"A partir dos anos de 1940, surgem os primeiros estudos relacionados aos mitos urbanos, também conhecidos como “lendas-boatos” ou “lendas modernas”,mas é somente a partir de 1950 que surge uma consciência mais concreta de um“folclore narrativo urbano” e começa-se a falar de forma mais clara em “contos populares urbanos”. Silva ressalta que cidades de grande porte apresentam a ampliação dos avanços tecnológicos, a urbanização, a comunicação em massa etc. como características marcantes. Em consequência de tais características, surge um movimento de afastamento de conhecimentos populares, contação de histórias, lendas etc. dos grandes centros urbanos."
As lendas amazônicas são histórias herdadas pelos antigos habitantes indígenas, colonos portugueses e escravos negros. Povoam nosso imaginário e influenciam nossa formação cultural e folclórica. As lendas indígenas, por exemplo, têm uma explicação para a origem dos astros e estrelas, dos fenômenos geográficos (montes, rios, lagos, etc.), dos animais, dos pássaros, dos peixes e dos vegetais. Representam, para nós, o mesmo que a mitologia grega para os gregos. Além disso, servem de inspiração para a música, a literatura e o cinema em obras que se tornaram marcantes no Brasil e no exterior.
Quem nunca ouviu sobre a Iara, a bela metade mulher-metade peixe, que encanta os pescadores e tenta levá-los para as profundezas dos rios? Ou sobre o encapetado menino com cabelos de fogo e pés voltados para trás, que protege a floresta e os animais e atende pelo nome de Curupira? E ainda sobre a índia Naiá, que apaixonada pelo reflexo da lua no igarapé, acabou se perdendo nas águas e transformou-se em uma linda flor chamada Vitória-Régia?
"Alimentados pelo imaginário das águas e das florestas, os ribeirinhos da Amazônia são os herdeiros diretos do modus vivendi originário dos indígenas. A mentalidade do homem amazônico povoada de mitos e lendas constituiu-se, portanto, como uma forma peculiar de leitura da realidade que é produto da diversidade das culturas". O folclore brasileiro é rico e repleto de mitos, contos e lendas da cultura popular. Geralmente, é mais presente e cultivado nas cidades interioranas do país, onde o povo mais velho costuma criá-las para passar mensagens ou até mesmo assustar crianças e visitantes desavisados. "É nesse espaço onde os mitos habitam e se tornam as narrativas contadas pelos povos da floresta, isto é,as lendas que conhecemos e que povoam nosso imaginário coletivo."
Há uma serpente gigantesca, nos subterrâneos da cidade de Belém, atravessando um trecho que vai da Cidade Velha ao bairro de Nazaré e que, no momento em que se movimentar, fará toda a metrópole afundar nas águas que a cercam. Pelo menos essa é uma das inúmeras versões que correm, à boca pequena, pelas ruas de Belém e também no interior do Estado, quando se fala na Cobra Grande, lenda que povoa e enriquece o imaginário amazônico.
Dizem que, de tão enorme, a cabeça da serpente estaria alojada sob o altar-mor da Basílica de Nazaré e o final de sua cauda repousaria debaixo de outro ícone da fé paraense: a Igreja de Nossa Senhora do Carmo, na Cidade Velha. Uma prova de que o imaginário popular é tão forte a ponto de fazer as pessoas acreditarem no sobrenatural, aconteceu em 1970, quando um abalo sísmico afetou Belém e muita gente disse se tratar do tal animal gigantesco. O susto foi repetido décadas depois, em 2007. Em dezembro daquele ano, os mais supersticiosos não se deixaram levar pelas informações de que um terremoto de 7,3 graus na escala Richter, na região de Martinica, América Central, teria se estendido ao Pará e a mais três estados do Norte do país. Para eles, não havia dúvidas: foi a Cobra Grande que se mexeu outra vez!
“Causo” ou realidade? Essa é mais uma das inúmeras lendas que eventualmente já escutamos desde a infância. Boto que vira homem, Mãe d’água e Iara que encantam pescadores e os levam para as profundezas dos rios; o frenético Curupira, o ser de cabelos de fogo e pés com calcanhares voltados para a frente, além da Matinta Perêra, que vem à meia-noite bater às portas dos ribeirinhos para cobrar tabaco. Essas e outras histórias, contadas no Pará e no restante da Amazônia, são originárias dos indígenas e de outras lendas trazidas por portugueses e negros africanos. Elas fazem parte da nossa imaginação e, pelo flutuar dessa canoa, nunca vão desaparecer.
“Podemos dizer que as nossas lendas estão para a cultura do nosso povo, assim como as gregas estão para a cultura do povo grego”, arrisca dizer Walcyr Monteiro, professor de Antropologia, jornalista, escritor e autor de “Visagens e Assombrações de Belém”, entre tantas outras obras dedicadas ao folclore amazônico. Expert no assunto, dá até para imaginar que Walcyr, se não acreditar piamente nas histórias fantásticas que conta, certamente pode ser adepto do velho ditado, que diz: “- Eu não creio em bruxas, mas que elas existem, existem”. O escritor, por outro lado, prefere desconversar: “Não se trata de acreditar ou não acreditar. As lendas amazônicas estão presentes, queiramos ou não, no nosso dia-a-dia”.
Enredos fantásticos são explorados pelas artes
Com enredos fantásticos e inebriantes, as lendas amazônicas não poderiam deixar de envolver os espectadores da sétima arte. No anos 80, o longa “Ele, o Boto” (1987), filme de Walter Lima Jr. com Carlos Alberto Riccelli no papel principal, tornou-se sucesso nacional e internacional, integrando a safra dos filmes que representaram o crescimento do cinema nacional, que àquela época aumentava o número de produções. No Pará, elas também invadiram as telonas através de “Lendas Amazônicas” (1998), dirigido por Moisés Magalhães e Ronaldo Passarinho.
O longa-metragem narra lendas e mitos muito famosos na região Norte, como o “O Boto”, “Matinta Perêra”, “A Cobra Grande” e “Belém, Mitos e Mistérios” e o curta “Matinta” (2009) de Fernando Segtowick, filmado na Ilha de Mosqueiro, com produção e atores paraenses no elenco, e destaque para nomes como Dira Paes, Adriano Barroso e Astrea Lucena. Lançada em 1978, a produção teve 7 temporadas e foi o programa favorito de muitas crianças, o Sítio do Pica Pau Amarelo teve muitos episódios com turma envolvendo lendas folclóricas como Boto-cor-de-rosa, Curupira e Iara.
A minissérie O Canto da Sereia, ficção produzida pela GloboPlay em 2013, não aborda diretamente o mito, mas traz em sua personagem principal interpretada por Ísis Valverde uma referência à lenda da Iara. A série brasileira com duas temporadas da Netflix, Cidade Invisível (2021), com Alessandra Negrini e Marcos Pigossi no elenco. Em uma produção mais recente temos a animação infantil Além da Lenda - O Filme, que conta com a presença de vários personagens folclore brasileiro, uma ótima forma de apresentar essa temática para crianças e reforçar a cultura do país.
Na música, temos as composições emblemáticas do maestro Waldemar Henrique, que nos presenteou com canções como “Curupira”, “Foi Boto, Sinhá”, “Matinta Perêra” e Uirapuru que ao som do piano tem ares de Ópera Clássica. Mas para além das composições do maestro paraense que tem fontes fortemente enraizadas no folclore amazônico, temos outras composições de artistas diversos entoando versos relacionados ao tema tal qual Nilson Chaves em Amazônia, belíssima canção do seu disco Tempo e Destino e Águas de Março, composição de Tom Jobim que cita Matinta Perêra, entre outras. Também exercem impacto sobre os talentos criativos de distintas áreas, como escritores, poetas, pintores, escultores, artistas plásticos e cineastas.
É notável que as lendas amazônicas estejam tão fortemente presentes no dia a dia de tantos brasileiros, pois o folclore é algo muito valorizado na maior parte do país e geralmente nos ensinado ainda na escola, especialmente na educação infantil, já que "no ambiente escolar o folclore brasileiro apresenta inúmeros elementos a serem apresentados e desenvolvidos com a criança".
Conheça algumas da lendas amazônicas
A lenda da Vitória-Régia, muito conhecida no Brasil, relata a história da guerreira indígena Naiá, que se apaixonou pela Lua ao ponto de se tornar uma estrela das águas após se afogar em um lago. A lenda influenciou as crenças populares sobre as flores da vitória-régia, que só abrem durante a noite, em homenagem a Naiá e sua persistente paixão pela Lua.
Reza a lenda do Norte que o boto-cor-de-rosa, figura clássica do folclore brasileiro, teria a capacidade de se transformar em um belo rapaz durante a noite, conquistando as mulheres ribeirinhas na Amazônia. Segundo a crença local, essas mulheres se envolvem com o boto, engravidando dele antes de amanhecer, quando ele retorna à forma animal e foge. Inclusive existem muitos "filhos do boto" espalhados pela região Norte do país. Essa narrativa, sem fundamentos científicos, integra o folclore amazônico e deve ser interpretada como tal. Na série Cidade Invisível (2021) temos a lenda belamente retratada sendo o boto interpretado pelo ator Victor Sparapane, que faz o sedutor personagem Manaus que é um boto que se transforma em homem para seduzir as mulheres na primeira temporada.
A lenda da Mãe d'água, conhecida também como Iara ou Yara, retrata uma sereia de beleza encantadora, metade mulher e metade peixe, que reside nas águas amazônicas. Sua história, envolvendo inveja, traição e sedução, a diferencia de Iemanjá, orixá africana do mar. Iara, após ser transformada em sereia pelos peixes, atrai homens com seu canto, levando-os à morte ou à insanidade. A sereia passa o tempo nas margens do rio, contemplando sua beleza no reflexo das águas e interagindo com os peixes. De tão marcante, Iara já foi até retratada em um poema de Olavo Bilac e também está presente na primeira temporada de Cidade Invisível (2021), sendo interpretada pela atriz Jéssica Córes.
A lenda da Matinta Perera, presença marcante na região Norte do Brasil e na Floresta Amazônica, destaca uma mulher com habilidade para se metamorfosear em ave que perturba o sono das pessoas em busca de presentes como café, tabaco ou outros itens. As narrativas variam, algumas descrevendo a Matinta como feiticeira que assume essa forma encantada, enquanto outras sugerem uma maldição transmitida de mãe para filha ou passada para qualquer mulher que, ao responder afirmativamente à pergunta "quem quer?", se transforma na Matinta Perera. Mas há quem acredite que não seja apenas lenda e relata ter tido uma experiência para lá de inusitada com essa personagem icônica.
A Amazônia, rica em histórias e lendas ligadas à natureza, inclui o mito da cobra grande, também chamada de "boiúna". A lenda relata que uma enorme serpente repousa sob a cidade de Belém, com sua cabeça na Catedral da Sé e seu corpo se estendendo até a Basílica. Diz-se que, se ela despertar, a capital paraense será submersa. Existem diversas teorias sobre o que poderia despertar a cobra, desde o aborrecimento até a ausência do Círio como evento religioso importante. Alguns inclusive associam a corda da procissão do Círio à representação simbólica da cobra grande.
O Curupira, guardião das florestas, apresenta características indígenas, como cabelo de fogo e pés virados para trás, e é capaz de se tornar invisível. Ele protege aqueles que mantêm uma relação equilibrada com a natureza, utilizando-a de forma sustentável. Caçadores irresponsáveis e destruidores do meio ambiente despertam a ira do Curupira, que os leva a armadilhas na floresta ou sabota suas caçadas, representando a relação de respeito dos indígenas brasileiros com a mata. Na TV temos esse mito retratado na série A Cidade Invisível através do ator Fabio Lago, em história contada por Tia Anastácia no Sítio do Pica Pau Amarelo e no Cinema através do filme Curupira - O Demônio Da Floresta.
E aí, você já conhecia essas lendas ou nunca havia tido contato com lendas amazônicas ou folclore brasileiro na sua vida? Comenta aqui sua experiência com esse tema.