de suas extremidades sem saída, próxima à Rua Oscar Freire, uma das mais movimentadas da cidade de São Paulo.
Depois de me situar, observei atentamente a fachada do restaurante, que é moderna e elegante, com grandes aberturas, fazendo uso de metais e vidros. Há ainda pequenas floreiras com plantas decorativas, proporcionando um toque de vida ao exterior sóbrio de linhas retas. O nome do restaurante está ao lado da entrada principal, de fácil leitura, direcionando os olhares para a grande porta metálica.
Ao entrar, o primeiro impacto é a escala, revelando um grande salão com pé direito duplo. Esse impacto é reforçado pelas iluminações nas colunas, pelos encostos elevados dos sofás laterais e pelo monumental lustre disposto ao centro da sala. Continuamos andando, passamos pelo bar da entrada, cruzamos o salão e nos dirigimos a uma mesa próxima à estante decorativa no fundo do local. Gostei muito do local designado, onde podíamos observar a cozinha atentamente e ver um pouco do que acontecia lá dentro.
Estava tão ansioso que, ao chegar à mesa, não dei atenção à bela escada que dava acesso aos banheiros e ao mezanino superior, ou mesmo à decoração da estante. Estava concentrado em não cometer gafes de etiqueta. Assim que nos acomodamos, subitamente notei uma sensação de aconchego e segurança. Esses sentimentos foram aflorados pela textura da palhinha das cadeiras, pela iluminação indireta, pelos assentos em tons neutros e pelo toque macio da madeira. Sentia que estava na casa de um bom amigo. Uma vez mais relaxado, pude notar o efeito de outros elementos, como a altura do lustre, e reparar nos encostos elevados onde estavam instaladas arandelas. Essa união de elementos criava uma barreira visual que não deixava meu olhar seguir pelas paredes. Minha atenção não era dispersada no ambiente, conseguia focar na mesa e em tudo o que estava acontecendo ao redor dela.
A refeição começou a ser servida, e entre um prato e outro, conseguia relacionar o ambiente à comida, toda sua modernidade e elegância. Fazendo um paralelo com o visual dos pratos, vejo-os da mesma maneira: sóbrios e refinados. Assim como a assinatura da fachada, a montagem conta com elementos que têm a função de destacar o ingrediente principal. Essa unidade visual reforça minha atenção ao prato, realçando as formas e cores dos ingredientes.
O serviço do salão era muito bem executado, assim como as linhas retas do interior, preciso e rigoroso, mas com cuidado em ser gentil e amigável. Enquanto comia, observei que a tonalidade das madeiras e dos estofados procuravam ser muito próximas, deixando o ambiente menos contrastante e mais agradável, diminuindo minha percepção quanto à decoração, pois nenhum elemento se destacava dos demais. No final da refeição, tivemos acesso à cozinha, e como em toda cozinha profissional, havia muito ruído da exaustão, dos fogões, fornos, facas e utensílios. Neste momento, percebi que o isolamento acústico é um elemento importante no controle da ansiedade, pois, com o corpo e a mente relaxados, consegui aproveitar muito mais do meu tempo durante a experiência.
Todos os fatores arquitetônicos acima tentam, na verdade, não tirar a atenção da comida. A arquitetura do D.O.M. tem o compromisso de ajudar a focar toda a atenção no momento da refeição. Naquele dia, foram 16 pratos em pouco mais de 2 horas. O ambiente me deixou seguro, e pude aproveitar todo o meu tempo sem ser fatigante. A partir desse dia, comecei a observar o quão impactante é o projeto de arquitetura para a gastronomia, refletindo em decisões desde o início da concepção do empreendimento, investindo na escolha de materiais, texturas, sistemas de cocção e exaustão. Todos os elementos devem ser complementares e pensados de forma que trabalhem juntos para melhorar o bem-estar dos clientes.
Saí de lá realizado, a ambientação fez com que a minha percepção quanto aos sabores, texturas e aromas da comida fossem aprimoradas. Poder entrar na cozinha e registrar o instante junto aos meus ídolos fechou o dia com chave de ouro!