A propósito do centenário da revolução de Outubro, onde comemoramos as conquistas e as realizações políticas, socioculturais, económicas e civilizacionais do socialismo da URSS, este artigo celebra e relembra, de forma breve, a ação que esta revolução teve na área da arquitectura através da vanguarda soviética.
«Foi a pátria dos «sovietes», o primeiro país do mundo a pôr em prática ou a desenvolver como nenhum outro, direitos sociais fundamentais».
(Jerónimo de Sousa, secretário-geral do PCP, in comício comemorativo da revolução de outubro, 07 de Novembro de 2017, Lisboa)
Foi necessário aguardar para que a União Soviética revelasse o seu potencial intelectual e para que viesse a deixar um legado de relevância que alterou, através do socialismo, a forma como percecionávamos a sociedade. Na realidade, a revolução sonhou para o ser humano uma nova estrutura social, que passou pela reformulação de diferentes sectores do estado incluindo os valores intelectuais.
Nas áreas da cultura, a multiplicidade de projectos artísticos e arquitetónicos da época pós-revolução, levados a cabo pelas vanguardas soviéticas, vieram a mostrar uma profunda mudança no pensamento cultural e a abrir a possibilidade ao desenvolvimento de movimentos como o construtivismo e o suprematismo russo, construindo avanços revolucionários para a arquitectura da época.
Os ideais da cidade socialista
Não tardou, até que os ideais socialistas contagiassem outros campos diretamente ligados com a vida quotidiana como é o caso da arquitectura. Primeiramente, foi racional a ação realizada sobre o património arquitetónico existente de modo a reconstruir o edificado e preservar os monumentos arquitetónicos, como forma de reconstrução da União Soviética enquanto país. Numa segunda fase existiu a necessidade de pensar uma nova cidade capaz de receber ideologia socialista. O nascimento destas novas cidades socialistas, deixou claro a desvinculação com o passado, tanto na sua estética, como na organização e funcionalidade, ao fim ao cabo existia uma necessidade de planificar para acompanhar a revolução e as suas novas atividades e teorias políticas.
O livro do arquiteto Nikolay Milyutin (1889-1942) sobre o problema da construção de cidades socialistas, organiza de um modo lógico e ordenado as questões para uma reformulação de uma nova arquitectura funcional e formal através da arquitectura. Esta foi uma importante peça para a teoria da arquitectura soviética, alcançando franjas sociais que os projectos semelhantes de época, noutras cidades, não conseguiam alcançar, pois, eram realizados especificamente para benefício das burguesias capitalistas.
No manifesto do partido comunista, Marx e Engels, perseveravam a necessidade urgente da destruição da cidade industrial, para acabar com as condições desumanas em que o proletariado vivia e homogeneizar a relação e as condições de vida entre a cidade e o campo. Outro dos ideais para a cidade socialista era a descentralização dos núcleos congestionados das cidades de forma a alcançar a redistribuição da sociedade. Estas seriam as principais premissas ideológicas para a reconstrução da cidade socialista.
A trabalhar nestes conceitos ideológicos no terreno estava a ASNOVA Group (associação dos novos arquitetos), com o arquiteto Moisei Ginzburg e os irmãos Vesnin, Leonid (1880-1933), Victor (1882-1950) e Alexander (1883-1959), na frente da associação.
A primeira proposta de cidade, do grupo, considerava a descentralização dos núcleos congestionados e uma cidade verde, seguindo à risca as ideologias comunistas. Esta proposta foi dirigida por uma parte da equipa, considerada os “desurbanistas” liderada por Guínzburg e Barsch. A segunda proposta, não seria uma cidade no seu todo, mas um projecto para macrounidades de habitação que continha todos os serviços necessários e que em conjunto estas unidades se complementavam numa verdadeira cidade. Estas propostas seriam diretamente influenciadas pelas unidades de habitação de Le Corbusier, como se pode ver pelas semelhanças como o projecto do Leonid Vesnin para um subúrbio de moscovo, onde os edifícios habitacionais são complementados com parques, lagos e monumentos.
As casas-comunas
A adaptação da cidade tradicional russa para uma cidade socialista, onde pretendiam alcançar como novos ideais, alterou a forma de pensar as funções básicas do funcionamento da vida quotidiana. Os edifícios foram deixados de pensar como elementos soltos e passaram a ser pensados como conjuntos, para albergar as novas formas de habitar. Assim, emergiu uma tipologia de edifícios habitacionais chamados de apartamentos comunitários, na união soviética após a revolução de outubro de 1917, que respondiam a uma crise na habitação e promoviam uma visão de sociedade comunitária. As casas-comuna e eram uma tipologia presente naqueles dias e que pouco chegaram aos tempos de hoje como eram originalmente, devido a adaptações a posteriori conforme as modas e os gostos pessoais dos seus utilizadores.
Um dos exemplares mais significativos de apartamentos comunitários é o conjunto habitacional Narkomfin, contruído em 1928/30 também em Moscovo, pelo arquiteto Moisei Ginzburg (1892-1946), um representante do construtivismo da vanguarda Russa. Este edifício de apartamentos plurifamiliares foi uma oportunidade para por em prática os ideais de vida comunitária, e alterar os programas funcionais base de uma habitação, construindo zonas do edifício comunitárias, como as cozinhas, cresces, lavandarias e áreas que fomentassem a socialização, como jardins e livrarias.
Mas não é só na função que está a mudança, no campo da estética arquitetónica aparecem movimentos estético-políticos, como o construtivismo, que afirmam uma rutura com a estética tradicional soviética. Um exemplo desse movimento é a casa-estúdio do arquiteto e artista Konstantín Mélnikov (1890-1974), construída em 1929 em Moscovo. A estética desta habitação representa, a primeira rutura, na construção do período pós-revolução e da vanguarda russa.
De alguma forma, todos estes experimentos para as cidades socialistas, ou até mesmo aqueles projectos utópicos menos ligados aos ideais socialistas, tiveram um contributo importante, pois gerou-se um dialogo e uma análise em torno de uma organização territorial e estabeleceram objetivos reais para a construção de uma cidade ligada aos ideais de uma nova sociedade socialista. Foi um acontecimento histórico, de emancipação para grande parte da população que não tinha nem voz, nem direitos fundamentais, tal como hoje os conhecemos. Foi um exemplo de transformação e de conquistas pela igualdade e por uma sociedade justa, onde a arquitectura contribuiu de forma equitativa. Não se faz arquitectura sem fazer política, não se faz arquitectura sem se fazer revolução.