Pode um projeto acabar com a sua vida? Bom, talvez não somente um projeto em si, mas para essa arquiteta, o seu projeto e obra dos sonhos se tornou um pesadelo. Mas vamos do início, Maria Carlota de Macedo Soares nasceu em Paris em 1910, chegando ao Brasil alguns anos depois. Sua família era muito influente no brasil e principalmente no Rio de Janeiro. Lota, como era conhecida, gostava de carros de corridas, usava roupas tidas como masculinas para época e era vista como uma mulher controversa.

Teve sua formação em arquitetura adquirida de forma autodidata (assim como alguns grandes nomes da arquitetura, como Le Corbusier), ou seja, não se formou em nenhuma universidade, mas sempre teve interesse e paixão pela arquitetura, possuindo uma extensa biblioteca e sempre atualizada sobre o tema. Desde nova a família de Lota já notava suas habilidade e entusiasmo com as artes, o que fez com que fizesse o curso de pintura da Universidade do Distrito Federal, e um de seus professores era ninguém menos que Cândido Portinari.

Sua obra prima e paradoxalmente o motivo de sua depressão foi o projeto e construção do Parque do Flamengo, no Rio de Janeiro, na década de 50. Nessa obra, Lota demonstrou uma visão única sobre o urbanismo, paisagismo e os espaços públicos em sua relação com os habitantes. Recebendo do então governador Carlos Lacerda a responsabilidade de gerenciar a obra do Aterro do Flamengo, já que Lacerda havia ficado encantado com os feitos de Lota no projeto da casa da arquiteta em parceria com o arquiteto Sérgio Bernardes, a famosa Casa Samambaia. A arquiteta mobilizou os profissionais para essa grande empreitada, entre eles Affonso Reidy no urbanismo, Burle Marx no paisagismo, Luiz de Mello Filho, botânica, Jorge Machado Moreira e Hélio Mamede, arquitetura, e Bertha Leitchic, engenharia.

image host Figura 1: Aterro do Flamengo, Rio de Janeiro, Brasil.

Lota demonstra em seu texto para uma revista da época o que era importante na concepção do projeto do Aterro do Flamengo e o quanto ela estava pautada no uso das cidades pelos seres humanos e não por automóveis:

“Neste mundo de hoje, em que se pensa tão pouco no indivíduo, na criatura humana de carne e osso [...] parece que o Aterrado da Glória, tal como concebeu o Grupo de Trabalho, é obra urgente e inédita: cuida tanto da beleza e conservação da paisagem, quanto da utilidade dela, põe as necessidades do homem diante das reivindicações da máquina, ousa oferecer ao pedestre, pária da idade moderna, o seu quinhão de sossego e lazer”. Revista de Engenharia do Estado de Guanabara, 1964.

Por mais de 5 anos, Lota trabalhou de forma intensa e sem parar na obra do Aterro do Flamengo. Porém, após a saída do governo de Carlos Lacerda, a arquiteta foi afastada do seu cargo pelo novo governador. Um grande feito, mesmo não tendo ficado até o final da obra, foi que Lota conseguiu tombar o Parque do Flamengo, evitando que se fizesse um loteamento no aterro do Flamengo. O fato de ter sido desligada do cargo unido a estresse dos últimos anos fez com Lota fosse internada com diagnostico de depressão. Esse sofrimento fez com que, aos 57 anos, Lota tirasse a própria vida em uma viagem a Nova York quando visitava sua companheira Elizabeth Bishop.

O romance entre Lota e Bishop, se iniciou antes da vida na arquitetura. Durante seu período estudando artes, foi estudar no Museu de Arte Contemporânea de Nova York. Foi nos Estados Unidos que a então estudante conheceu a poeta Elizabeth Bishop, com quem viveu um romance lindo, porém discreto, devido a época. A história de Lota e Bishop virou filme, o longa metragem chamado Flores Raras. No final da obra de Aterro do Flamengo, Elizabeth Bishop se separou de Lota, retornando para Nova York.

Lota rompeu barreiras, conseguiu com que um obra pública tivesse a responsabilidade de entregar aos habitantes um espaço de qualidade, integrando natureza, urbanismo e lazer. Porém é frequente que o projeto do aterro seja unicamente atribuído a Roberto Burle Marx, tirando de todos os outros participantes seus méritos, inclusive o de Lota. A arquiteta foi o exemplo do que é levar seu trabalho ao limite, e infelizmente não conseguiu lidar com sua doença. Em uma época onde saúde mental é tão falada e discutida, principalmente no trabalho, sinto muito que não foi possível ajuda-la na época.