Só somos felizes, verdadeiramente felizes, quando é para sempre, mas só as crianças habitam esse tempo no qual todas as coisas duram para sempre.
(José Eduardo Agualusa)
Vivemos todos em busca da felicidade, mas esta, sorrateira, se esquiva e corre quando estamos prestes a agarrá-la.
Começamos uma nova perseguição seguindo suas pegadas e impregnados pelo doce perfume por ela deixado no ar. Vemo-nos então, dentro de uma mata densa e escura. Ficamos assustados com os ruídos da noite e o canto do urutau... Ali mais a frente uma massa brilhante desliza em movimentos sinuosos pelo chão...Seria uma cobra?
O nosso coração começa a saltar quando, subitamente, caímos em um buraco escondido na relva. Soltamos um grito estridente de pavor ao mesmo tempo em que todo o nosso corpo parece latejar de dor...
Cadê aquela a quem estávamos perseguindo? Após ter se esgueirado entre as árvores na escuridão da noite, parece ter se desvanecido no ar. E agora, como vamos sair do buraco? Quem virá nos ajudar? Socoooorro!!!
O relato acima é fictício, mas pretende ilustrar, tal como num desenho animado, as nossas peripécias em busca da felicidade nessa grande aventura que é a vida, e os perigos que isto envolve, muito embora acreditássemos que aquela nos conduziria ao nirvana.
Alguém teria dito que a vida é feita de momentos felizes. Momentos estes em que provamos o doce sabor do mel, que de tão doce nos sentimos viajando como em um caleidoscópio, onde experimentamos visões multicoloridas de prazer e êxtase. Desta forma, gostaríamos de ter a felicidade para sempre em nossa companhia, mas esta, teimosa e voluntariosa, escapa pelos vãos de nossos dedos...
Resta-nos então o ‘conforto’ do amargo do café, até porque precisamos da cafeína para ativar o estado de prontidão e dispor de energia suficiente para enfrentar os desafios cotidianos e os imprevistos que invariavelmente aparecem, imprevistos estes, na maioria das vezes, nem um pouco ‘divertidos’.
E assim vamos conciliando o doce com o amargo da vida. Quando precisamos, lançamos mão do mecanismo de defesa do ego da racionalização, isto é, “se não tenho o doce é porque ele não é tão doce assim, então vou ficar com o amargo que tem um doce no final...” Assim, quando não podemos dispor de um, lançamos mão do outro, até porque a experimentação dos opostos torna o jogo mais interessante, visto que novas percepções aparecem através da síntese.
Contribuindo com nossa reflexão, o poeta Túlio Borges disse brilhantemente em seu vídeo de ano novo:
O ‘ano que vem’ passou ontem lá em casa e disse que o futuro vai ser melhor. Disse que o presente é bom... que é também doído, que o passado pode ter sido ruim, mas que também certamente foi bom. Que foi tudo uma mistura. Disse também que o futuro assim exatamente o será. Alternando as horas duras com as horas doces. Os dias de subida pedra acima e os dias de sombra. De horas de alegria, de muitas horas de tédio, mas sempre um pouquinho mais de tédio do que de emoção. E tudo isso de novo e pra sempre, com a diferença de que no futuro nós mesmos seremos uma versão mais melhorada de nós mesmos. Os nossos defeitos sempre um pouquinho mais ‘despiorados’. O futuro disse ontem que ano que vem a vida virá com menos partículas de feiura. Porque a gente vai estar mais experiente, que no futuro a gente vai estar mais preparado para a beleza já bonita que existe...
Não há descrição mais bela sobre a vida do que esta. O poeta, em seu discurso singelo e sua profunda sensibilidade, descreveu com maestria o suceder do tempo e o sentido de nossa passagem sobre a terra. Os “dias de subida pedra acima” consistem no enfrentamento das adversidades. “Alternar as horas duras com as horas doces” é a estratégia de que se utiliza a inteligência cósmica para lapidar nosso espírito, minimizando nossos defeitos e nos tornando seres humanos mais humanos.
Ou seja, ao longo de toda a nossa existência estamos engajados sem o saber em uma escalada, a escalada da evolução. Conhecer o doce e o amargo faz parte deste aprendizado, sendo que ambos são importantes e necessários, pois sem os ajustes a que nos obriga invariavelmente a frustração, corremos o risco de nos manter para sempre na primeira infância, tal qual um bebê manhoso que funciona como o centro do mundo e se coloca em trono de ouro berrando sempre para ser atendido.
E aquela a quem perseguimos? Ah! A felicidade tão faceira e sorrateira...
Se pudermos ampliar o nosso conceito sobre ela, entenderemos que se nos tornarmos pessoas melhores, isto é, se formos capazes de tomar consciência de nossa pequenez no universo e que dentro desta pequenez podemos ser grandes, seremos realmente mais felizes. Entenderemos ainda que, o frágil sopro que nos mantém vivos desde o nascimento é o mesmo para qualquer outro ser que respira no planeta. Neste sentido, não há um ser vivente mais importante do que outro.
Como disse o poeta Túlio Borges, a experiência que o tempo nos proporciona através de seus ciclos (passado, presente e futuro) nos possibilita ter olhos para ver a “beleza já bonita que existe” nas coisas e na própria natureza.
Assim, será mais fácil viver, pois estaremos vivendo e aceitando a vida como ela é em seus altos e baixos e suas constantes e inexoráveis mudanças.
Resta ainda uma reflexão sobre quem irá nos ajudar a sair do buraco.
Certamente não será aquela, cujos cabelos esvoaçantes brilham ao luar, mas muito mais provavelmente o andarilho suado, que conhece a mata em que estamos como ninguém, e que, por havê-la palmilhado centenas de vezes conhece bem suas ciladas ocultas. Procure dentro de você o seu andarilho suado. Ele pode te ajudar mais do que uma promessa etérea de felicidade.
Lição que fica: idealizações fugazes não são capazes de sustentar e oferecer suporte para as adversidades da vida. Ter os pés firmemente plantados no chão e uma relação bem estabelecida com o real nos ajuda a viver melhor e ter uma vida mais saudável e feliz.