“Every generation must carry both the burden of the past and the responsibility for the future. The present is coming to be seen more and more as a mere link between yesterday and tomorrow... Every generation has to find a diferente solution to the same problem: to bridge the abyss between inner and outer reality».

(Siegfried Giedion, in «Architecture and the Phenomena of Transition»)

A proposta de Lino Tavares Dias, para a leitura e interpretação do território peninsular que habitamos e nos habituámos a transformar diariamente, introduz questões de princípio disciplinar que interessa trazer para o debate da prática arquitectónica e, mais concretamente, da intervenção arquitectónica em contexto arqueológico, sobretudo por se tratar de um território com marcas de ocupação milenares, algumas das quais ainda bem visíveis e presentes actualmente. A sua compreensão torna-se, portanto, essencial para qualquer um de nós que olhe para a Paisagem e nela tente reconhecer uma identidade ou, dito de outra forma, nela tente reconhecer a sua identidade.

Para tal, o autor partiu da definição consagrada pela Convenção Europeia da Paisagem, realizada em Florença em 2000 e reconhecida em Portugal em Janeiro de 2005, em que a Paisagem é entendida como uma parte do território, tal como é apreendida pelas populações e cujo carácter resulta da acção e inter-acção de factores naturais e humanos. É uma elaboração mental que os homens concretizam através de fenómenos de cultura e implica, precisamente, a transformação da Natureza, de uma determinada Natureza ou espaço natural, onde o homem ou uma comunidade projecta a sua cultura, o seu modo de se posicionar no mundo.

O objectivo final de Lino Tavares Dias é salientar, através de denominações identitárias aquelas paisagens que fundamentem a singularidade de um território objecto e espaço que exige gestão específica1. Ou seja, importa compreender o passado de um determinado território, para o podermos projectar no futuro, analisando-o como património prospectivo. Saber quem somos, como nos construímos, são a única forma de escolhermos o que nos convém e, só então, decidirmos para onde queremos ir 2.

O espaço suporte da reflexão de Lino Tavares Dias é designado por Douro Verde, dada a sua proximidade ao Douro vinhateiro e à área metropolitana do Porto, e cuja identidade se construiu ao longo dos séculos, alimentando-se das características da sua geomorfologia. Reconhecendo que as coisas feitas pelo homem, leia-se, o património construído, são disponibilizadas aos nossos sentidos por «evidência directa», ou após «exumação arqueológica», salientam-se as suas dimensões tangíveis e intangíveis. Para esse exercício, Lino Tavares Dias procura reconhecer a estratigrafia milenar na Paisagem do território, e operacionaliza o seu planeamento e usufruto com base naquilo que denomina Unidades de Paisagem Património.

As Unidades de Paisagem Património constituem áreas relativamente homogéneas que denotam a estreita relação entre as características ecológicas de um território e as actividades que nele se desenrolaram, exemplificadas e identificadas como Património Construído, arquitectónico e arqueológico, num intervalo de tempo ante e post bem definido3. Uma das Unidades de Paisagem Património que Lino Tavares Dias identificou no território do Douro Verde é a da construção de mosteiros que, durante a época medieval, se instalaram em vales e encostas, onde abundava a água, no aproveitamento de traçados viários anteriores, como os romanos. Naturalmente que este princípio proposto por Lino Tavares Dias, pode estender-se e aplicar-se a outros territórios, como o do nordeste transmontano, onde, a nossa análise pode até partir de uma determinada época cuja marca seja mais visível na actualidade, mas que irá obrigatoriamente integrar tudo que foi construído pelo homem sobre o território natural.

É o caso da aldeia de Castro de Avelãs, nas proximidades de Bragança. Tem como objecto mais significativo o Mosteiro Beneditino de S. Salvador que aí foi construído, provavelmente na primeira metade do Século XII. Da sua história e importância regional, sabemos que coincidiu com a da fundação do país e que desempenhou um papel conciliador numa conjuntura de enorme tensão política e de cruzamento de interesses. Mas, para o visitante desprevenido, uma visita actual à aldeia rapidamente se transforma em surpresa e fascínio, dada a imponência do monumento e a estranheza das suas características construtivas e arquitectónicas.

A utilização do tijolo, quer como elemento estrutural, quer como elemento decorativo, aproximam o Mosteiro de Castro de Avelãs da arquitectura mudéjar que, no final do século XII e início do século XIII, no contexto da reconquista destes territórios ao Islão, dava os primeiros passos nos vizinhos reinos de Leão, Castela e Aragão, graças à permanência na região de uma significativa comunidade mudéjar. Resultando essencialmente do encontro das tradições artísticas cristã e muçulmana, esta corrente artística tem no uso sistemático do tijolo a sua característica mais evidente e será com o conjunto de edifícios religiosos do espaço rural leonês que o cenóbio de Castro de Avelãs terá maiores afinidades, nomeadamente com as construções mais modestas de Arévalo, Sahagún e Toro.

Castro de Avelãs terá sido a zona nuclear da etnia Zoela, povo Ásture Augustano que habitava o nordeste transmontano e tinha precisamente em Castro de Avelãs a sua capital administrativa ou religiosa. Os vestígios de construções romanas e pré-romanas que foram sendo encontrados desde finais do século XIX no local, levam a crer que a localização do aglomerado (civitas zoelarum), terá beneficiado da passagem da Via Antiqua no local, estrada romana que ligava as cidades de Braga a Astorga. Seria inclusivamente neste local que se reuniriam os ramais norte e sul dessa estrada, divergentes desde Chaves (Aquae Flaviae) e onde se localizaria a mansio Roboretum do Itinerário de Antonino.

A importância religiosa de Castro de Avelãs remonta à época pré-romana. Para percebermos a existência de um centro religioso com a importância e poder que o Mosteiro Beneditino de Castro de Avelãs teve, não deixa de ser de extrema utilidade o olhar prospectivo ao território e ao património construído, que nos propõe Lino Tavares Dias. Talvez as sucessivas comunidades residentes sempre tenham pressentido em Castro de Avelãs esse ímpeto transcendente e religioso. É um daqueles locais mágicos de um Portugal quase desparecido. O Mosteiro é exemplar único de um movimento artístico sem igual em Portugal. Isso, por si só, deveria ser suficiente para justificar uma visita. E tudo o resto ainda por fazer, deveria envergonhar os responsáveis pelo património arquitectónico e cultural deste país...

Notas

1 Lino Tavares Dias, Paisagens Milenares do Douro Verde. Caleidoscópio, 2015, p. 11.
2 Lino Tavares Dias, Paisagens Milenares do Douro Verde. Caleidoscópio, 2015, p. 12.
3 Lino Tavares Dias, Paisagens Milenares do Douro Verde. Caleidoscópio, 2015, p. 26.