Uma certa vez, quando criança, eu estava observando um parente selecionar músicas de sua coleção de CDs para tocar em sua festa de aniversário. Em determinado momento, ele ficou em dúvida entre tocar a versão de estúdio ou ao vivo de "Bola de Sabão", do Babado Novo. Eu, particularmente, preferia a versão de estúdio, mas ele acabou escolhendo a versão ao vivo por considerá-la mais empolgante.
No mercado internacional, álbuns ao vivo geralmente são registros da última turnê realizada por um artista, quase sempre com seu repertório baseado em seu último álbum em estúdio. Nomes como Ariana Grande, Madonna, Coldplay, Pink Floyd, Roxette, Céline Dion e Usher já fizeram isso. Mas, é importante ressaltar que esses lançamentos costumam ter menos divulgação do que os discos de estúdio.
No Brasil, esse investimento ocorre de forma diferente. Os lançamentos ao vivo têm uma importância tão grande quanto o formato em estúdio e habitualmente servem como elemento central em uma fase da carreira de um artista. Esse tipo de álbum está presente na cena musical nacional desde os anos 60, sendo adotado por nomes como Maria Bethânia e Vinícius de Moraes. Contudo, foi nos anos 90 que esse formato se tornou mais costumeiro, com artistas dos mais variados gêneros recorrendo a esse formato como forma de revitalizar seu catálogo e ampliar seu alcance a novos públicos.
Um dos grandes exemplos dessa prática é o grupo de axé Terrasamba, que saltaram das 100 mil cópias de seu terceiro disco de estúdio para 2 milhões de cópias com o disco “Ao Vivo e a Cores”. No mesmo embalo, Sandy e Junior lançaram “Era Uma Vez - Ao Vivo”, responsável por fazer a transição da dupla de artistas infantis para ídolos pop, fazendo com que alcançassem pela primeira vez a marca de 1 milhão de cópias vendidas.
A popularização do formato serviu como resposta à crescente pirataria, como uma solução mais ágil e econômica para as gravadoras que pouco a pouco eram abaladas pela queda das vendas de CDs. Enquanto um projeto de estúdio poderia levar meses ou até anos até passar por etapas como a seleção de repertório, produção de arranjos, gravação de vocais e mixagem, os registros de shows conseguiam até mesmo servir de tapa buraco em casos de insuficiência de um bom repertório.
Em uma matéria para o jornal O Globo, em 6 de outubro de 1997, o diretor artístico da EMI Music, João Augusto, revelou que, sempre que comparecia a algum show importante de um dos contratados da empresa costumava levar um caminhão-estúdio para gravar o áudio do espetáculo, assim não perdia a grande oportunidade de lançar um registro que tivesse potencial de venda.
Inicialmente, o ao vivo funcionou como uma espécie de coletânea, permitindo que o público pudesse adquirir um produto com a certeza de que os maiores hits do artista em questão estariam ali, ao mesmo tempo em que o artista poderia revisitar o seu catálogo apresentando versões com arranjos diferenciados e até com vocais mais maduros, como no caso de Sandy e Junior. Porém, nos anos 2000 isso começou a mudar de figura.
Especialmente no cenário sertanejo, as gravadoras passaram a apostar em lançamentos ao vivo como um passaporte para emplacar nacionalmente nomes como Luan Santana, Gusttavo Lima, Maria Cecília e Rodolfo e entre outros, utilizando o impacto visual de seus DVDs para mostrar o que há de mais interessante no artista. Hoje, as gravadoras gastam milhões em shows feitos especificamente para a gravação do álbum, investindo em uma estrutura com cenários grandiosos, luzes, pirotecnia e entre outros detalhes que não são vistos nem mesmo nas habituais apresentações que os artistas fazem pelo Brasil.
O lançamento de um material ao vivo está diretamente ligado à validação do sucesso de um intérprete, já que a participação ativa do público durante a gravação mostra que o artista ou banda possui músicas que estão na ponta da língua e impactam o público. E claro, é uma plataforma para mostrar o potencial que o artista possui para levar um número considerável de pessoas a assistir às suas apresentações, o que por consequência influencia na contratação de shows.
No entanto, há artistas que recorrem a alguns truques para reproduzir as típicas versões ao vivo, enviando guias de músicas inéditas para que seus fã-clubes decorem as letras e cantem a plenos pulmões no dia da gravação, ou até mesmo, contratando um coro que simula uma plateia com direito a gritos com o nome do artista. Acredito que essa prática foge do que deveria ser considerado um ao vivo, mas que ainda consegue provocar o efeito manada. Afinal de contas, o que se subentende é que se existe uma multidão cantando aquilo, é porque é legal.
Todo mundo sai ganhando com o ao vivo. Artistas como Ney Matogrosso, Maria Bethânia e Jorge Aragão já falaram com muito gosto sobre a experiência de registrar seus shows e de como esse tipo de projeto consegue captar a essência do intérprete. O público também se sente de alguma forma mais próximo do artista, e claro, as gravadoras continuam a encher seus cofres.