Em meio à agitação de temas ligados à inteligência artificial, muitos pesquisadores têm procurado compreender as belezas, as limitações e o funcionamento da inteligência de máquina em relação à inteligência humana. Essa tentativa de compreender, principalmente a estrutura de recursos da IA Generativa, se deve ao receio desse avanço e ao eventual domínio das máquinas sobre os humanos, em cenários já abordados em muitos livros e filmes de futuros distópicos, além de outras ameaças dessa interação homem-máquina.
E qual a relação dessa ameaça da IA com o graffiti e o artista Filipe Grimaldi com seus reacts do Chora, Photoshop?
Vamos começar pelas inteligências. O professor da Wharton School, da University of Pennsylvania, Ethan Mollik, lançou recentemente o livro “Co-Intelligence: Living and Working with AI” no qual ele introduz o conceito de "co-inteligência", que sugere que a colaboração entre humanos e IA pode ser bastante produtiva e satisfatória. O professor enfatiza a importância de manter os humanos no ciclo de decisão ao usar a IA e destaca a necessidade de experimentação e aprendizado contínuo ao trabalhar com a IA. Ele discute a natureza dessa interação e fala da complexidade de entender as capacidades e limitações da IA, comparando-a à interação humana em contextos variados. Além disso, ele explora o impacto da IA, destacando a necessidade de repensar o significado do trabalho.
Os professores da Universidade de Illinois, William Cope e Mary Kalantzis, propõem o conceito de "inteligência cyber-social". Para eles, a inteligência cyber-social se define por uma relação recursiva entre a inteligência da máquina e a inteligência humana. Enquanto a inteligência artificial é apresentada muitas vezes como um substituto da inteligência humana, replicando-a, a inteligência cyber-social aborda a relação complementar (ou suplementar) de dois tipos inteiramente diferentes de inteligência. As máquinas de computação binária realizam ações que seriam praticamente impossíveis para os humanos, como a ordenação de pixels, a aplicação de identificadores, a sequenciação de procedimentos e outras transposições que são propostas pelos professores. Nos sistemas cyber-sociais, a inteligência humana e da máquina se complementam em sua diferença radical, em vez de se substituírem.
Diversos outros pesquisadores têm feito análises aprofundadas sobre os impactos da relação homem-máquina nas mais diversas áreas, como no trabalho, na educação, na saúde, na nossa relação com a informação, entre outras. As potencialidades da IA não podem estar desacompanhadas dos riscos e desafios que esses recursos apresentam diante de problemas complexos que vivemos como humanidade hoje, como, por exemplo, a questão climática e a vida do ser humano no planeta.
E como tudo isso se relaciona com o graffiti e o artista Filipe Grimaldi? Em uma entrevista recente, o artista fala sobre a sua vontade de resgatar a profissão de letrista no Brasil e como ele resolveu ensinar a sua arte para muitas pessoas. A profissão de letrista vem sofrendo com os avanços da tecnologia, fazendo com que se perca a riqueza cultural das letras desenhadas à mão. Segundo ele, ensinar essa profissão possibilita que este conhecimento e essa técnica não se percam e que a arte dos letristas permaneça viva e ocupe um lugar na arte brasileira.
Nessa conversa e em seus vídeos, ele afirma que a mão humana é insuperável e que a IA vai sim substituir designers e ilustradores, mas que o uso criativo das técnicas artísticas é parte da inteligência humana que a máquina não possui. Ele ainda acrescenta que as pessoas que investem na aprendizagem de técnicas de pintura e desenho serão raridade no futuro e que a arte de rua não pode ser substituída pela arte artificial. Ele afirma que a IA não consegue fazer letras manuais como as que ele e outros letristas produzem. Em seus vídeos, ele analisa artistas, em sua maioria do graffiti, e sempre termina elogiando o esmero e a manualidade do artista com o bordão: “Chora, Photoshop”. Segundo ele, a manualidade destrói a possibilidade de criação da máquina; ele enaltece a inteligência humana e afirma que ela não pode ser comparada com a inteligência da máquina.
Seus reacts são assistidos atualmente em seu canal do Instagram por mais de 900 mil pessoas e ele é referência hoje na arte de rua no Brasil.
Ainda que se considere o avanço nas possibilidades de edição e geração de imagem e vídeo por IA, a criatividade, a possibilidade de combinação de técnicas de escrita, desenho e pintura e o brilho da criação humana sempre podem superar a máquina. Não sabemos como essas tecnologias avançarão, mas é nosso papel como seres humanos sermos guardiões da nossa história e do nosso saber; valorizarmos os nossos aprendizados, a nossa cultura e o conhecimento ancestral. A riqueza da criação humana pode se beneficiar da IA, mas precisamos nos apropriar do conhecimento construído até hoje, garantir a possibilidade de puxar o fio da tomada, através da regulamentação das tecnologias, e lutar para não perder a riqueza da diversidade e da criatividade humana.