As pessoas não só têm que ser felizes, como o culto moderno da felicidade é gerador de ainda mais infelicidade. Na sociedade ocidental contemporânea, começa a ser constrangedor não ter o que se designou por “pensamento positivo”. O antigo e mais simplificado otimismo, felizmente menos valorizado, deu lugar a um abusivo e quase obsceno culto no qual a realidade, essa coisa desde logo relativa, passa a ser um mundo normativo e falso.
Pode ser até traumatizante a socialização onde as pessoas, por toda a parte e por todos os meios, são incitadas a ser e parecer felizes. Os exemplos são vários e quase toda a gente já os terá sentido. Curioso é verificar as situações nas quais somos assaltados pela vontade (alheia) de pensar, e da forma e momento que os outros querem, por uma bela dose deste discurso enganador. Não estão em causa, como é evidente, as boas-intenções. Normalmente, é quando estamos doentes ou em sério risco de vermos as nossas expectativas (quaisquer que elas sejam) boicotadas, que estes “sermões” aparecem. Ou, então, que os notamos mais, pois podem ser até agressivos e atentatórios do nosso bem-estar e da nossa saúde mental.
Há uma reprovação moral por quem não pensa positivamente e, em muitos casos, quase que uma insinuação de inferioridade intelectual. Só isto confirma a estupidez de quem obriga os outros a serem felizes. Quando e da forma que os ditadores (no sentido que “ditam”) querem. Ninguém consegue estar no modo de “Euforia Perpétua”, título de um livro de Pascal Bruckner, no qual ele ridiculariza esse conceito.
De acordo com o psicanalista Lucas Nápoli, num artigo publicado no site “Psicologia em Humanês”, sobre a origem do pensamento positivo: “A crença de que pelo nosso mero pensar seremos capazes de fazer a realidade “conspirar” a nosso favor não é nova na história da humanidade. Outrora associada ao favor de deuses e outras entidades sobrenaturais, atualmente essa crença assume uma roupagem pseudocientífica em livros como ‘O Segredo’.”
Para estes gurus, todos nós temos a capacidade de alterar a realidade a nosso proveito, não raras vezes só com o “poder da mente”, sem termos que fazer nada. Até gente que se diz religiosa e que acredita na existência de Deus, entra nesse circuito raro de terem fé na fé.
Ao mesmo tempo, também existe a ideia generalizada de que as pessoas mais inteligentes sofrem mais do que as restantes. Todos sabemos que isso é mais um preconceito. Não é verdade. O que existe, quanto muito, é uma forma mais sofisticada de sofrer. Os inteligentes não são mais sofredores, apenas mais elaborados. Nessa circunstância, é natural que deixem mais “pistas” sobre o seu mal-estar. A exteriorização é mais visível. Não quer dizer, no entanto, que seja mais profunda.
Escrevo isto a pensar nos casos mais conhecidos de pessoas altamente depressivas ou com problemas psicológicos que já foram categorizados por todo o lado e que vão da esquizofrenia à bipolaridade. Os exemplos são famosíssimos e mais do que conhecidos, apesar de duvidosos. Muitas vezes, os diagnósticos aparecem desenquadrados, como que para legitimar situações de patologias mais “modernas” ou mais especificadas.
Por este andar, ainda iremos descobrir, na arqueologia psiquiátrica que agora parece estar na moda, que Jesus Cristo, para além de casado e com filhos, era um esquizofrénico digno da atenção de Jung. Ou Buda. Porque não?! Mais perto de nós e com mais probabilidade de esquizofrenia ou psicose induzida seriam para muitos os pastorinhos de Fátima. Para cada génio das artes ou profeta, há um estudo psiquiátrico. Mas a realidade do comum dos mortais não é a genialidade.
O que é comum, isso sim, é todos termos momentos complexos nas nossas vidas, como perdas, doenças, frustrações, angústias… E não são os manuais de autoajuda que nos resolvem as crises. Pelo menos, os best-sellers internacionais escritos por ex-drogados convertidos ao esoterismo. A esconder ou a negar a tristeza, a própria e/ou dos outros, é que ninguém pode ser feliz. O ciclo é depressivo: a tristeza conduz ao isolamento e este a uma tristeza ainda maior.
Por isso, sou apologista que as pessoas se queixem à vontade, que chorem em público e que não tenham medo de ser ou estar infelizes. As hipóteses de serem ou voltarem a ser felizes são, infinitamente, maiores. Ao expor-se, o indivíduo tem muito mais oportunidade de ser observado e, consequentemente, conduzido a sair desse estado. Ser infeliz faz também parte da liberdade de expressão. Rir em público é hoje em dia aceite por toda a gente. Porque é que chorar em público não? As crianças choram e nunca vi ninguém a olhar para elas como se fossem extraterrestres. Sim, estão em formação emocional. Mas a vida não é de todo linear e tudo o que se forma se pode deformar. Para além do mais, a palavra “felicidade” é também um excesso. Está para o bem-estar como a paixão para o amor. O contrário da tristeza, alguém disse, não será a felicidade, mas a ausência de inquietação.
Como em todas as áreas das ciências, há sempre estudos que contradizem outros estudos, filosofias que apagam as outras. Neste aspeto, só temos a ganhar com a contracorrente desta “ditadura do pensamento positivo”. É bom que cada um possa escolher o caminho que mais se adapta à sua maneira de vivenciar as contrariedades da vida, sem complexos. O psiquiatra Jonathan M. Adler, da afirmou num artigo à revista “Scientific American”: “nos últimos anos tenho notado um aumento no número de pessoas que também se sentem culpadas ou envergonhadas com o que eles consideram ser negatividade. Tais reações, sem dúvida, resultam do viés dominante de nossa cultura para o pensamento positivo. Embora as emoções positivas sejam vale a pena cultivar, os problemas surgem quando as pessoas começam a acreditar que devem ser otimistas o tempo todo.”
Todas as injeções de euforia (e são cada vez mais e variadas) causam sentimentos de desenquadramento por quem não as consegue acompanhar. Para alguns monges budistas, existe até uma forma bastante inteligente de saber viver. Consiste no treino da tristeza, estar triste por exercício psicológico. No fundo, é como treinar os amortecedores para um embate que, a existir, será menos forte.