É toda e qualquer forma de perpetuar a mim mesmo, é aquilo que nada nem ninguém vai poder tirar de mim, é a pura arte de ser.
Não existe nada capaz de transcender o próprio tempo, de forma tão implacável, a não ser só, e somente só a Cultura ... A verdade é que com tantos habitantes no nosso planeta, fica extremamente fácil encontrar variadas formas de se expressar a vida; seja na forma de se vestir, comer e até mesmo rezar. Os humanos, e as suas mais diversas origens carregam em seu DNA algo que é capaz de passar de modo impercetível, mas ao mesmo tempo tão marcante quanto a luz do sol.
Não é de hoje que ouvimos coisas como: não coma manga com leite, se você apontar para as estrelas nascerá uma verruga no dedo, ou até mesmo; enfie uma faca virgem na bananeira; essas e outras afirmações assim como tantas outras coisas estão presentes em nossas vidas de forma tão enraizada que na maioria das vezes nem sequer damos conta.
Seja num estilo arquitetónico, numa tradição alimentícia, ou num estilo literário, a Cultura está sempre presente, quer você queira ou não. Afirmar categoricamente que ela é pura e ingênua em determinada região, não é algo simples, na maioria das vezes a fusão e o contato entre povos diferentes fazem brotar algo novo, mas com raízes tão distantes que parecem se perder no tempo.
Mas, que tempo? O tempo que diz que só a Cultura sobrevive ao próprio tempo. Em meio a esse emaranhado todo, fica até difícil dizer o que se perpetua ou o que veio primeiro, nós ou ela, penso que ela. O que se mostra de modo muito claro aos meus olhos é que por mais sublime que possa parecer, ela sempre é mutante, muito ou pouco, mas sempre forte e mutante.
Observemos algumas coisas mais “in loco” …
O Carnaval, desde os egípcios até os hebreus, e passando pelos venezianos até a chegado do Entrudo no Brasil – na capitânia de Pernambuco - onde se atinge o seu ápice; a mencionada festa passou por várias fases sem perder a sua essência. Não importa de que ângulo nós olhemos, o Carnaval sempre será o que é.
O pagode — me refiro aqui ao templo, algo mais comum à Ásia — tem em si mesmo a face humana, e sua quase irracional necessidade religiosa.
A alimentação, seja ela afetada por condições climáticas, sociais ou outras, também seguiu e segue orientações ancestrais e atuais, criando em si algo tão nosso, mas ao mesmo tempo difícil de dizer a quem pertence.
O certo é que, a vida é permeada por essa fina membrana forte e sútil chamada Cultura, o que de certa maneira ajuda na permuta de influências de geração em geração, seja de forma natural ou forçada. O que se tenta tratar aqui não é dizer de uma forma categórica que Cultura é isso ou aquilo, e sim que ela corre em nossas veias num galope frenético e incessante.
Não à toa, um dos grandes esforços de governos ditatoriais é suprimir as diversas maneiras de um povo se expressar, seja queimando livros, executando artistas, ou proibindo aglomerações culturais… Por que será?
É sabido desde sempre, que um povo instruído, culto, e com acesso a informação é um povo difícil de ser controlado, sendo assim, é comum tentar coibir toda e qualquer forma de expressão, e presentear a todos com um chocalho. Um povo que se expressa através da música, da poesia, da literatura, faz disso um ato ultrajantemente libertário; por isso é fácil identificar o poder imensurável da Cultura nas suas mais diversas formas.
Muitas vezes, seja por força da media ou por motivos nem sempre percetíveis, algumas tradições se modificam, e de alguma forma isso se agrega ao que já era algo do local, mesmo que contra a vontade de alguns. Eu por exemplo não consigo achar normal, e confesso achar extremamente bizarras coisas como a utilização de outros elementos externos em detrimento da Cultura local, não quero aqui afirmar qual é melhor ou pior, ou dizer qual deve se perpetuar ou não, mas que é extramente irracional para esse ser que aqui vos escreve, isso é…
Vejam as seguintes situações: um grupo conversa num terminal rodoviário e de cada cinco palavras ditas em Português, uma é em língua estrangeira — whatever —, nesse mesmo terminal outras pessoas em meio a um diálogo opinam sobre o que almoçar, e na hora da escolha do restaurante preferem ficar com aquele fast trash famoso ao invés de um belíssimo bacalhau e suas tantas variações.
Por fim, em um tradicional café na principal praça de uma famosa cidade, algumas pessoas conversam sobre música, citando seus gostos, preferências e afins, e não incrivelmente todos fazem referência ao externo, poucos sabem quem são Antônio Variações, Ave Sangria, Secos e Molhados, e tantos outros monstros sagrados da música.
Não quero aqui praticar uma espécie de xenofobia, tampouco bairrismo, ou coisas do tipo, mas se não for eu ou você, quem vai ligar a radiola e botar aquele fado poderoso para tocar? Portanto, não é por ser mutante que não pode ser preservado. Agora, se aqueles miúdos na estação vão sucumbir ao externo e fazer da mutação uma aberração, só o tempo dirá se a Cultura vencerá.
Por falar em preservar, fico por aqui com as sábias palavras do mestre Ariano Suassuna, que dizia: “Não troco o meu oxente pelo okay de ninguém! Que fique a dica, até logo.”.