O festival Arquiteturas é uma plataforma que se propõe a falar de vários assuntos na arquitetura e não só de um. É uma oportunidade de pensar a arquitetura através de outro medium.
O festival Arquiteturas 2018 começa no dia 6 de Junho e tem como tema Learning from Fiction. O que é que é a ficção e qual é a realidade? Qual é a linha ténue que divide os dois, e de que forma isso se reflecte na arquitetura? São estas questões que se levantam nesta 6ª edição do festival.
Sofia Mourato é fundadora e directora do Arquiteturas Film Festival Lisboa. Licenciada em design gráfico, continuou os estudos no departamento de fotografia e audiovisuais da Rietveld Academy em Amesterdão e posteriormente frequentou também o curso de cinematografia na AIC em Curitiba, Brasil. Actualmente, vive e trabalha entre Amesterdão e Lisboa, tendo criado em 2012, a plataforma Do You Mean Architecture; abraçou em 2013 como primeiro projecto o Arquiteturas Film Festival Lisboa.
Sendo formada em Design Gráfico, fotografia e cinematografia, o que é que a levou a querer organizar o Arquiteturas Film Festival?
Durante o meu curso em design gráfico trabalhei num videoclube e essa foi a minha escola onde fui adquirindo uma grande paixão pelo cinema. A minha tese de final de curso foi um documentário. Depois de fazer esse filme que estreou no primeiro ano do Doclisboa em 2002, apercebi-me que o cinema seria realmente a minha carreira e seria nisso que me ia formar. Entretanto esses planos foram adiados e fui estudando outras coisas: estudei fotografia em Amesterdão e direção de fotografia no Brasil. O ponto de viragem foi realmente quando eu vivi no Chile, enquanto estava a desenvolver o meu trabalho artístico. Lá deparei-me com um tipo de arquitetura que eu não conhecia. Lembro-me perfeitamente de uma igreja modernista, o Mosteiro Benedictino de la Santa Trinidad, desenhada nos anos 60 com a ajuda dos padres da congregação. Quando me lembro daquela igreja, lembro-me sempre de cinema. Existem edifícios que são fotogénicos e que nos fazem de alguma maneira pensar em cinema e em fotografia, e esta é uma igreja muito cinematrogáfica.
Para mim a arquitetura e o cinema têm muita coisa em comum. São ambas fábricas de sonhos! Arquitetura é também ficção e eu acredito que tal como a ficção ela molda o espaço e consequentemente a nossa vida.
Em 2009 descobri que existia este nicho nos festivais de cinema que era o festival de cinema de arquitetura. Nesta altura estava a morar em Amesterdão e fiz voluntariado no festival em Roterdão durante um ano. Tive a oportunidade de conhecer muita gente e apercebi-me que era uma coisa que me interessava muito. De alguma maneira juntava tudo o que me interessava: cinema, arquitetura, curadoria e produção, e ligar diferentes pessoas de diversas disciplinas.
A partir do momento que sei que existe esta comunidade comecei o meu percurso neste sentido. Fui para Nova Iorque, consegui a bolsa do Inovarte, já em 2010 e coordenei a primeira edição de cinema de design e arquitetura em Nova Iorque.
Depois de organizar o festival em Nova Iorque, apercebi-me que se consegui coordenar um festival deste tipo em Nova Iorque, consigo fazer em qualquer lugar. Já era o meu objectivo voltar para Portugal, comecei então a falar com quem poderia ter mais interesse neste tipo de evento e a ideia foi logo muito bem recebida por todos. E foi assim que eu comecei, mas sempre de uma maneira muito independente.
No fundo, tudo na minha vida levou de alguma maneira à criação do Arquiteturas.
Como é que o programa tem vindo a mudar desde a sua primeira edição em 2013?
No primeiro ano, comecei o festival com muita informação e muitos filmes. O festival iniciou com 110 filmes e ao longo dos anos o número de filmes exibidos diminuiu drasticamente. Apercebe-mo-nos que o público português não estava preparado para tanta informação. Mas na altura foi a minha maneira de chamar a atenção que existe um grande potencial neste tipo de eventos e que existe uma produção imensa de filmes de arquitetura.
Portanto a programação tem diminuído em termos de quantidade de filmes, têm-se criado blocos temáticos, dando a oportunidade de criar sessões com apenas 2 ou 3 filmes, de modo a mostrar coisas mais experimentais, mais pequenas e que as pessoas não estão à espera, ligadas a um documentário mais conhecido. Ao se criarem blocos temáticos permite-nos de alguma maneira direccionar as pessoas para o seu interesse. É simplesmente uma maneira de enquadrar o programa e de comunicar com o público.
A vertente experimental é muito forte no festival por escolha própria, pois é nesse tipo de filmes que as pessoas arriscam e percebemos as ligações possíveis entre várias disciplinas.
Todos nós experienciamos a arquitetura como parte integrante do nosso dia a dia, mas acho que, intelectualmente, pode ser difícil para alguns interpretá-la. O que é que alguém que não sabe nada sobre arquitetura pode esperar do festival?
Os filmes que exibimos no Arquiteturas, são filmes com histórias e as histórias são de pessoas.
Obviamente é um festival nicho porque tem o nome Arquiteturas, porque a arquitetura é o cerne de todos os filmes e está no centro da discussão. Temos alguma biografias de arquitetos – e estes filmes sim, podemos dizer que uma pessoa que não seja muito interessada em arquitetura talvez não tenha muito interesse em ver, mas representam apenas 10% do festival.
O que nós temos no festival, é um crescimento nos filmes que são não só histórias de pessoas mas também filmes com mensagens muito fortes. Se olharmos para a história dos filmes ou documentários de arquitetura, foram sempre uma biografia ou sobre algum edifício específico de um arquitecto conhecido. Atualmente já não é tão recorrente, a maioria dos filmes são feitos para de alguma maneira retratar uma parte da sociedade ou um ativismo, em que as pessoas estão a contar as suas próprias histórias.
Isso advém também das novas tecnologias, do poder que as novas tecnologias dão ao cidadão e porque hoje em dia ele acredita que tem o poder de falar sobre o ambiente em que vive, mais do que antes.
O que o público pode esperar do Arquiteturas é reconhecer-se a ele próprio e às suas histórias, pois de uma maneira geral fica inspirado e surpreendido pelas temáticas e histórias lhe serem tão próximas. Isso para mim é sinal de que estamos a fazer um bom trabalho, porque não é um festival para dar entretenimento somente à cultura da arquitetura, mas também a um público mais geral.
Existe algum edifício em Lisboa que gostaria que fosse pano de fundo de um filme?
Como não sou arquitecta, sinto os edifícios de maneira diferente. Existem muitos edifícios que inspirariam filmes, por diversas razões, não necessariamente pelo edifício em si, mas por pormenores. E isso é super interessante na arquitetura. Quando ando na rua, há certos pormenores de edifícios que me chamam a atenção e olho com um olhar fotográfico.
A Casa das Histórias. É um edifício super interessante e a nível cinematográfico poderia mesmo ser uma personagem de um filme. Outros edifícios que me interessam, é por exemplo o edifício da Caixa Geral de Depósitos, a determinada altura do dia as sombras na fachada lembram-me um filme italiano do Antonioni. Ou talvez a Gulbenkian, tanto o edifício como os jardins.
Tem planos de entrar no ramo cinematográfico, talvez para produzir ou realizar algo?
Adorava obviamente. De alguma maneira já comecei em 2016, com o filme You’ll soon be here no âmbito de uma masterclass. Está ainda em desenvolvimento, mas é algo que no futuro espero que consiga produzir mais.
Quais os planos para o futuro do festival?
O festival Arquiteturas poderá crescer mais a nível da experiência do espectador, criando mais eventos em que o cinema vá para dentro da arquitetura. Dando mais possibilidades de ocupar edifícios que não sejam apenas os cinemas, mas também o interior de outro tipo de edifícios.
Por outro lado, criar mais sinergias entre outras instituições e empresas de modo a conectar com outras disciplinas! Não só entre a arquitetura e o cinema, mas também outras disciplinas que de alguma maneira são ramificações destas duas vertentes.
Outro objectivo do festival é criar um arquivo online, onde seja possível ter acesso aos filmes passados em edições anteriores. Muitas vezes, quando acabamos o festival sabemos que a maior parte dos filmes que integram a programação, vão ficar arquivados e nunca mais ninguém os vai ver.
Temos também interesse que no futuro uma instituição queira apadrinhar o Arquiteturas de modo a ter o festival como parte da sua programação. Creio que seria bastante benéfico para ambas as partes.
Por último, voltar a Portugal! Iria facilitar o networking de modo a dinamizar o festival. Seria muito importante para fortalecer a representação do Arquiteturas.