Após os impactos causados na indústria midiática pelo movimento #MeToo, cresceu o número de podcasts de atores comentando sobre os bastidores dos seriados em que trabalhavam e atores fazendo podcasts solos para falar sobre a vida deles dentro da indústria. Um dos primeiros podcasts a chamar atenção para a rivalidade que os produtores e os canais faziam entre as atrizes foi o podcast Drama Queens com as três atrizes principais do seriado One Tree Hill. No podcast, as atrizes discutiram (e até descobriram) que tentavam constantemente criar uma rivalidade entre elas e até brigas.
Além delas, diversas convidadas que participaram do seriado também comentaram ter sofrido as mesmas coisas, em maior ou menor grau. Elas também trouxeram à baila o ambiente extremamente tóxico que eram obrigadas a trabalhar e as diferenças que sofriam em relação ao elenco masculino. Após a grande repercussão que um dos episódios do podcast teve (o episódio em que a atriz Hilarie Burton revela o porquê de nunca ter retornado para a série após sua saída), começaram a surgir diversos podcasts com atores de outras séries revelando os bastidores e revelando terem passado por situações semelhantes.
As atrizes de Beverly Hills 90210 (Shannen Doherty, Tori Spelling e Jennie Garth) revelaram, cada uma em seu podcast pessoal, que o estúdio e os produtores, por muitas vezes, criaram e incentivaram intrigas entre as atrizes, aproveitando que elas eram jovens e imaturas. As razões eram para não deixarem elas se unirem (pois seriam mais difíceis de serem controladas e para negociar os contratos), para publicidade e, algumas teorizaram, para as cenas ficarem mais reais.
Shannen Doherty, que na época ganhou fama de bad girl, revelou que os próprios produtores aumentavam e incentivavam a mídia para que ela continuasse os ataques a atriz. Também revelou que, por ser mais assertiva, discutir por salários iguais aos dos atores masculinos e por roteiros melhores, os produtores propositalmente a deixaram ganhar esse rótulo de ser difícil de trabalhar, rótulo que infelizmente acompanha a atriz até os dias atuais.
Holly Marie Combs, quando convidada a participar do podcast de Shannen, comentou que no set de Charmed (seriado que protagonizou junto a Shannen Doherty nas primeiras três temporadas), também afirmou que os produtores incentivavam a rivalidade entre as atrizes e tornavam o ambiente extremamente tóxico, o que levou à demissão de Shannen do seriado (o que a atriz comenta ainda ser traumático para ela).
A ex-atriz Jennette McCurdy, que atuou como Sam no seriado iCarly, revelou em sua biografia e em diversas entrevistas o ambiente tóxico que não apenas o estúdio e os produtores criaram, mas sua mãe também. Também revelou a diferença de tratamento que davam entre ela e Ariana Grande quando atuaram juntas no seriado Sam & Cat e como isso acabou por criar um ressentimento da atriz em relação a Ariana (ressentimento esse que a própria Jennette reconhece ser por culpa dos produtores e do canal).
Katherine Heigl também foi outra atriz que só recentemente conseguiu lidar com o rótulo de ser uma diva no set, após sua saída tumultuada de Grey’s Anatomy. A atriz revelou, em entrevista no ano passado à sua colega de elenco Ellen Pompeo, que uma das principais razões de ter ganhado o rótulo de diva foi por ser assertiva, brigar por melhores condições de trabalho, menores horas de gravação e roteiros melhores, ao que Ellen concordou e disse que Katherine já brigava antes por um dos principais motivos da greve dos roteiristas que aconteceu no ano passado.
Esses são apenas alguns exemplos de como a mídia, os produtores, os canais e até mesmo outros atores e atrizes incentivam a rivalidade feminina nas mídias. Não apenas isso, mas eles também são capazes de querer destruir carreiras (e até mesmo a vida) de atrizes que ousam desafiá-los e queiram mudar o status quo da indústria.
Nos anos 70 e 80 já existiam esses problemas, apesar de praticamente serem escondidos e/ou distorcidos pela mídia na época. Um dos exemplos é o seriado Charlie’s Angels (As Panteras no Brasil) onde a constante troca do elenco feminino se deu principalmente por conta do problema das atrizes com os roteiros, com as roupas e com os produtores e a mentalidade machista da época. Farrah Fawcett foi a primeira atriz a sair do seriado logo em sua primeira temporada. Um dos motivos foi as roupas provocantes e sensuais que colocavam nelas e a qualidade dos roteiros.
Em seguida, Kate Jackson foi a segunda atriz a deixar o seriado após o final da terceira temporada, a qualidade dos roteiros também foi um dos fatores que levaram à sua saída do seriado. Shelley Hack, que entrou no lugar de Kate, sofreu uma desaprovação massiva do público por conta dos roteiristas e produtores que boicotaram a personagem. Um dos motivos apontados foi que a atriz se recusava a usar roupas mais provocantes e suas companheiras de elenco Jaclyn Smith (única atriz a fazer todas as temporadas) e Cheryl Ladd (atriz que entrou no lugar de Farrah na segunda temporada) também começaram a se recusar a usar esse tipo de roupa, fazendo os produtores culparem isso e a “má atuação” de Shelley pela queda de audiência.
Como se pode notar, os problemas apontados aqui não são novos e recentes. Durante muitas e muitas décadas, isso tem escalonado de forma gritante a ponto de tabloides, seriados, reality shows, etc., se aproveitarem disso até os dias de hoje. Apesar do movimento de incentivo à sororidade feminina, de ambientes mais saudáveis de trabalho, da condenação da rivalidade feminina na mídia, essas práticas ainda continuam acontecendo dentro de estúdios, por produtores e até mesmo por fãs. Apesar desse texto ter falado mais de atrizes, a rivalidade feminina na música acaba sendo mais tóxica e perigosa, pois essa rivalidade é até incentivada pelos fãs, em defesa de sua cantora favorita.
Rivalidades como Christina Aguilera e Britney Spears, Mariah Carey e Whitney Houston, Madonna e basicamente qualquer outra cantora pop foi (e ainda é) um prato cheio para os tabloides e gravadoras. Não apenas isso, mas essa rivalidade criada acabou por destruir a carreira e a vida de diversas cantoras. No k-pop, os grupos femininos sofrem, além das rivalidades com outros grupos, rivalidades dentro do mesmo grupo com membros sendo colocadas uma contra as outras, principalmente por fãs e em uma escala menor pelas empresas e produtores, o que acaba por não ser incomum os diversos rumores sobre bullying dentro dos grupos e a saída de membros dos grupos.
A única diferença do k-pop em relação ao ocidente é que as empresas não querem de forma nenhuma escândalos em relação aos seus idols, o que por muitas vezes acarreta deles tentarem a todo custo abafar as histórias e/ou se livrarem do “problema”.
Seja no ocidente ou no oriente, o que podemos notar é que esse incentivo à rivalidade feminina é extremamente prejudicial e, infelizmente, continua acontecendo de forma natural. Por mais que se incentivem palavras e ações que valorizem as relações femininas, suas amizades, ambientes mais saudáveis de trabalho para as mulheres e o feminismo, se as ações no dia a dia, nas redes sociais e nos programas e seriados não corresponderem ao que se é pregado, o problema vai continuar acontecendo.