Diversos materiais são capazes de transmitir eletricidade sem resistência, i.e., são supercondutores, contudo apenas quando são sujeitos a temperaturas e/ou pressões extremamente elevadas, o que é impeditivo da sua implementação generalizada. No entanto, a supercondutividade tem atualmente aplicações nos aceleradores de partículas, como o Grande Colisor de Hádrons do CERN, nos equipamentos de diagnóstico e imagiologia médica, onde são um componente importante dos dispositivos de ressonância magnética, e nos comboios de levitação magnética (Maglev).

O fenómeno da supercondutividade foi descoberto em 1911 pelo cientista Heike Onnes, quando a produção de hélio líquido permitiu-lhe arrefecer mercúrio até ao seu estado sólido, e estudar as suas propriedades de resistência elétrica. De modo semelhante a outros materiais condutores, a resistência à condução de eletricidade do mercúrio sólido foi reduzindo gradualmente com a diminuição da temperatura. Contudo, a partir dos 4.2 Kelvin (K) (aproximadamente -269° C) a resistência do material desapareceu completamente, ponto a partir do qual um material é considerado um supercondutor.

Depois desta descoberta, vários compostos com caraterísticas de supercondutor foram reportados, sendo a década de 80 prolífera na descoberta de materiais que demonstraram supercondutividade a temperaturas significativamente mais elevadas.

Materiais como os óxidos de cobre dopados com lantânio e bário bateram o recorde de temperaturas, demonstrando supercondutividade a temperaturas superiores a 30K (-243° C). Este recorde foi, no entanto, rapidamente suplantado por um novo material, o óxido de ítrio-bário-cobre, que permitiu um enorme avanço neste campo, uma vez que, demonstrou supercondutividade a 92K (-181° C).

Este marco levou a um aumento exponencial na investigação da supercondutividade, tendo-se introduzido e sujeitado novos materiais, não só a temperaturas, mas também a pressões extremas. Contudo, a temperatura a que se conseguia obter supercondutividade estagnou por volta dos 200K (-73° C), durante décadas.

Alguns materiais demonstram supercondutividade a temperaturas mais elevadas, contudo estes têm de ser sujeitos a pressões extremamente elevadas, condições que continuam a ser impraticáveis para a sua implementação generalizada.

Assim, o estudo de Ranga Dias da Universidade de Rochester, Nova Iorque, publicado na revista científica Nature em 2020, onde Dias e colegas afirmavam ter produzido um supercondutor funcional a temperatura ambiente e pressões relativamente baixas, voltou a trazer o tema da supercondutividade para a luz da ribalta.

O material produzido pela combinação de hidrogénio, azoto e lutécio, um elemento das terras raras, numa célula de bigorna de diamante, demonstrou perder totalmente a resistência elétrica a temperaturas até os 294K (21° C). Para tal, este material precisa de ser submetido as pressões de 10 quilobar (Kb), uma pressão perto de 10000 vezes superior à pressão atmosférica (1 atmosfera ou 1 atm), valores de pressão que são, no entanto, substancialmente inferiores aos milhões de atmosferas de pressão necessárias para o funcionamento dos supercondutores a temperaturas perto da temperatura ambiente.

Dias afirmou também que seria possível que este supercondutor pudesse ser produzido por técnicas diferentes à célula de bigorna de diamante, que mimetizem a pressão necessária à supercondutividade, algo que possibilitaria a sua aplicação prática.

Uma descoberta como a descrita neste trabalho seria revolucionária, uma vez que, um supercondutor que opere nas condições descritas levaria a uma era de instrumentos e equipamentos eletrônicos altamente eficientes e sensíveis. Por outro lado, qualquer descoberta cientifica induz também um elevado nível de escrutínio por parte da comunidade científica, especialmente uma deste nível.

Neste sentido, a publicação deste estudo levantou várias questões quanto aos resultados apresentados e levou à detecção de irregularidades no processamento dos dados, sendo que, vários meses de controvérsia resultaram na retração do artigo pelos editores da Nature, em 2022. O mesmo grupo de investigação reportou, este ano, um novo estudo com um sistema de hidreto de lutécio dopado com azoto que, em vista do acontecido no trabalho anterior, foi recebido com desconfiança pela comunidade cientifica da área da física.

A relutância na partilha da totalidade dos resultados e do material supercondutor produzido por, segundo Dias, estarem a desenvolver uma empresa para a produção e comercialização do supercondutor, apenas aguçou a desconfiança da comunidade cientifica sobre as suas reivindicações.

Finalmente, o facto de não ter sido possível reproduzir os resultados por outros grupos de investigação, representou a última gota na reputação de Ranga Dias, que foi, inclusive, acusado de má conduta científica.

É neste ambiente de ceticismo que em finais de julho deste ano surge um novo estudo, publicado na plataforma sem revisão por pares arXiv, intitulado “O primeiro supercondutor a temperatura e pressão ambiente”. Neste artigo, Sukbae Lee e Ji-Hoon Kim, do Centro de Investigação em Energia Quântica da Coreia do Sul, reivindicaram ter produzido um material supercondutor a temperaturas acima da temperatura ambiente e à pressão atmosférica. No artigo os autores argumentam que produziram um material, uma versão do mineral apatite contendo chumbo, oxigénio e fósforo, e dopado com cobre, que apresenta supercondutividade a pressão ambiente e a 400K (127° C). Adicionalmente, o material, denominado LK-99, expele também um campo magnético, outra caraterística dos supercondutores, e razão pela qual estes materiais levitam quando colocados num íman.

Naturalmente, esta publicação foi recebida com imensa desconfiança, especialmente porque a apresentação dos dados obtidos é dúbia, e os autores parecem não dominar o campo dos supercondutores, transparecendo amadorismo.

Outros grupos de investigação tentaram, infrutíferamente, reproduzir o trabalho descrito no artigo, tendo um grupo verificado que o material apresenta, de facto, supercondutividade, mas apenas a 100K, enquanto três outros grupos não verificaram qualquer indício de supercondutividade.

Se revindicações como as de Ranga Dias e Sukbae Lee e Ji-Hoon Kim fossem corroboradas, e se os materiais por eles produzidos fossem de facto supercondutores a temperatura e pressão ambiente, isto significaria um avanço cientifico e tecnológico revolucionador, que levaria a avanços nas tecnologias dos equipamentos de diagnóstico e imagiologia médica, dos Maglev, e dos computadores quânticos, entre outros, mas sobretudo na criação de uma rede elétrica 100% eficiente que permitiria poupar milhares de milhões de euros, anualmente, nos custos de distribuição de energia.

Por enquanto, estes avanços tecnológicos mantém-se no ramo da ficção científica, no entanto, e apesar do ambiente de ceticismo que paira sobre esta área investigação, quem sabe se o resultado da investigação conduzida na tentativa de se comprovarem estas reivindicações, possa inspirar e contribuir para a produção de um material cuja supercondutividade, em condições de temperatura e pressão ambiente, possa ser corroborada e reproduzida.