A década de 1960 foi uma época de transformações e aventuras para muitos jovens, e Brasília, com sua configuração inicial de cidade planejada, não foi diferente. Eu, molecote nas quadras do então Gavião, o único bairro que existia na cidade planejada, Brasília, e que hoje é conhecido como Cruzeiro, vivia uma realidade bastante distinta da que vemos hoje.

Minha rotina era marcada pela venda de guloseimas e cigarros, carregando uma caixa pendurada no pescoço por fios de barbante. Dentro dela, havia de tudo: goiabada, queijo mineiro, pé de moleque, rapadura, pães franceses (cortados ao meio para dar mais lucro), e os sempre populares cigarros a retalho. Entre os cigarros, havia os sem filtro, como o Continental e Hollywood, e os com filtro, como o Manchester e Minister, uma novidade na época. Esses produtos eram fabricados pela Souza Cruz, uma empresa histórica controlada pela multinacional British American Tobacco.

As vendas iam bem, e eu conseguia bancar parte do que comia, como o Romeu e Julieta – fatias de goiabada e queijo Minas enfiadas numa banda de pão. Quando voltava para casa com quase todos os produtos vendidos, a apuração era sempre ótima para o Seu Arthur, um comerciante recifense grandalhão, de óculos grossos, mas de coração enorme, especialmente quando eu vendia bem.

Em uma dessas tardes, enquanto retornava de minhas vendas, ouvi de uma casa uma música que chamou minha atenção: “Satisfaction” dos Rolling Stones. Sentei-me num meio-fio debaixo de uma árvore, ouvindo aquele som frenético e diferente, enquanto saboreava meu Romeu e Julieta. Pensei comigo mesmo como aquela música superava até os Beatles e a Jovem Guarda. Foi nesse momento de devaneio que comecei a perceber a arte como um elemento que transcende a vida, decantando sentimentos de alegria, frustração e amor.

A música, especialmente as de paixão traída, tinha um apelo universal. Canções de Reginaldo Rossi, o “Rei do Brega”, tocavam profundamente todas as classes sociais, do amor arrebatador ao sofrimento de uma traição. E essa arte, assim como a vida, se manifestava em várias formas: nas músicas bregas que tocavam em casas de meretrício e até em saunas e casas de massagem.

Como um menino atento e empreendedor, mesmo que modesto, eu me orgulhava de levar bons trocados para minha mãe de criação, Tia Elvira. Seus ensinamentos me moldaram em termos de cidadania, estudos e conduta. Dos simples Romeus e Julietas, desenvolvi um gosto refinado pela boa música, incluindo as bregas, que aprecio especialmente em ambientes como botecos.

Minha paixão por filmes também floresceu. Cinéfilo de coração, encantava-me com a sétima arte, uma classificação introduzida por Ricciotto Canudo. Filmes “água com açúcar” como “Uma Linda Mulher”, com Julia Roberts e Richard Gere, alimentavam meus sonhos de amor e felicidade, e eu ansiava por um remake que trouxesse essa magia de volta, talvez estrelado por talentos brasileiros como Bruna Marquezine e Rodrigo Santoro.

No entanto, percebo que os filmes recentes têm se afastado das narrativas emocionais e significativas de produções como “Diário de uma Paixão”, baseado no livro de Nicholas Sparks. Em vez disso, temos visto uma predominância de filmes de ação e fantasia, muitas vezes sem a profundidade emocional que marca os grandes clássicos.

No Brasil, a narrativa cinematográfica poderia ser enriquecida com histórias de nossos heróis, especialmente aqueles que lutaram na Segunda Guerra Mundial. Há uma riqueza de histórias esperando para serem contadas, além das novelas financiadas pelo Estado que muitas vezes não refletem as complexidades de nossa história.

Enquanto reflito sobre minha jornada, desde as vendas nas ruas de Brasília até minha apreciação pela música e cinema, vejo um futuro onde as artes continuem a inspirar e elevar a experiência humana, resgatando a beleza dos sentimentos que nos tornam verdadeiramente humanos. Que os mocinhos, nas telas e na vida real, continuem a prevalecer, mesmo em meio às adversidades.