Filipa  Guimarães
Colabora no Meer desde dezembro de 2023
Filipa Guimarães

Sinto-me jornalista desde os 10 anos, quando em Portugal, morreu o nosso primeiro-ministro, vítima de acidente de aviação. Na altura, diziam ter havido uma “sabotagem” ao avião. Como não sabia o que isso era e as imagens me chocaram profundamente, achei que tinha a obrigação de explicar ao mundo qual o motivo de tão drástico acidente. Escrevi, então, a primeira notícia. Com o tempo, fui percebendo que a razão que me movia era a curiosidade. Na escola, tudo era previsto e explicado, mas fora dela, era tudo bem mais complexo. Não me enganei: a realidade supera a ficção.

A verdade é um fim que devemos querer atingir ou pelos menos tentar. Depois de ter escrito em jornais em revistas, trabalhado em ficção, interessam-me agora outras formas de chegar às pessoas, cada vez mais on-line e com menos tempo para ler. Há quem ache que a palavra escrita tem os seus dias contados mas eu não acredito. Pelo contrário, existe pela frente o desafio gigante de as saber usar. Muitas são completamente maltratadas, outras esquecidas. Se os professores e escritores e jornalistas servem para muita coisa, também servem para as tratar bem. Elas ficam dentro de nós, de uma forma ou de outra. São muitas as vezes em que as procuro para me ajudarem a esclarecer dúvidas, compreender o mundo e a mim mesma.

Tive a sorte de crescer no Porto, em frente ao mar. Ainda hoje, não consigo ficar muito tempo sem o ver. Ele trouxe-me horizonte e uma espécie de capacidade de contemplar as coisas demoradamente. O mar moldou a minha sensibilidade. Porém, foi em Lisboa, e acompanhada pela luz mais bonita que já vi, que me realizei profissionalmente. Primeiro num jornal vespertino, depois na televisão. Depois de uma breve passagem pelo guionismo e pela fiçcão, comecei a escrever crónicas em revistas. Dar opinião parece coisa fácil, mas enganarmo-nos sobre o que achamos que pensamos ainda é muito mais. Muitas vezes, o tempo não nos deixa sequer dormir sobre os assuntos. É preciso ter ponderação, mesmo quando queremos tomar posições radicais. Até porque é para os outros que um jornalista escreve, nunca para si próprio.

Se eu tivesse que ler tudo o que escrevi e pensei (às vezes, confesso que o faço), acho que tenho várias pessoas dentro de mim. Existe uma Filipa rigorosa e até chata, outra mais solta e divertida. A escrita e a leitura têm o grande poder de revelar o fundo de nós mesmos. Quem nunca leu Milan Kundera ou Gabriel García Marquéz ficará aquém da vida. Quem nunca se entristeceu ou alegrou com uma carta ou poema, é um ser humano incompleto. A música, nesse aspecto, é muito parecida com a palavra, pois fazem-nos viver em mundos e realidades que, sozinhos, nunca conseguiríamos conhecer ou conceber.

Há um lado algo trágico na finitude do tempo. Nunca na história da humanidade tivemos acesso a tanta informação sobre tanta coisa. O grande desafio é, por isso, saber escolher. Com a idade, comecei a interessar-me mais sobre reportagens sobre a sociedade e a cultura actuais do que sobre a política. É triste assistir à falta de ideologia e à crise da democracia. Nunca imaginei voltar a ver uma Guerra na Europa e ela aí está, sem tempo de acabar. Parece que o mundo anda para a frente e para trás. O futuro parece assustador e só dizê-lo não chega. Talvez a palavra volte a reganhar importância, num mundo em que toda a gente fala mas ninguém se ouve.

Artigos por Filipa Guimarães

Subscribe
Get updates on the Meer