Vivemos um momento de isolamento. As pessoas casam-se mais tarde, muitas optam por não ter filhos, outras moram sozinhas, e uma parcela do mercado trabalha de casa. Uma pandemia, como há muito não se via, nos recolheu há quatro anos. Apenas há um ano e poucos meses, a Organização Mundial da Saúde declarou o fim da emergência de saúde pública internacional. Vemos até hoje mudanças que permaneceram mesmo após o momento crítico da crise. Ouso dizer que algumas mudanças podem permanecer para sempre.
Uma dessas mudanças – que honestamente não sei se será eterna – é a solidão. Além do hábito da reclusão que muitos adquiriram em função da pandemia, temos uma sociedade cansada de tantos estímulos e uma falsa sensação de pertencimento promovida pelas redes sociais.
A independência, o empoderamento e a evolução dos direitos femininos também impactaram o que vivemos hoje. Mais mulheres optam por não ter filhos e não se casar. Em dezembro de 2022, o economista Bryce Ward citou a polarização política, as redes sociais e as novas tecnologias como parte do processo dos norte-americanos escolherem ficar sozinhos.
No artigo “Americans are choosing to be alone. Here's why we should reverse that”, ele aponta a queda do tempo de socialização dos norte-americanos e o quão prejudicial isso pode ser para o futuro. Obviamente, o paralelo cabe a outras nações; estamos todos preferindo ficar sozinhos. O artigo gerou algumas opiniões contrárias que defendiam as interações sociais virtuais como tão potentes quanto as físicas.
Eu honestamente não sei se concordo com essas opiniões. Existe uma interação, existe a troca, existe o benefício de conseguir se comunicar com pessoas em outros países, isso é inegável. Mas acredito que o olhar sobre a troca da interação física pela virtual merece uma análise mais detalhada, principalmente a longo prazo.
Será mesmo que as interações digitais têm o mesmo poder e impacto positivo ou negativo que as interações físicas?
Como essa solidão “opcional” crescente afeta a nossa saúde mental ou molda novos parâmetros sociais? Um paralelo básico que todos viram em aulas de geografia: mais pessoas optam por não ter filhos, por exemplo. A longo prazo, isso pode mudar a pirâmide etária de um país para um modelo como o de muitas nações com altos índices de desenvolvimento humano, com mais pessoas idosas e menos jovens. A sociedade pode tirar muitos benefícios dessa inversão, mas, para isso, outras discussões devem ser previstas: como não sobrecarregar o sistema previdenciário? Para além da aposentadoria, outros tópicos já deveriam fazer parte de forma mais ativa em políticas públicas.
Analisando outro ponto do artigo de Ward: como reverter isso? E aqui entra uma experiência curiosa que tive recentemente.
Uso o app do ChatGPT e sua função de voz para treinar idiomas. Inclusive, se você ainda não experimentou, dê uma chance. No meio da conversa em espanhol com a IA, ela captou minha fala “moro sozinha e trabalho de casa” e me questionou: “Deve ser solitário. O que você faz para ter interações sociais?” Essa conversa aconteceu. Uma IA me perguntou o que eu faço para contornar a solidão. E o mais chocante: eu não sabia o que responder.
Obviamente, isso já tinha sido tema de algumas conversas minhas com outras pessoas: a dificuldade em encontrar uma atividade social constante com mais pessoas que eu realmente goste a ponto de vencer a exaustão e a vontade de ficar em casa sozinha. Sem resposta, compartilhei com a IA que eu participo de um clube do livro online muito interessante, mas sem interação física e com pouquíssima interação online. Comentei com ela – não consigo fingir costume, eu estava conversando com uma IA – que eu gostava da ideia do clube e que talvez um clube presencial pudesse ser interessante.
A ideia realmente me atrai. Eu já vi referências de clubes em que os encontros mensais acontecem em cafés, parques e até na casa de um anfitrião por mês. Nesse caso, o anfitrião da vez fica com a responsabilidade de preparar ou comprar petiscos e bebidas para o grupo. Ao mesmo tempo que a ideia me passa uma sensação de acolhimento grande, não me parece trabalhoso, porque cada um faz isso uma vez por rodada e ainda desfruta quando outros do grupo o fazem.
A conversa continuou e a inteligência me perguntou por que eu não começava um clube assim. De novo, eu não conseguia achar uma resposta boa o bastante; todas me pareciam desculpas esfarrapadas.
Avaliando de forma prática, algumas barreiras existem. Eu moro em uma cidade há poucos anos, minha família não está aqui, a maior parte dos meus amigos tampouco e as pessoas com as quais eu trabalho – de forma remota – também não. Logo, é difícil criar vínculos. Honestamente, não sei se os poucos amigos que fiz aqui teriam esse interesse. Cada um tem sua individualidade e interesses diferentes, não necessariamente livros.
Uma solução seria procurar grupos com interesse em literatura, criar familiaridade e fazer a proposta do clube. Mas aí já é muito trabalho para quem prefere ficar em casa sozinha. Ainda estou à procura da resolução.