Acordo alto, os olhos amasso, estou assustado. Desço descalço, a porta abro e sigo molhado. Com a porta fechada, no ouvido, ouço um conselho do espelho que me vê, me olha, me julga, tudo isso em desespero — estou incomodado. Fecho os olhos e me dou um conselho, viro o espelho e em mim, me dou um beijo. Visto a roupa, fico descalço: hoje é sábado. Em mente três coisas debaixo do braço — trabalho, enfado e novamente trabalho. Tomo café senão eu mesmo me termino, me findo e me acabo. Com essa bebida, me abraço e ao mesmo tempo me contamino dela e me desgraço. É uma relação estética contraditória e percebida, por mim, em meus descompassos. Dependência sem liberdade de ter na garganta um amplo espaço. Depois do saudável vício, faço outro exercício já conhecido: pensar no trabalho que é, em si, calçado. Nele estou acordado, ligado, enjoado, e nesse estado: enclausurado. Não há possibilidade de sair desse espetáculo?

Enclausurado, chateado, aborrecido, enfadado — seria isso o reflexo da sociedade do cansaço? Mas, não tenho função, não tenho nome, não tenho nada na mão, somente o conceito do que é uma mão. Conceito este que, de tanta pesquisa, torna-se com café, o meu pão: um bando de nãos. Não entendo o fetichismo de antes, quando adolescente e depois adulto complacente, pesquisa era o nome do meu desejo ardente. Ao mesmo tempo, o questionamento continua: em que momento essa ardência me deixou quase doente? Talvez quando, socialmente, perdeu-se a pesquisa, outrora encanto. Pesquisar não é mais um encontro com o encanto – e eu não sou mais gente.

No encontro com o outro, para quem eu sou só o outro, bebo mais doses de espanto. Para o outro, em minhas pesquisas, o que escrevo, ou falo e defendo: utópico ou obsoleto. Assim, o que pesquiso soa sem sentido, confuso e sem destino — para estes “grandes”, sentido é algo que precisa ser, na pesquisa, servido. Contraditório ser-vivo: tudo o que eu crio é sentido, porém tudo é sobre o castigo do não, e o não de quem não me entende é de tudo o que não preciso. Sobretudo o que pesquisei e pesquiso, é impreciso e nada do que preciso. Tudo o que pesquiso, me é conhecido, mas é para eles limitado e conciso. Para estes “grandes”, nada do que digo, sinto, escrevo e pesquiso importa — continua faltando coerência e sentido.

Talvez é por isso que para a poesia tenho há anos fugido. Ela é meu descanso, meu contínuo trabalho estético-inventivo, sendo ou não sendo lido ou ouvido, é a autoria do meu abrigo criativo. Minha poética é meu ninho, é o que todos os dias preciso. Tudo que nela eu crio tem consigo um grande nada conciso. Por esse motivo volto a acordar com um pobre espanto do início. Sentado, após o café (que considero-o como um ritual de esperança e fé), amanhã sei que estarei ao longo do dia em pé — destarte, entro de cabeça em um belo consommé. Molhado, amarelo, enfadado: tudo ao redor é dourado, ou um puro estrago. É quente, humilhante e apressada a forma como trago as palavras da colher à garganta num engasgo.

A estética do estrago não é aqui, na garganta, guiada por enfado, mas sim pelo que é, na própria garganta, engasgada. Tantos nós se foram goela abaixo que findou um ene de “nó”. Que também é ene de “nome”, algo que há dias ouço, mas engulo errado e seco, e daqui não some — a lembrança etérea de que queria não ter um nome. Não tenho lembranças sobre a importância do meu nome, e também não nego nada em meu nome, ainda que a primeira letra negue-o, mas digo:

— Senhor, provavelmente você está enganado! Me desculpe, mas… não sou Maxwell.
— Não precisa se desculpar, com seu nome problema não há! Já sei, é Mackeswell.
— Nunca ouvi esse nome, nem na terra e nem no céu.
— Mas, por acaso, você já foi no céu?
— Meu nome não é Mackeswell, não começa com eme e não quero que termine com well.
— Permita-me, com todo respeito, não queres que termine com well?

E assim nasceu meu querido Adel, cabeça de papel. Da (des)necessidade estética de (re)afirmar que quem tem a autoria do meu nome, sou eu — me disse um professor de Geografia quando ele falava sobre céu. Voltando à materialidade do consommé pós-café, na garganta abaixo ele desceu. Sozinho na mesa quieto, um sopro poético em mim desceu — só quem sabe do meu nome sou eu. Não! Ninguém sabe o que é nome, Adel.

Mas um homem, um nome, é designado por alguém que só pode, também, ter um nome. Quem sabe? O nome, pode ser definido por qualquer um transeunte que por aí divaga devagar e sem nome. Na verdade não queria que me dessem um nome — um substantivo próprio ou um adjetivo de significado inóspito. Adel, eu não gosto de ser o outro.

Acordo baixo, viro a cabeça para cima, balanço-a, engulo saliva seco e disfarço a cara de assustado. Fecho os olhos pela milésima vez, calado. Meu lugar, meu estado.