Por meio da linguagem, interagimos com os outros. Usamos a linguagem com diversas finalidades, como informar, argumentar, persuadir, prometer, elogiar, criticar, jurar, interpelar, desinformar (sim, vejam as fake news), lembrando sempre que a linguagem se manifesta em textos que circulam socialmente. A linguagem que tem por sinal as palavras é denominada verbal. Exemplo desse tipo de linguagem são as línguas naturais, o português, o inglês, o francês, o chinês, o árabe. Linguagem verbal e língua são, portanto, sinônimos. As linguagens que têm por sinal qualquer outro sinal que não seja a palavra são linguagens não verbais, como os ícones usados para sinalizar algo, os gestos, os sinais de trânsito, os emojis.
Usamos a linguagem verbal, ou seja, a língua, não apenas para falar das coisas, das pessoas, dos acontecimentos. Ela também é usada para falar da própria língua, para explicar o próprio código. Quando isso ocorre, dizemos que há metalinguagem.
Um exemplo típico e corriqueiro é aquele em que, ao ouvirmos uma palavra ou expressão cujo sentido desconhecemos, imediatamente perguntamos ao nosso interlocutor o que ela significa e ele nos esclarece o significado dela. Nesse caso, os interlocutores usaram se o código com o intuito de esclarecer o próprio código. A mesma coisa ocorre quando perguntamos ao nosso interlocutor se, numa determinada frase, o verbo deve ficar no singular ou ir para o plural.
A metalinguagem é constitutiva de dicionários e gramáticas. Os primeiros são obras que procuram esclarecer, entre outras coisas, os significados das palavras; as segundas tratam das regras e do funcionamento das línguas.
O linguista russo Roman Jakobson (1896 – 1982), num texto que se tornou clássico, Linguística e poética, descreve o processo de comunicação da seguinte forma: um destinador envia uma mensagem a um destinatário; para isso, se vale de um código, que os interlocutores conhecem. Para que a mensagem chegue ao destinatário, é necessário que haja um canal, ou seja, uma conexão entre ambos. A mensagem enviada faz sempre referência a algo, isto é, deve ter um referente. São, portanto, seis os elementos do esquema da comunicação proposto por Jakobson: destinador, destinatário, mensagem, referente, canal e código.
O linguista russo chama a atenção para o fato de que, no uso da linguagem, isto é, nos textos, dependendo em qual dos elementos da comunicação ela estiver centrada, teremos uma função da linguagem dominante. Como são seis os elementos da comunicação, teremos seis funções da linguagem: emotiva, centrada no destinador; conativa, no destinatário; poética, na mensagem; referencial, no referente; fática, no canal e metalinguística, no código.
Neste artigo, tratamos especificamente da função metalinguística, aquela que é centrada no próprio código usado pelos interlocutores para se comunicar; no caso dos textos verbais, a língua.
Um dos usos mais comuns da função metalinguística costuma ser aquele em que um dos interlocutores não conhece o sentido de uma palavra ou expressão usada pelo outro e o interpela para saber o que significa, como na situação hipotética abaixo.
— Por que ele não vai com a gente?
— É que ele tá só o pó da rabiola.
— Heim? Que que é isso: só o pó da rabiola?
— É a mesma coisa que estar muito cansado.
Ambos os interlocutores mantêm a conversação usando como código a língua portuguesa. Num determinado momento, a comunicação não se efetiva porque um deles não conhece o sentido da expressão só o pó da rabiola, ou seja, ela não fazia parte de seu código. Sua atitude é usar a língua para saber o significado daquela expressão. Em outros termos: o foco está no próprio código. Como exemplos de gêneros textuais que têm a função metalinguística como base, citamos os dicionários e as gramáticas, mas é bom lembrar que essa função está presente também em textos literários.
São inúmeras as obras e passagens de obras literárias em que o autor foca o próprio ato de escrever. No início de dois grandes romances de nossa literatura, São Bernardo e Memórias póstumas de Brás Cubas, seus autores, Graciliano Ramos e Machado de Assis, respectivamente, fazem uso da função metalinguística para descrever e explicar o próprio ato de escrevê-los.
Em ambos os romances, um narrador em primeira pessoa, antes de entrar na narração propriamente dita, expõe ao leitor presumido o plano de que se valeu para escrever o romance, ou seja, o foco está não na história a ser narrada, mas na confecção do próprio romance. Em suma: o romance fala do próprio romance.
Na poesia, particularmente na moderna, podem-se observar diversos poemas falando sobre o fazer poético, como Procura da poesia, de Carlos Drummond de Andrade, Rios sem discurso, de João Cabral de Melo Neto, De gramática e de linguagem, de Mário Quintana. Embora os exemplos apresentados sejam de textos cujo código é a língua, é importante salientar que a função metalinguística não é exclusiva de textos verbais.
Textos não verbais e multimodais também exploram essa função da linguagem. Assim, podemos ter uma pintura que fala da própria pintura como a tela As meninas, de Diego Velázquez, filmes que tematizam o próprio filme ou o ato de filmar, como A rosa púrpura do Cairo, de Woody Allen, Cantando na chuva, de Stanley Donen e Gene Kelly, e A noite americana, de François Truffaut.