Garota Sombria Caminha Pela Noite (2014) é um filme baseado em um curta de terror, com roteiro e direção de Ana Lily Amirpour e vencedor do prêmio da Revelação Cartier no Festival de Deauville em 2014. Uma produção feita por imigrantes iranianos nos Estados Unidos que conta com um estilo mesclado entre o horror, a fantasia, o faroeste e o Noir. Noir esse que carrega consigo uma memória dos filmes policiais dos anos 40 e 50, em que o espectador se sente como um detetive desvendando o mistério junto com os personagens da trama. Com uma trilha sonora pautada no rock iraniano e no indie, a obra caminha em uma linha distante e mórbida, defendendo um discurso vampiresco e feminista nas telas em preto e branco.
É pertinente que, à luz dos recentes acontecimentos no Irã envolvendo a perda de direitos humanos, exista um filme que demonstra a força do feminino no país. Mais do que isso, usa a fantasia para discutir a metáfora entre ser uma mulher e ser vista como uma presa. Aqui, os papeis são invertidos e a mulher se torna predadora de homens, fazendo o espectador questionar seu próprio comportamento social.
A narrativa fala sobre a vida de Arash (Arash Marandi), um jovem com um pai doente e que precisa lidar com as ameaças constantes do traficante para quem deve dinheiro. Em paralelo, uma vampira, vivida pela atriz Sheila Vand, vaga pelas ruas desertas de uma metrópole à noite amedrontando suas vítimas masculinas (uma espécie de inversão nas supostas relações de poder entre os gêneros). Neste contexto, os dois se encontram na rua depois que Arash, sob o efeito de drogas e fantasiado de Drácula, voltava de uma festa. Ambos vão para a casa da moça e, lá, um interesse amoroso começa a florescer.
Uma trama simples e com personagens blasées, a figura mais substancial acaba por ser a própria cidade sem endereço. Muito similar ao texto de Win Wenders – A Paisagem Urbana, a cidade que fortifica a trama. A fictícia Bad City, na tradução literal “Cidade do Mal”, explicita um espaço urbano, sem uma localização precisa, rodeado de indústrias no horizonte, tráfico de drogas, prostituição e até mesmo um valão em que os corpos são depositados e ficam ali, expostos para os cidadãos (e nenhum deles se importa com este fato).
Com sua banalidade, expressa pelas ruas vazias a falta de comércio e os prédios e casas simplistas, a cidade dá o tom impessoal para abordar o tempo e o espaço em sua própria ausência. Trata-se de um local desolador e ameaçador, mas, ao mesmo tempo, anônimo, como a própria vampira sem nome. Vampira esta que é um ser onipresente na cidade, quase como um Deus, decidindo quem merece viver ou morrer.
Bad City acoberta os crimes da vampira, seduz para o vazio e influencia as ações de seus habitantes, que lutam pela sobrevivência em uma terra sem lei, o que fica evidente na cena em que uma prostituta exige seu pagamento e o rapaz a arrasta para fora do carro. Um faroeste comunal, sem grandes ligações pessoais e cada um por si, despertando o lado selvagem dos personagens, oprimindo-os neste paradoxo sutil de anonimato com comportamentos em ponto de ebulição. É o espelho e o reflexo de seus habitantes.
Garota Sombria Caminha pela Noite é uma obra que se distingue de um produto puramente comercial, pois o que se busca ter na imagem explica-se pelo que se deixa de fora. O filme aborda a fragilidade das relações sociais em uma singela fábula vampiresca, discutindo o atual com uma pitada do fantástico. Sua singularidade, como obra fílmica, habita na estranheza do comum.