Me identifiquei vivenciando uma fase distraída, ansiosa, desatenta. Dificuldade de parar para ler livros inteiros ou textos longos, até mesmo vídeos de mais de 5 minutos, se não eu não assistí-los na velocidade x2, eu perco o foco facilmente. Apesar de ter dificuldade de me concentrar por muito tempo, posso passar horas nas redes sociais e nem ver o tempo passar. O que está acontecendo com meu cérebro nesses momentos que ele está divagando por aí? Será que estou aprendendo alguma coisa? Como essas notícias e imagens que vejo têm influenciado quem eu sou e meus desejos? E quem sou eu no meio de tantas informações que vejo e estímulos que recebo? Por que eu quero que tudo seja tão rápido e por que tudo me parece tão lento? Dentre tantas perguntas, com certeza ainda não encontrei a resposta para todas, mas li um livro que me ajudou a entender de forma individual e sistêmica, o que está acontecendo com a nossa atenção. Quando falo “nossa”, me refiro a nós seres humanos digitais, tecnológicos e no possível caminho para o transhumanismo ou ciborgues. O nome do livro é “O Foco Roubado” de Johann Hari, escreve bem o cara, recomendo.
Primeiramente, lendo o livro de Hari, me senti alertada sobre o vício em ficar checando telas e redes sociais o tempo todo. Ele traz, a partir de entrevistas que fez com pesquisadores, dados bastante relevantes e assustadores. Por exemplo, uma pesquisa feita em uma universidade norte-americana revelou que o tempo médio que um estudante fica focado em algo é apenas 19 segundos e que, em média, a cada 65 segundos, ele muda a tarefa que está realizando. Hari revela também sobre outro estudo que constata que um adulto que trabalha em escritório permanece apenas 3 minutos em média em uma mesma tarefa. Esses dados já revelam informações preocupantes sobre o nível de atenção das pessoas hoje em dia.
Além disso, Hari fala sobre um estudo que revelou sobre o tempo médio em que as pessoas falam sobre um assunto específico no Twitter. Ele descreve: “Eles constataram que, em 2013,um tópico ficava na lista dos cinquenta assuntos mais discutidos por 17,5 horas. Por volta de 2016, a média caiu para 11,9 horas. Isso sugeriu que todos nós, neste site, estávamos focando em qualquer coisa por um tempo cada vez mais curto.”. Além disso, ele conta que esse mesmo estudo analisou o tempo que os tópicos apareciam em livros desde 1880 até hoje, por meio do google books, e que chegou a conclusão de que estamos diminuindo rapidamente o tempo em que falamos sobre os assuntos. Sobre essa conclusão, Hari diz em seu livro “Foi a primeira prova obtida no mundo de que o espectro de nossa atenção coletiva vem encolhendo”.
Essas informações me trouxeram explicações sobre o porquê que me sinto tão viciada em receber novas informações. O motivo é que muito rapidamente novas informações surgem para serem consumidas e se a gente não checar o celular nós realmente iremos deixá-las passarem. Com isso, me sinto constantemente sentindo FOMO, “Fear of Missing Out”, termo criado pelo norte-americano McGinnis para expressar nosso medo de perder acontecimentos no mundo digital. Não é só um medo, pois eu realmente perco informações se não estou online nas redes sociais consumindo notícias e vendo o que está se passando na vida das pessoas. Me vejo checando meu celular centenas de vezes ao dia, inclusive porque trabalho online, e recebendo uma enxurrada de informações que eu nem estava buscando e muitas vezes tampouco precisava saber. Inclusive Hari em seu livro nos relata sobre mais um estudo que revelou que em média nós tocamos em nossos celulares 2617 vezes a cada 24 horas. Bastante, né?
Hari conta sobre um estudo feito pelo professor Michael Posner da Universidade de Oregon que diz que levamos 23 minutos para conseguir focar novamente em uma função depois de nos distrairmos dela. Eu raramente passo 23 minutos em uma única função, quem dirá mais 23 minutos para voltar a focar nela depois de me distrair. Claro que existem níveis de concentração em uma única tarefa que impactam nossa produtividade nela. Então realizo um trabalho durante 23 minutos mas provavelmente irei me distrair com algo durante esse período. É o caso enquanto escrevo esse texto, por exemplo.
Mas enfim, voltando às perguntas do início do texto, minha reflexão é sobre a autonomia que tenho dentro do mundo digital para escolher onde coloco minha atenção e como isso influencia em quem eu sou no mundo e o que eu aprendo. Sabemos que as informações que aparecem em nossas redes sociais são programadas a partir de algoritmos que nos alimentam o vício em ficar lá, online, além de ficarmos polarizados em opiniões políticas e visões de mundo, pois eles estão constantemente nos ofertando informações de uma única bolha, alimentando nosso viés de confirmação e afinidade.
O mundo se torna muito limitado nas redes sociais, com pouco diálogo para construção de um pensamento crítico que integre as polaridades e a diversidade. Falamos com quem pensa como nós e por isso sempre acharemos que estamos certos. Veja o documentário O Dilema das Redes para entender melhor esse fenômeno coletivo. O título dele já diz sobre essa encruzilhada que estou enquanto ser digitalizada, que trabalha e se relaciona nas redes sociais e que sofre com o grande poder dominador que essas grandes empresas criadoras de algoritmos têm em cima da minha atenção e meu foco. Apesar da internet ter sido maravilhosa para nosso desenvolvimento enquanto sociedade em diversos aspectos, ela tem sido controversa para mim.
Difícil chegar a respostas para essas questões que levanto pois entendo que são longos processos tanto individuais meus quanto sistêmicos. Tampouco quero chegar a uma “lista de 10 formas de focar nas suas tarefas e parar de se distrair com coisas inúteis” porque isso seria uma falácia, não tenho essa lista. Por outro lado, o que tenho percebido sobre a minha atenção é que eu consigo sustentá-la, com esforço, quando me vejo aprendendo algo e me desenvolvendo. Algo que eu goste, não que me mandaram fazer. Algo que nutre a minha essência. É o meu caso na minha relação com o trompete. Comecei a aprender esse instrumento do zero faz um pouco mais de dois anos. Para isso, tive que aprender sobre teoria musical que eu não tinha nenhuma noção e acolher o som que saía no começo que parecia de um rinoceronte em sofrimento.
Acho que a passividade que as redes sociais e mídias muitas vezes nos colocam alimentam a dispersão, então o esforço de acostumar o cérebro a prestar atenção e ser mais paciente para adquirir aprendizagem é um caminho importante para conseguir nadar contra essa corrente de eterno telespectador. Além disso, entendo que não pode ser apenas responsabilidade do indivíduo, pois os dados de Hari nos mostraram o quanto somos vítimas de impactos de estruturas construídas pelo avanço da tecnologia da informação e comunicação. É necessário um movimento de regulamentação da influência de grandes corporações sobre nosso cérebro e de políticas públicas voltadas à educação digital para que a gente seja cada vez mais protagonista e consciente da escolha de onde está nossa atenção.