Na era do digital é difícil tomar ações de marketing estratégico sem um produto básico: os dados. Ter acesso a eles está cada vez mais fácil para as empresas, possuir dados e informações relevantes em tempo real nunca foi tão fácil quanto atualmente. O acesso a dados relevantes torna a tomada de decisões mais assertiva, direciona estratégias e otimiza ações do negócio, faz com que a empresa tenha diferencial competitivo no mercado.

Antigamente o custo para obter dados era maior. Pesquisas de opinião e de mercado, cliente oculto, grupo focal entre outros são aplicações mais complexas, que nem todas as empresas podem arcar financeiramente. Atualmente é algo mais acessível, pois qualquer cidadão deixa rastros online. As curtidas em redes sociais, os cliques nos vários websites, aquela conversa no telefone com o gerente de banco, aquele cadastro que foi feito na farmácia com o CPF em troca de um desconto, aplicativos acessados no smartphone que coletam em tempo real a localização.

Em todos os momentos são coletados dados que não são apenas RG, endereço e CPF, mas rastros vinculados com o comportamento, afinidade, hábito de consumo, interesses, gostos prediletos, características físicas, demográficas, personalidade, signo e entre outros, que fazem com que uma série de decisões sejam tomadas pela pessoa, como por exemplo o conteúdo da linha de tempo do Facebook, que é gerado automaticamente através de um algoritmo sofisticado ou o score de crédito no mercado para liberar ou inibir ofertas de empréstimos bancários. Não é mais o gerente do banco quem vai aprovar ou negar crédito, mas será o algoritmo que analisou os dados e avaliou o risco de ceder crédito para o cliente.

É possível verificar esta situação acontecendo também nas eleições de 2018 e 2022 no Brasil, onde se criou uma extensa rede de compartilhamento de conteúdo com notícias falsas dentro de grupos no WhatsApp com mensagens em massa a números, que foram coletados de usuários de alguma forma para estratégias de marketing. Muitas pessoas durante esse período devem ter se perguntado “Como arrumaram meu telefone? Eu nem conheço esse candidato!”. E, realmente, se você não deu seu telefone ou endereço e disse que queria conhecer a campanha, não era pra estar recebendo propaganda eleitoral.

Isso mostra o quanto um dado é importante, podendo ser usado para o bem ou para mal. Mas não é apenas no Brasil, uma das estratégias usadas pela campanha presidencial de 2016 nos Estados Unidos foi a parceria com a empresa Cambridge Analytica, que combinava mineração e análise de dados. Christopher Wylie, um ex-funcionário da empresa, confirmou que a Cambridge Analytica coletava dados de mais de 50 milhões de usuários, para serem usados em estratégias na eleição presidencial dos EUA. Os dados foram coletados através de um teste de personalidade, que possibilitou criar o parâmetro do comportamento de eleitores que participavam do teste e de seus amigos também. Eram coletados por exemplo, orientação sexual, raça, gênero, idade e através das suas “curtidas”, uma noção de suas posições políticas. Os dados foram usados como ferramenta política para anúncios de mídia paga dentro do Facebook Ads e Instagram Ads.

Tivemos recentemente em 2022, 2023 e 2024 o caso do Twitter Files, que são documentos divulgados pelo jornalista norte-americano Michael Shellenberger e teve repercussão após Elon Musk entrar no debate, depois dele comprar a plataforma, em outubro de 2022. Esses documentos, que ficaram conhecidos como "Twitter Files". À época, em 2022, indicaram como a rede social colaborou com autoridades dos Estados Unidos para restringir usuários e suprimir histórias envolvendo o filho de Joe Biden. Esses arquivos, ou files, revelam, em certa medida, como o Twitter reagia a pedidos de governos para intervir na política de publicação e remoção de conteúdo. Em 2024 ocorreu o mesmo com o Brasil, onde o governo solicitou dados de usuários do Twitter e bloqueio de várias contas da plataforma, porém sem o usuário estar ciente do motivo do bloqueio ou do repasse de dados e motivou o mercado a debater sobre o assunto de censura e privacidade.

Nesse momento é possível identificar questões éticas totalmente novas que acontecem na era pós-moderna envolta da privacidade de dados.

Mesmo com a legislação de proteção de dados da GDPR da União Europeia, e LGPD lei brasileira nº 13.709/18 que foi inspirada na GDPR e traz muitas semelhanças, percebemos que nem sempre estamos realmente totalmente protegidos e todo o perfil de uma pessoa, do que ela gosta, o que compra, quais suas necessidades, hábitos, sua localização e perfil genético. Toda essa informação pessoal é utilizada como diferencial competitivo no mercado em prol de estratégias de marketing e muitas das vezes sem qualquer preocupação do que será feito com seus dados, quem tem acesso a eles, ou quais as regras para a transferência dos mesmos.