Em última instância a ausência de espaço, o vazio, é o mais ténue conforto humano. A procura pela liberdade e a leveza tanto do corpo como do ser mantém-se uma presente utopia.
As visões idealísticas que se desenvolveram no período utópico, da década de sessenta no campo da arquitectura, pendiam para projectos que se fundavam numa base crítica para com a arquitectura do movimento moderno e procuravam infindavelmente refugiar-se em modos de habitar utópicos.
Um dos arquitectos que surgiu nesse período, e que desafiou a forma como os espaços arquitectónicos foram pensados, foi o arquitecto Raimund Abraham (1933-2010). Raimund Abraham foi um arquitecto austríaco, mas teve a maior parte da sua vida na América. Explorou na maior parte dos seus projectos não construídos o conceito principal da obra de Heidegger, a hospitalidade, e incluía nas suas obras e estudos de projectos, as formas mais básicas e intrínsecas dos elementos primordiais da geometria. Com tal Abraham definia «o processo de arquitectura como sendo ou escavado na terra, ou a alcançar o céu». E defendia que a sua arquitectura resultava da colisão, era o seu princípio básico, e conferia essa afirmação com exemplo do encontro básico entre o céu e a terra, a existência do horizonte.
«(…) O surreal e o real tornam-se metáforas permutáveis».
(Raimund Abraham, 1983. "The Dream")
O conforto dos não espaços
Num dos seus projectos não construídos, Abraham explora a temática de uma casa sem divisões. É um dos projectos mais curiosos de Abraham, que nunca saiu do papel, mas as ideias aqui exploradas são alternativas interessantes para uma investigação sobre formas utópicas de habitar. Esse projecto, intitulado, «The House without Rooms», tem como propósito a projecção de uma casa imensamente estreita e alta, composta apenas por acessos exteriores e câmaras escuras, esferas geometricamente perfeitas, sendo estes os únicos espaços interiores. Apesar de ser um projecto estritamente funcional, este projecto prima pela criação destes espaços exteriores de carácter sagrado, que envolvem o ser humano numa busca sombria pelo seu íntimo.
De Julho a Outubro, de 2016, existiu uma exposição, intitulada Architekt Raimund Abraham: Back Home, que contou com a curadoria de Christoph Freyer, no departamento de arquitectura e Anna Stuhlpfarrer, no departamento de fotografia. Esta exposição esteve patente no museu Schloss Bruck em Lienz, na Áustria. Exibiu uma retrospectiva da obra de Raimund Abraham, que teve como objectivo mostrar através da compreensão de artistas plásticos uma nova perspectiva e significado sobre a obra do arquitecto austríaco. Estavam também desenhos originais de diversos projectos de Abraham, incluindo o fórum cultural austríaco, considerado pelo historiador de arquitectura Kenneth Frampton como «o mais espectacular edifício de estrutura moderna, em Nova Iorque, desde o edifício Seagram, do arquitecto Mies van der Rohe e do museu Guggenheim do arquitecto Frank Lloyd Wright».
Mais do que o legado das suas poucas obras construídas, fica do seu conjunto de trabalhos, uma forte componente teórica e de reflexão, sempre apoiada pela criação de espaços surreais, através de desenhos sombrios. Abraham definia os seus projectos como «um cruzamento entre o filme Blade Runner e as estátuas de pedra da ilha de Páscoa no Chile».
É inegável a sua aptidão para desenvolver um projecto através do desenho, à mão levantada, e é também evidente a forte influência de um período utópico sombrio e do arquitecto Lebbeus Woods. Este define os desenhos de Abraham sendo tão importantes como o edifício para o conjunto da sua arquitectura e que a «arquitectura existia para ele como um acto, um conceito e uma disciplina».
Foram deixados para trás estes espaços arquitectónicos surreis, que remetem a um certo tipo de estética do período utópico, e dos «arquitectos do papel». Mas, permaneceu a vontade de continuar a construir de espaços poéticos que permitam dar espaço ao vazio e à contínua procura pelo conforto de ser humano através da arquitectura e do espaço de habitar. Este sonho de ausência através da construção de não espaços, pensados pelo arquitecto Abraham, eram no seu íntimo o maior conforto possível deixado pelo efeito do vazio sobre o ser humano.