Narrar e viajar foi sempre humano… Não creio que tão depressa a máquina generativa consiga a criatividade emotiva que nos é peculiar enquanto espécie… Mas enfim já automatiza o suficiente para assustar muitos ou embevecer outros…

Narrar, para mim, significa viver no curto espaço da viagem finita do ser humano, também do percurso que nos marca e deixa impactos e que, de alguma forma acaba por ser o nosso legado, pelo menos para os que nos são mais próximos…

Viajar é percorrer, experimentar, narrar ou improvisar estórias, gerar atenções e vaidosamente ter a ousadia de vencer o muro do medo à exposição pública…tantas vezes periclitando entre os desejos e a concretização da passagem para outras margens… criando auto obstinadamente uma poética circunstancial torna-se tantas vezes apenas o ponto de partida ficcional, narrativo, até poético em sentidos nada ortodoxos porque extremamente enviesados pelo ponto de vista de quem observa, retém e escreve…

De todas as viagens e percursos externos ou íntimos, nos construímos paulatinamente nas ondulantes narrativas da vida, almejando o oblívio do desaparecimento, da morte física do narrador viajante no tempo e espaços escassos da sua muito efémera existência…

Mas talvez tudo isto possa ser um equívoco egotista e apenas, de relance, perto da realidade…

De qualquer modo comunicar é preciso, silenciar pode equilibrar ou censurar, toldando o viver…

Daí que continuamos viajando e narrando, também com uma actualidade e precisão muitas vezes extremamente concisa e por isso valiosa para nós e os outros. A escrita devolveu a emoção à precisão biológica dos seres enquanto pensantes e comunicantes para a luz ofuscante fora da caverna platónica mesmo que tolhida pelo subjectivismo da Babel bíblica das linguagens…

Muito disto está já hoje posto em causa ou não… pelo binarismo generativo e aprendente da IA, dita inteligente porque com capacidade de acumular dados e de os distribuir aleatoriamente à discricionariedade arbitrária do mandante criador de textos…humano e tão imperfeito como qualquer emoção, enviesamento utópico mais ou menos previamente narrativo de verdade(s) insofismáveis e eternas…

Excelente ocasião para mais perdas que progressos, dirão uns, cautelosos ou receosos, a luz eterna e sem mácula dos optimistas inveterados ou simplesmente cata-ventos da novidade revelada religiosamente…

Por certo ou incerto mais vale, talvez, não estiolar a origem, o pobre humano racional e emocional, que vai tentando criar algo de poeticamente narrativo no que escreve…

Depois de históricos séculos ondulando entre trevas e renascimentos de luz, epifanias várias mais dolorosas ou indolores, mais disruptivas, disjuntivas ou menos resilientes, mais modais ou efémeras ou… O que fica?

Tão só e apenas o texto, a fixação em caracteres tão díspares e diversos como a individualidade humana a sempre procura de espaços em branco, de folhas de papiro ou papel desafiadoras de imortalidades, sonhos, quimeras ou humores díspares também na forma e no acto de registo tentado toque vai na mente, no espírito criativo dos que ousam a exposição ao outro, por mais velada que seja a esperança de ser lido algures em qualquer lugar…

Na validada ou invalidada narrativa, de um modo ou de outro das subjectividades tão dispares de autores e leitores se faz o legado real ou completamente faccionado da produção literária. Já foi, é e continuará a ser enquanto aqui estivermos, humanos minúsculos numa concepção galáctica maximal e convulsivamente em geração e aniquilação perene, exigindo pulsar comunicativo…

O pessoano multifacetado fingidor poético ou narrativo existiu, existe e continuará enquanto os cancelamentos forem sendo cancelados, e o planeta nos deixar viver literalmente sem mais… Talvez, sim talvez a camoniana cantada lírica da morte e do esquecimento nos liberte e nos permita literar, poemar e tudo o que artisticamente podermos conceber e deixar em legado aos que nos seguirão… continuando… apenas indo…

Goin'...

Sometimes
Sailors
Sail...

Sometimes,
Sailin'
Saves
Souls...

Somewhere
Sailin',
Goin'
Gets
The
Gist...

Goin',
Goin',

Gone…

Indo...

[Às vezes
Marinheiros
Navegam...

Às vezes,
Navegar
Salva
Almas...

Em algum lugar
Navegando,
Indo
Pega
O
Sentido...

Indo,
Indo,

Foi-se...]