A pesquisa em oncologia é uma jornada constante em busca de respostas para os complexos mecanismos que regem o desenvolvimento do câncer. Cada descoberta representa um avanço significativo em nossa compreensão da intricada rede de eventos que impulsionam essa doença devastadora. Recentemente, um estudo1 inovador lançou luz sobre um novo componente desse quebra-cabeça: o metilglioxal (MGO), um metabólito produzido durante o processo de glicólise, e seu papel na supressão tumoral e na evolução do câncer.

Para compreendermos o papel do MGO na carcinogênese, é fundamental entendermos o contexto em que ele atua. Imagine cada célula do nosso corpo como uma pequena fábrica, onde o gene BRCA2 desempenha o papel de supervisor, garantindo que todas as operações ocorram conforme o planejado e que os danos sejam reparados prontamente. No entanto, o MGO pode interferir nesse processo, agindo como um obstáculo temporário que prejudica a capacidade do BRCA2 de proteger a célula contra o câncer. Esse composto, ao causar danos ao DNA, aumenta o risco de mutações associadas ao câncer.

Este estudo também possibilitou compreender como as mutações no gene BRCA2 afetam o câncer de pâncreas. Descobriu-se que tanto mutações em apenas uma cópia do gene (chamadas monoalélicas) quanto mutações em ambas as cópias (bialélicas) aceleram o desenvolvimento do câncer. Isso é interessante porque contraria a ideia de que ambas as cópias do gene precisam ser danificadas para o câncer se desenvolver. Mesmo com apenas uma parte do gene alterada, as células cancerosas mostraram sinais de que o BRCA2 não estava funcionando corretamente, resultando em um crescimento acelerado do câncer.

Outro ponto importante deste estudo foi perceber que quando o corpo ativa um processo chamado glicólise, que pode ser causado por fatores como oncogenes (genes que promovem o câncer), problemas no metabolismo e até mesmo a nossa alimentação, isso faz com que o MGO se acumule nos tumores do pâncreas. Esse acúmulo de MGO atrapalha o trabalho do BRCA2, que é responsável por consertar o DNA danificado. Essas descobertas mostram como pequenas mudanças em genes e substâncias no nosso corpo podem ter um grande efeito no desenvolvimento do câncer de pâncreas.

Os resultados desses experimentos sugerem uma nova compreensão dos mecanismos envolvidos na iniciação e progressão do câncer. Quando as células são expostas ocasionalmente ao MGO, isso causa mutações nelas, especialmente se essas células já têm mutações no gene BRCA2. Essas mutações contribuem para mudanças no DNA que ocorrem durante o desenvolvimento do câncer. Isso nos faz repensar a ideia de que é necessário desativar permanentemente certos genes que suprimem o câncer para que ele se desenvolva. Em vez disso, sugere que mudanças temporárias nos processos metabólicos do corpo também desempenham um papel importante.

Além disso, o estudo destaca a ligação intrínseca entre desafios metabólicos e o desenvolvimento do câncer. Ao revelar uma possível associação entre diabetes tipo 2 e o risco de câncer em indivíduos portadores de mutações no gene BRCA2, abre-se um novo campo de investigação. Essa interconexão entre metabolismo e câncer não apenas amplia nossa compreensão da complexidade do desenvolvimento tumoral, mas também oferece insights valiosos para estratégias de prevenção e tratamento. Compreender como os processos metabólicos influenciam a progressão do câncer pode inspirar a busca por terapias inovadoras que visam especificamente os mecanismos metabólicos subjacentes ao crescimento tumoral, representando uma abordagem promissora para melhorar os resultados clínicos e a qualidade de vida dos pacientes.

Portanto, essa interconexão entre metabolismo e câncer nos mostra que fatores como estilo de vida, dieta e saúde metabólica desempenham um papel crucial na prevenção e tratamento do câncer. Dessa forma, entender a interação entre o metabolismo e o sistema imunológico no contexto do câncer é fundamental para o desenvolvimento de novas estratégias terapêuticas. Terapias que visam modular tanto o metabolismo tumoral quanto a resposta imunológica podem representar uma abordagem promissora para o tratamento do câncer. Além de que, a identificação de biomarcadores metabólicos e imunológicos específicos pode permitir uma seleção mais precisa de pacientes que se beneficiariam dessas terapias, avançando assim em direção a uma medicina personalizada e mais eficaz contra o câncer.

Novas investigações estão se concentrando em explorar ainda mais essas conexões metabólicas e imunológicas, buscando identificar alvos terapêuticos promissores e estratégias de intervenção que possam interromper eficazmente a progressão do câncer. Com abordagens multidisciplinares e colaborativas, podemos esperar avanços emocionantes no campo da oncologia metabólica, abrindo caminho para novas terapias que visam não apenas as células cancerosas, mas também os processos metabólicos que as sustentam. Essa abordagem holística oferece uma nova perspectiva na luta contra o câncer, promovendo não apenas a sobrevivência, mas também a qualidade de vida dos pacientes afetados por essa doença que ceifa a vida de milhares de indivíduos anualmente.

Notas

1 Li Ren Kong, Komal Gupta, Andy Jialun Wu, David Perera, Roland Ivanyi-Nagy, Syed Moiz Ahmed, Tuan Zea Tan, Shawn Lu-Wen Tan, Alessandra Fuddin, Elayanambi Sundaramoorthy, Grace Shiqing Goh, Regina Tong Xin Wong, Ana S.H. Costa, Callum Oddy, Hannan Wong, C. Pawan K. Patro, Yun Suen Kho, Xiao Zi Huang, Joan Choo, Mona Shehata, Soo Chin Lee, Boon Cher Goh, Christian Frezza, Jason J. Pitt, Ashok R. Venkitaraman. A glycolytic metabolite bypasses “two-hit” tumor suppression by BRCA2. Cell, 2024