Quando eu era criança, tinha um programa na TV Cultura chamado “Contos de Fadas”. Lembro-me da minha irmã e eu assistindo as narrações dos mais maravilhosos contos como: Branca de Neve e os 7 anões, Cinderela, A Princesa e o Sapo, A Princesa e a Ervilha, Rapunzel. Enfim, a lista era imensa e recheada de clássicos da literatura infantil.
As histórias eram tão fascinantes que nós as recontávamos para a família em uma espécie de teatro que nós montávamos em casa. Não satisfeitas, tínhamos também as histórias em livros, e foi assim, por meio do storytelling que eu adentrei no mundo da leitura e do amor por histórias.
Mas não basta somente ter uma boa história. É necessário saber contá-la de uma maneira que prenda a atenção do público, criando sentido na cabeça do ouvinte. A fofoca, é um bom exemplo de storytelling. É atraente, cativante, curiosa e prende a atenção em todo aquele que a ouve. Ou você nunca ouviu uma boa fofoca no salão de beleza? Ah, vai, admite!
E você, escritor. Sabe contar uma boa história para os seus leitores, de maneira que eles não descansem enquanto não finalizar o seu livro? E você, colunista: seus artigos são complexos e enfadonhos ou você conversa com as palavras?
Tenho que admitir que nos dias de hoje tem sido difícil competir com as redes sociais. Ao invés de ouvir histórias, as pessoas consomem informação. Na maioria das vezes, nem sabem o que estão consumindo. Mas fique tranquilo, se você ainda é do time que ouve histórias e gosta de contá-las, saiba que existe técnica para isso. E é sobre isto que se trata este artigo.
Começando com o significado da palavra storytelling que em tradução livre significa contar histórias (story: história; telling: contar), resumindo temos: a arte de contar histórias. Partindo deste pressuposto, contar histórias é uma arte, que está presente na vida de roteiristas de cinema, novela, teatro e na obra de muitos escritores. Não podemos, porém, nos esquecer daqueles que foram nossos primeiros contadores de histórias como nossa mãe, professora, avó, e até mesmo aquele coleguinha que contava histórias horripilantes para nos assustar.
A partir daí temos a primeira constatação acerca de uma boa história: ela tem início, meio e fim. Vemos isso com bastante clareza em novelas, por exemplo, em que os personagens nos são apresentados, e quando menos esperamos, nos conectamos com eles, a tal ponto de torcer por cada um deles no final da novela (com aquele final feliz).
Outro fato curioso acerca da narração de histórias, é que elas não precisam ser inéditas para ser contadas, e sim apresentadas de perspectivas diferentes. É como ouvir mil vezes a mesma história, e não se cansar dela (assim como as crianças fazem quando pedem para contarmos a mesma história para elas incansavelmente). Mas ainda assim paira uma dúvida: como a narrativa se conecta emocionalmente com as pessoas?
Simples, contando sobre o que você sabe ou o que aconteceu com você, colocando emoção na narrativa. As histórias conectam as pessoas porque transportam o ouvinte para o lugar do personagem, fazendo-os se sentir da mesma forma. Seja no conto, na novela, naquela cena de cinema ou naquela história que nos contaram no sofá da nossa casa. Em pouco tempo nos identificamos com o personagem principal e... ka bum! Estamos dentro da história.
A verdade é que o ser humano é ávido por histórias desde o início dos tempos. Os homens das cavernas se reuniam despois da caça para narrar suas aventuras e lutas com os animais. Hoje na pós-modernidade, temos a Netflix e tanto outros serviços de streaming. Ou você nunca parou para pensar por que somos tão “viciados” em séries e filmes. Porque a história está dentro de nós, nos constitui e dá asas a nossa imaginação, tendo como objetivo comunicar, contar e entreter.
Um dos motivos pelo qual as histórias são tão interessantes, é que elas nos levam em busca de uma jornada, na qual nos identificamos, empatizamos e criamos conexão com o personagem, sentindo e vivendo aventuras como ele e com ele. Mas como fazer isso funcionar na prática? Como contar uma história que seja capaz de prender a atenção do receptor?
- Primeiro, a sua história deve despertar o interesse da pessoa, ao ponto de gerar uma identificação entre ela e a narrativa;
- Segundo, faça com que ela se imagine no lugar do personagem, percorrendo os passos dele, estando em sua pele;
- Terceiro, desperte a emoção do ouvinte ou leitor, de modo a fazê-lo associar suas memórias afetivas com as histórias narradas.
No storytelling existem algumas formas de construir uma narrativa. Utilizaremos como exemplo, A Jornada do Herói criada pelo autor Joseph Campbell, apresentada na obra O Homem de Mil Faces. A jornada é constituída de 12 etapas. Vamos conhecer cada uma delas?
- O mundo comum: aqui somos apresentados ao nosso herói, conhecendo um pouco sobre a sua história, sua missão de vida, quem é sua família, onde vive, com quem se relaciona etc.
- O chamado para a aventura: nesta etapa, nosso herói é confrontado com o seu primeiro grande desafio ou conflito. Se trata de uma situação que o fará sair da sua zona de conforto. Pode ser um desafio, uma luta, um duelo, um enigma, um caminho a trilhar etc.
- A recusa do chamado: no entanto, o personagem recusa o chamado por preferir permanecer em sua zona de conforto, a enfrentar novas aventuras, pois teme o desconhecido.
- O encontro com o mentor: nesta etapa da jornada, o herói tem uma ajuda surpreendente! Se trata de um mentor que o auxiliará a trilhar o seu caminho. Esse mentor pode vir de diferentes formas para ajudá-lo: por meio de poderes sobrenaturais, através de um objeto mágico, pela presença de um livro e/ou até de um treinamento.
- A travessia para o novo mundo: este é o ponto da virada de chave no storyteller, pois nosso herói irá fazer a travessia entre o mundo que ele conhece para a “terra do desconhecido”, aceitando finalmente o desafio.
- Apresentação de provas, aliados e inimigos: no novo mundo, o personagem principal é apresentado aos habitantes do local, e pouco a pouco, ele começa a perceber quem são seus amigos (aliados) e quem deseja prejudicá-lo (seus inimigos). O herói também é apresentado às provas do novo mundo, e passa a compreender como ele funciona.
- A aproximação do ambiente secreto: este é um momento reflexivo para o herói. Se trata de um momento em que ele olha para dentro de si (seu lugar secreto), e questiona suas habilidades, forças e capacidades, bem como o seu chamado. Esta etapa é muito importante, pois fortalecerá e preparará o personagem para enfrentar aventuras ainda maiores.
- A provação: chegamos, então, na prova de fogo do nosso herói. Ele enfrentará uma das provas mais difíceis de sua vida, mas devido aos conhecimentos adquiridos, ele conseguirá ultrapassar barreiras e vencer o temível desafio. Nesta fase do storyteller já estamos totalmente envolvidos e identificados com o personagem.
- A recompensa: após a incrível luta ou desafio, o herói recebe a sua recompensa, que pode ser uma nova lição, um novo aprendizado, uma reconciliação, um artefato mágico ou a transformação em alguém muito mais sábio e forte.
- O retorno para o lar: missão cumprida, nosso herói volta para casa trazendo na bagagem novos conhecimentos e aventuras. No entanto, por não ser mais o mesmo do início da jornada, é provável que ele tenha que fazer escolhas decisivas e reflexões acerca de si e do bem-estar coletivo.
- A ressureição: nesta etapa o inimigo surge e desafia o nosso protagonista mais uma vez. Para derrotá-lo o herói terá que usar a recompensa como arma para derrotá-lo. Será que ele irá conseguir?
- O retorno final: aqui temos o retorno do protagonista ao seu mundo de origem, consagrado como herói. Seus inimigos foram punidos, e os seus feitos jamais serão esquecidos.
E aí, gostou da história? Assim como eu, aposto que você ficou totalmente envolvido. Bem-vindo a proposta do storytelling que é criar histórias, contando-as de forma envolvente e cativante, gerando identificação e empatia no ouvinte ou no telespectador.
Nesse processo o ingrediente principal é a criatividade. Assim use e abuse da sua imaginação para formar personagens e contos inesquecíveis.
A história deve ser clara, ter um sentido e apresentar (tal qual um texto) introdução, desenvolvimento e conclusão. O “pulo do gato” está em criar uma história com a intenção de gerar emoções positivas na pessoa, ao passo que as histórias com mensagens negativas tendem a desagradar o público, sem gerar uma identificação. Isso vale também para personagens muito superficiais, que dificultam o envolvimento e a empatia do público por eles.
E aí, anotou tudo? Espero que essas dicas tenham inspirado você em suas próximas aventuras!
Forte abraço, e nos vemos na próxima história!