No coração de São João d’Aliança, em Goiás, Brasil, escondida entre os serenos encantos do cerrado, encontra-se a majestosa Cachoeira Label, com os seus 187 metros de altura — a maior cachoeira do estado. Não era a primeira vez que visitávamos a Chapada dos Veadeiros, mas foi a primeira vez que ficamos cara a cara com a Label e a sua poderosa manada.
Após 10 dias revisitando as belezas naturais de Alto Paraíso e da Vila São Jorge, tivemos que pegar estrada sentido o aeroporto de Brasília, mas, 70 quilômetros depois, fizemos nossa última parada na cidade de São João d'Aliança. Passamos a noite em um hotel rodeado de natureza e com um dono pra lá de simpático, que se deixasse invadiria a madrugada com suas histórias. Amizade feita, coração aquecido, olhos transbordando de encantamento… Não preciso dizer que meu marido e eu dormimos bem e felizes.
No dia seguinte, o dono do hotel veio verificar nossa programação. Quando soube que era visitar a cachoeira Label, recém aberta ao público, ele olhou para o carro que havíamos alugado e ficou temeroso de que não passássemos em um trecho, pois por ser época de cheia, riachos eram formados, impossibilitando a passagem de carros baixos. Mas, amigável como ninguém, ligou para algumas pessoas que fariam o mesmo passeio naquele dia e tinham o carro apropriado para fazer o percurso seguro. Fomos seguindo os amigos do nosso novo amigo até onde pudemos, cerca de 23 km de chão batido. Três quilômetros antes da entrada da fazenda, tivemos que estacionar e pegar nossa carona improvisada.
Passamos a contemplar a natureza ao nosso redor, vimos araras, tucanos, seriemas e muitas vacas, bezerros e bois tomando o sol da manhã. Uma cena bucólica e serena. Algumas vezes até paramos para dar passagem à manada. Ao chegar na fazenda, agradecemos a carona e combinamos de voltar a pé até o carro, pois não almoçaríamos ali, afinal, tínhamos que chegar o quanto antes em Brasília para descansar e pegar nosso voo de volta a São Paulo.
Que passeio incrível!!! Nos banhamos nas cinco piscinas naturais que antecedem a rainha Label. Cerca de 1,8 quilômetros de trilha de nível moderado até ali. Foi fantástico! Para chegar à maior cachoeira de Goiás, precisamos beirar encostas e passar por muitas, muitas, muitas pedras. A parte mais complicada do trajeto conta com uma corda de apoio. No entanto, nossa aventura não seria completa sem alguns percalços. Cruzamos com uma colmeia agitada de abelhas, o que nos fez correr apressadamente, misturando risadas nervosas com o instinto de autopreservação. Quando pensava em desistir, via ao longe um pedacinho da cachoeira e me animava. A força de suas águas era tanta, que mesmo de longe sentíamos suas gotículas. Apesar do sobe e desce e do corre corre das abelhas, pudemos vislumbrar a majestosa Label de pertinho. Que sensação de pequenez tivemos ali. A força das águas despencando de alturas surpreendentes era hipnotizante. Ficamos ali, maravilhados, absorvendo a energia vibrante do lugar.
Hora de voltar. Sobe e desce nas pedras novamente. E aos poucos fomos deixando aquela exuberante deusa das águas para trás. Na recepção da fazenda, sentamos por alguns minutos para beber água e comer uma barrinha de cereais. Com o fôlego recuperado, estávamos preparados, ou achávamos que estávamos, para enfrentar mais três quilômetros de caminhada debaixo do sol implacável. O cenário era uma larga estrada de terra, tendo de um lado pasto e do outro também, além de arbustos esparsos e gramíneas que dançavam ao tocar do escasso vento.
Enquanto caminhávamos, percebemos a presença marcante das vacas, que pareciam estar por toda parte. No entanto, algo surpreendente chamou a nossa atenção: algumas vacas se destacavam do resto, não apenas pela pelagem, mas pela postura vigilante e atenta. Eram as "Vacas Guardiãs", como as apelidamos carinhosamente. Em menos de 800 metros de caminhada, nosso primeiro obstáculo inusitado: um dos guardiões avançou no meu marido, que diante do tamanho imponente do animal, decidiu voltar devagar e de costas, fitando sempre os olhos daquele bicho. Quando estava a uma distância segura, pediu que aguardássemos o animal adentrar no pasto. Coisa que aconteceu e o alívio pairou no ar. Continuamos. Passamos pelo boi bravo, coisa que não devíamos ter feito, pois 900 metros depois, uma parede de vacas se formou. Tarde demais para voltar para a fazenda, pois teríamos que enfrentar o boi e não conseguíamos seguir adiante porque as guardiãs estavam à nossa frente.
Em meio à poeira e ao calor abrasador de janeiro, tentamos escapar do perigo iminente. Como providência divina, vimos um pedaço de cerca quebrada. Decidimos subir no que restava dela e esperar. Ficamos ali uns 35 minutos na esperança de algum turista passar de carro indo ou voltando da cachoeira e nada. Procuramos não fazer contato visual com os bichos, para que eles pensassem que fazíamos parte do cenário, naquela hora queria ser a planta Paepalanthus giganteus, mais conhecida como chuveirinho, ou uma arara para ver a manada de outro ângulo. No tempo em que ficamos parados, lembramos de desenhos animados onde o touro fica bravo ao ver a cor vermelha. Meu marido, por coincidência, estava vestindo uma camiseta vermelha, tirada de imediato à espera de que o Pica-Pau estivesse correto, mas foi em vão. Só pensávamos no estrago que apenas 1 animal daquele, que podia pesar de 450 a 900 quilos podia fazer com a gente, quiçá uma manada. Era o nosso fim. Já imaginamos as manchetes: Casal de turistas morre pisoteado por vacas.
Encurralados, só nos restava orar e vibrar positivamente em busca de um milagre porque o mantra “eu sou uma planta” não funcionou. Já sem água, com calor e desesperados, vimos aquele paredão de peso e músculos se desfazer aos poucos. Não podíamos nos mexer para que não voltassem. Quando finalmente percebemos que podíamos continuar a trilha, demos passos lentos, permanecendo o mais longínquo possível daqueles assustadores animais. Seguramos a respiração e passamos, mas meu marido decidiu olhar para trás em um ato inconsciente de proteção. Foi quando ele gritou “corre!!!” e ao virar a minha cabeça, a manada, com instinto maternal aguçado, se posicionou em “V” e começou a correr em nossa direção. O trotar da manada se misturou com o “tum-tum” do meu coração acelerado.
Em terreno pedregoso; condições climáticas intensas e secas; sem resistência física, técnica de corrida ou treinos regulares; estava instalado a certeza do caos. No entanto, superando meu próprio corpo e me desequilibrando de cima da minha própria perna, corri o máximo que pude. Meu marido, fazia curtas pausas para virar o corpo em direção à manada e dar seu brado retumbante, em um ato corajoso e heroico. Quando achei que iria cair, ele gritou “continua, elas estão ficando para trás e diminuindo a velocidade” ou talvez fossemos nós que estávamos correndo mais que um atleta no dia de São Silvestre. Continuei mais um pouco e vi uma porteira, mais adiante um carro se aproximava. Foi a nossa salvação.
O motorista gentilmente parou e nos acolheu. Ao entrar no carro, a mistura de emoções tomou conta de nós. Chorei de medo, raiva e alívio, enquanto meu marido tentava recuperar o fôlego. Agradecemos aos turistas que, vendo nossa situação, nos ajudaram.
A experiência, embora assustadora, tornou-se uma história para contar, uma aventura inesquecível que misturava a beleza selvagem do cerrado com os imprevisíveis desafios da natureza.
Enquanto voltávamos para casa, refletíamos sobre a dualidade da natureza, capaz de nos proporcionar momentos mágicos e, ao mesmo tempo, nos desafiar de maneiras que jamais poderíamos antecipar. A Cachoeira Label e suas guardiãs imprevisíveis ficariam marcadas em nossas memórias, um lembrete de que a aventura muitas vezes se esconde nos lugares mais inesperados.