I stood in Venice, on the Bridge of Sighs, A palace and a prison on each hand: I saw from out the wave her structures rise As from the stroke of the enchanter's wand: A thousand years their cloudy wings expand Around me, and a dying Glory smiles O'er the far times, when many a subject land Looked to the wingéd Lion's marble piles, Where Venice sate in state, throned on her hundred isles!
(Lord Byron, Childe Harold's Pilgrimage)
"Os grandes poetas, os artistas genuínos, os santos, os pensadores, todos os homens verdadeiramente grandes são como pontes que atravessam acima do abismo da vida, acima do nada e do prazer, rumo ao objetivo de eternidade."
(Nietzsche. Assim Falou Zaratustra)
À beira-Tejo, os turistas observam uma ponte cuja mudança de nome assinalou iconicamente a do regime político: a ponte Salazar (1966) renomeada Ponte 25 de Abril. Subindo um pouco o mesmo rio, está a Ponte Vasco da Gama (Portugal, 1998), com mais de 12km, a ponte mais longa da Europa Ocidental. Definindo um cá e um lá deícticos, que variam com o observador e as suas circunstâncias, um Norte e um Sul nacionais invariáveis…
Sugestiva da (re)ligação de religioso recorte, a ponte é centro inequívoco da composição do famoso A Virgem e o Menino com o Chanceler Rolin (1430-34), de Jan Van Eyck: emoldurada pelas figuras em conversa, pela janela e pela paisagem onde outra história se passa. Ela assinala, assim, o início da representação da paisagem através de uma janela, numa espantosa conjugação de planos perspécticos e simbólicos (humano e divino), com divisão do espaço, diferentes episódios…
Na memória estética, surge a ponte d’O Grito (1893), de Edvard Munch, figuração expressionista de agónico desespero inspirada em múmia peruana. Die Brücke (“A Ponte”, 1905-1913), ou simplesmente Brücke, foi, depois, um grupo artístico alemão expressionista criado por estudantes de arquitectura da Escola Técnica de Dresden, que, qual estrela cadente, acabará por se desfazer devido a dissidências: o nome inspirou-se na passagem em epígrafe de Assim Falou Zaratustra, de Nietzsche.
A pintura, aliás, interessa-se pelo motivo desde cedo, bastando lembrar Bruegel, o Velho (Bridge at Talavera, 1610), Lambert Doomer (Bridge Across the Loire at Amboise, 1640s) e Gaspart Dughet (The Bridge of Milvius, 1640s). Mas será no séc. XIX, a partir do Realismo e do Impressionismo, que veremos a multiplicada elaboração do motivo por autores como Jean-Baptiste-Camille Corot, Claude Monet, Paul Cèzanne, Eugène Boudin, Gustave Caillebotte, Frederick Carl Frieseke, Fernand Léger, Jacob Henricus Maris, Camille Pissarro, John Singer Sargent, Egon Schiele, Georges Seurat, Alfred Sisley, Joseph Mallord William Turner, dentre muitos.
Ponte. Do latim Pons, que deriva do etrusco Pont ("estrada"), sendo que o grego πόντος talvez nos chegue da raiz Pent (“caminhar”). Construção destinada a estabelecer ligação entre dois pontos separados por um curso de água ou por uma depressão de terreno, obstáculo a transpor. Daí derivam todas as potencialiadades semânticas, desde a conotação à simbólica e ao seu uso em diferentes áreas disciplinares (Medicina, Náutica, Astronomia, Física, Música, etc.). Nessa versão literal, reza a crónica que a mais antiga será uma ponte de pedra do séc. IX a.C., em arco, situada no Rio Meles, na região de Esmirna, na Turquia.
Às vezes são longamente desejadas e consideradas impossíveis… utópicas. Como a Ponte de Öresund, a ‘’Ponte Impossível’’, sobre o mar Báltico e ligando Copenhague (Dinamarca) e Malmö (Suécia), com 8 Km e uma ilha artificial no meio: aspirada desde 1871 por ambos os países, acordada em 1991, planeada em 1995 e inaugurada em 2000.
De acordo com o seu uso, justifica-se uma tipologia classificatória das pontes: rodoviárias, viadutos (áreas urbanas), pedonais e oleodutos. Mas outros factores estruturais favorecem outras tipologias, como podemos constatar no Bridge Terminology, distinguindo-as no plano estrutural, dos materiais, etc.. E até existem as flutuantes, que se adaptam às mudanças de nível da água, como a Ponte de Tacoma Narrows em Washington e a Ponte de Gateshead Millennium na Inglaterra.
A sua função transitiva, de limiar e de trânsito, não é exclusiva, podendo acumular as mais diferentes finalidades.
Vejamos algumas que nos fazem cantar…
Desde a canção infantil "London Bridge is Falling Down", com referência à Ponte (Londres), ou a "Brooklyn Bridge", de Frank Sinatra, homenagem à Ponte do Brooklyn (Nova York), ou a "Pont des Arts", de St Germain, que se refere à ponte desse nome em Paris (França), ou a "Ponte Vecchio", de Ornella Vanoni dedicada à Ponte Vecchio (Florença), ou "Ponteio", título de duas músicas dedicadas a pontes brasileiras (a de Edu Lobo à Ponte JK em Brasília, e a de Sérgio Mendes à Ponte Rio-Niterói no Rio de Janeiro), ou "Ponte Molle", de Angelo Branduardi lembrando a célebre Ponte Mílvio (Roma), cenário da visão ‘responsável’ pela vitória militar de Constantino e do cristianismo como religião oficial do império romano … a lista de melodias inspiradas em pontes é, também interminável. Trauteando, vamos folheando o álbum…
E as que inspiram poemas…
"Under the Harvest Moon", de Carl Sandburg, homenagem à Ponte de Brooklyn (Nova York) como um símbolo da esperança e da liberdade. "The Bridge", de Hart Crane, meditação sobre a mesma ponte elegendo-a a símbolo de unidade e transcendência. "The Iron Bridge", de William Wordsworth, dedicado à Ponte de Ironbridge em Shropshire, Inglaterra, tomando-a como um símbolo da engenhosidade humana. "Pont Mirabeau", de Guillaume Apollinaire, como símbolo do amor e da passagem do tempo. "The Bridge of Sighs", de Thomas Hood, centrado na veneziana Ponte dos Suspiros, destacando-lhe a tristeza e o sofrimento.
Vejamos outras que nos fazem sonhar...
A mais famosa, quiçá, será a Ponte dos Suspiros (séc. XVII, de Antonio Contino), em Veneza, cidade de canais com mais de quatro dezenas de pontes… construída para ligar a antiga prisão e os tribunais do palácio a uma nova prisão, diz a lenda que o nome lhe advém dos suspiros dos condenados que contemplavam a beleza de Veneza através das pedras fechadas enquanto eram levados para a prisão (embora Giacomo Casanova, em 1756, não lhe tenha dado especial atenção).
Foi evocada na Literatura (O Mercador de Veneza, 1596-98, de William Shakespeare, Memórias de um Turista/Pictures from Italy, 1846, de Charles Dickens, The Marble Faun, 1860, de Nathaniel Hawthorne, The Aspern Papers, 1888, de Henry James, Morte em Veneza, 1912, de Thomas Mann, O Talento de Mr. Ripley, 1955, de Patricia Highsmith, A Ponte dos Suspiros, 2000, de Fernando Campos, Inferno, 2013, de Dan Brown, etc., intitula obras de Priscilla Masters, Olen Steinhauer, Susan Ashley Michael, Edward T. May, Angela Berquist, Richard Russo, Jane Turner Rylands, Frank Letras, Pamela Allegretto, Luis Lazaro Tijerina e outros), pintada por Canaletto, Lord Gerald Fitzgerald, John Singer Sargent, Frank Duveneck, Millais, Myles Birket Foster, Turner , Ralph Wormsley Curtis, Giovanni Battista Cecchini, Le Sidaner e Cecil Rice, dentre muitos, estimulou diálogos interdiscursivos (p. ex., no sombrio Encontrada afogada, c.1850, de George Frederic Watts, inspirado no poema “The Bridge of Sighs”, 1845, de Thomas Hood, e em Ophelia, 1851, de Millais, que se refracta n’A Jovem Mártir, 1855, de Delaroche, e na The Bridge of Sighs, 1850s, de William James Grant, cada um deles em ampla intertextualidade; ou o caso de da pintura The Bridge of Sighs, 1830-62, de Freeman Gage Delamotte, imitando as velhas iluminuras), é referida na ópera Le pont des soupirs ("The Bridge of Sighs", 1861, de Jacques Offenbach, intitula filmes com George Larkin, 1908, Jeff Davis e Dorothy Welsh, 1915, Ray Gallagher e Velma Whitman, 1915, Luciano Albertini e Antonietta Calderari, 1921, Dorothy Mackaill e Creighton Hale, 1925, Onslow Stevens e Dorothy Tree, 1936, Nicole Breaux e Marcus Lyle Brown, 2013, surge nos filmes A Little Romance, 1979 e Os Sonhadores, 2003, de Bernardo Bertolucci, dá o título ao álbum do guitarrista e compositor de rock inglês Robin Trower, 1974, é referida na abertura da canção Itchycoo Park dos Small Faces, etc.. E H. H. Richardson inspirou-se nela para projetar parte do complexo Allegheny County Jail em Pittsburgh, PA, 1888.
E tem homólogas: a Pittsburgh, de 1888, que cruza a Ross Street (perto da Forbes Avenue), associada a um episódio contado no filme Mrs. Soffel, 1984; a Hertford Bridge, 1914, unindo duas partes do Hertford College sobre New College Lane em Oxford, que surge na série de Harry Potter; a de St John's College, Cambridge, 1831 sobre o rio Cam entre o terceiro tribunal e o novo tribunal da faculdade, concebida pelo arquiteto Henry Hutchinson, pintada por Leigh Banks e outros e que muito agradou à Rainha Vitória; a de Itapema (Brasil), entre as praias Central e a do Canto; a de Barranco, em Lima (Perú), de madeira, que cruza a Bajada de los Baños conducente ao Pacífico; a de Koornbrug, 1443-1642-1825, em Leiden, Holanda; a medieval coberta de Seufzerbrücke (a "Ponte dos Suspiros") de Römer, na cidade velha de Frankfurt no Main, Alemanha. A lista poderia alongar-se, mas estas são as mais referidas. Outras aludem a ela, como é o caso da "Tabularium" (de 1940, com dupla datação inscrita: 'MD MCMXL' e 'A VIII E F'), pequena passagem que liga o Palazzo Senatorio, na Piazza del Campidoglio, a um edifício vizinho em Roma.
E haveria a tentação de lembrar as levadiças, como as de S. Petersburgo, como a Ponte Anitchkov, mencionada por Pushkin, Gogol, e Dostoievski. uma das sete de pedra e com torres de três andares sobre o rio Fontanka no final do séc. XVIII, das quais se mantêm a Ponte Lomonosov e a Ponte Stary Kalinkin… E a Ponte das Mentiras (alemão: Lügenbrücke)? No centro da cidade de Sibiu, na Transilvânia, na Roménia. Com muitas lendas associadas, das quais a mais famosa é a de que desmoronará quando alguém contar uma mentira ao atravessá-la, a verdade é mais prosaica: que o nome deriva da semelhança entre Liegenbrücke (alemão: “ponte deitada”) e Lügenbrücke ("ponte das mentiras"). Referida em Drácula, de Bram Stoker, tem sido frequentemente pintada (p. ex., e, Sibiu – Lügenbrücke, de Otto F. Pilny) e surge em diversos filmes (O Livro de Eli, 2010, de Albert Hughes e Allen Hughes, The Nun, 2018, de Corin Hardy, Morometii,1987, de Stere Gulea, etc.).
Sedutoras, eis as pontes com galerias.
A Ponte Vecchio (originalmente em pedra, da Roma Antiga, reconstruída em 1345 com projecto de Taddeo Gaddi), sobre o Rio Arno, em Florença, famosa sua galeria comercial de ourivesarias e joalharias, onde Beatriz teria cumprimentado Dante pela primeira vez, 1/5/1283, referida na famosa ária “O Mio Babbino Caro”, da ópera Gianni Schicchi, 1918 de Giacomo Puccini, no Purgatório, de Dante Alighieri, n’ A Fera Amansada, de Shakespeare, n’ O Conde de Monte Cristo, de Alexandre Dumas, no Inferno, de Dan Brown, e n’ O Perfume, de Patrick Süskind, dentre outros, e por onde passa o célebre “corredor Vasari”, ou ‘percurso do príncipe’ (de 1565, ligando o Palazzo Vecchio, sede de governo, ao Palazzo Pitti, residência dos Médici, concebido por ocasião do casamento de Francisco I com Giovanna da Áustria, para evitar que os convidados fossem expostos à populaça e aos maus odores). A de Rialto, sobre o Grande Canal de Veneza, originalmente flutuante (Ponte della Moneta, 1181) e sendo sucessivamente substituída por outras até à versão projectada por Antonio da Ponte, e construída entre 1588 e 1591, tio de Antonio Contino, arquitecto da Ponte Rialto, ponte referida diversamente na Literatura (em Veneza, de Jan Morris, A Sentinela, de Jeffrey Konvitz, O Turista Acidental, de Anne Tyler, A Pedra do Diabo, de Donna Leon, O Leão de São Marcos, de Emilio Salgari, etc.)
E as pontes-esculturas e as que com esculturas são decoradas?
As mais clássicas. A Ponte dos Arcos (Ponte degli Archi) em Trento, Itália, com esculturas de figuras mitológicas, animais e plantas em pedra. A Ponte de Carlos Alberto (Ponte di Carlo Alberto) em Turim, Itália com estátuas das quatro estações e personagens históricos. A Ponte Sant'Angelo em Roma, Itália, com 10 estátuas de anjos de Bernini. A Ponte Alexandre III em Paris, com várias esculturas, das quais quatro representações douradas da arte, da ciência, da indústria e do comércio. A Ponte Carlos (Karlův most) em Praga, República Tcheca, com 30 estátuas barrocas de santos e figuras históricas. A Ponte do Brooklyn em Nova York, com esculturas, torres de granito e arcos góticos. A Torre de Londres, 1894, cujos basculantes podem ser elevados a um ângulo de 86 graus.
As mais modernas. Com destaque para a Golden Bridge (Ponte Dourada, 2018) nas montanhas de Ba Na, perto de Da Nang, no Vietname, com 150m a mais de mil metros de altitude: suportada por duas mãos gigantes de pedra semi-abertas.
Também as há impressionantes de desafio arquitectónico.
A Viaduc de Millau (França, 2004), com 343m de altura favorecendo a ligação entre entre Paris e Barcelona; a Beipanjiang Bridge (China, 2016), a 564m sobre o rio Beipan. Nanpu Bridge (Xangai, China, 1991) com uma estrutura circular que fica em terra firme e leva à parte da ponte que fica sobre a água. A Ponte Vasco da Gama (Portugal, 1998), entre o norte e o sul de Portugal, com mais de 12km, ela é a ponte mais longa da Europa Ocidental. A Ponte Juscelino Kubitschek (Brasília, Brasil, 2002), sobre o lago Paranoá, com 1.200m de comprimento e três arcos representam o movimento de uma pedra batendo no lago. A Seri Wawasan Bridge (Malásia, 2003), com 240 m de comprimento. A Jiaozhou Bay Bridge (China, 2011)), em formato de Y, a maior ponte marítima do mundo. A Pont Jacques Chaban-Delmas (Bordeaux, França, 2013), tem 575m de comprimento e é a maior ponte levadiça de ascensão vertical da Europa.
Ainda poderia lembrar: a Gateshead Millennium em Newcastle, ponte giratória para pedestres e ciclistas sobre o Rio Tyne; a Octávio Frias de Oliveira, 2008, mais conhecida como Estaiada, em S. Paulo, a única ponte estaiada do mundo com duas pistas em curva conectadas a um mesmo mastro; a Ponte Tsing Ma em Hong Kong unindo as ilhas Tsing Yi e Ma Wan; a ponte Henderson Waves com 36 m de altura, a mais alta de Singapura, unindo os dois dos principais bairros da cidade, o Mount Faber e o Telok Blangah Hill; a Ponte Dragão (Vietname), celebratória do 38º aniversário do final da guerra do Vietnam, com estrutura de metal e 15 mil lâmpadas que se acendem tornando visível um dragão a cuspir fogo!
E as exóticas e sugestivas de mundos misteriosos? Algumas, apenas: a Moon Bridge, em Taipei, Taiwan; a Rakotz Brücke, na Alemanha; a das Montanhas Pindos, na Grécia; a Huangshan, nas montanhas da China; a Devil’s Bridge, nas Montanhas Rhodope da Bulgária; a Ronda, em Málaga, na Espanha; a Gaztelugatxe, na Espanha; a Ponte Root, na Índia; a Gorge De L’areuse, na Suíça; a das Cachoeiras Multnomah, em Oregon, nos EUA; a Glenfinnan Viaduct, na Escócia.
E as pontes nunca terminadas, abandonadas ou destruídas? Espectrais na sua indecidibilidade conducente a nenhures. Inúmeras! Lembro, p. ex.: a Ponte inacabada, em 1977 da Cidade do Cabo, na África do Sul; a Kinzua, 1882, da Pensilvânia, EUA, semi-destruída por um tornado em 2003; a do Viaduto Petrobrás, na estrada Rio-Santos, num complexo incumprido pela crise do petróleo; a de Dunbar, na vila de Biel, semi-ocultada na maré alta; a Hillandale, em Ohio, EUA, num projecto habitacional bloqueado pela Grande Depressão.
E a enorme instalação de Lorenzo Quinn que foi atracção da Bienal de Arte de Veneza 2019? Uma sucessão de seis pares de mãos entrelaçadas no ar na entrada do Arsenal de Veneza simbolizando a união entre as pessoas e os povos e os sentimentos que a movem (amizade, sabedoria, ajuda, fé, esperança e amor)… em ovação ou oração pela Humanidade desorientada…
"Ele parou na Ponte dos Suspiros, aquela ponte tão famosa e tão frequentada pelos turistas, com sua delicada grade de ferro e suas pequenas janelas arqueadas, que pareciam estar suspirando, como se o próprio espaço entre as duas margens estivesse sofrendo de falta de ar e precisasse daquela ponte para respirar.”
(Thomas Mann. Morte em Veneza)