Esgotam-se, dia após dia, as ideias, as estéticas e a genialidade. Não por falta de capacidade. Vivemos na era da informação e da desinformação, infelizmente não conseguimos processá-las porque a oferta destes produtos é maior que a demanda. Vejo, leio e absorvo mais do que aquilo que gostaria. Perdemos o controle da informação, é como se estivéssemos a comer mais do que aquilo que aguentamos e ao fim sentimo-nos estufados e mal dispostos. Não é oferecido tempo para elaborar absolutamente nada, ademais todos sabem tudo sobre qualquer assunto a todo o tempo.
Temos o hábito de enaltecer o passado. Olhamos de forma nostálgica e orgulhosa para tudo o que foi criado, o que dá-nos a impressão de que nada do que se cria consegue superar o que já foi consagrado. A ideia de deixar de desenvolver a criatividade, como um meio para um objeto artístico, vem se perdendo há muito, apesar de ser algo atual. É melhor observar o passado e reinventá-lo do que observar o futuro e traçar um rumo diferente do que aquele que todos depreendem. Aliás, a criatividade é um tema explorado desde Aristóteles e torna-se cada vez mais vanguardista. É fácil discordar desta ideia. Não é que não exista criatividade atualmente, mas é evidente a carestia de cultivá-la desde o estado embrionário de um pensamento.
Criar algo do zero pode ser uma ideia impossível, mas submeto esse fator como uma possível resposta à carência de novos Einstein’s, ou seja, à falta de novos génios. É provável, conjuntamente com a questão anterior, que atualmente já não existam necessidades e emergências exorbitantes que procuram por soluções como antigamente. Também não acredito que a IA seja a chave de tudo o que não conseguimos resolver. Pelo contrário, por esse caminho acabaremos por perder a capacidade de concretizar o que quer que seja que cause dificuldade e exija pensar demasiado numa solução. Um desalmar humano. Não é tecnofobia, é a desistência de uma habilidade natural.
A ideia de reciclagem está em voga em vários âmbitos, não é uma ideia nova. Zygmunt Bauman, em sua obra “Retropia”, apresenta-nos uma ideia de defesa através da nostalgia: estagnar e encontrar no retrocesso temporal uma solução, forte tendência na década de 90. Parece um ideal conservador, mas podemos ampliar esta observação. A “retropia”, pode enquadrar-se no processo de inovação de ideias, por exemplo: ENIAC, o primeiro computador criado no mundo por John Mauchly e John Eckert, em 1946, serviu de modelo para os seus sucessores Lisa (1983) e Macintosh (1984), modelos completamente diferentes do computador pioneiro. Um feito antigo que inspirou e fomentou a tecnologia futura.
Desenvolver novas ideias parte, na maioria das vezes, de criações já existentes. Como diria Platão: “As coisas mudam, mas seus modelos são eternos”. Mas, repito a citação “as coisas mudam”, não dá para confiar todas as soluções ao passado com medo de riscos futuros.
A criatividade tem um processo que não parte apenas de uma ideia, mas de várias. Adentrando este pressuposto, todos conseguiriam criar algo. O fato é que essas ideias não têm de ser necessariamente novas, podem ser ditas de outra forma ou serem repensadas para novas conclusões.
Imagino a criatividade e a reflexão de mãos dadas. Na filosofia, a reflexão é a forma como debatemos determinada ideia, dentro da nossa própria mente. Seria como esmiuçar o pensamento. A criatividade é uma espécie de busca por uma solução, essa jornada mental daria o resultado de algo que se pensou sobre uma conclusão. Neste caso, é possível considerar-se que a criatividade seja uma consequência da reflexão. Um indivíduo criativo de alguma forma é uma pessoa que pensa com constância, não necessariamente a nível intelectual, mas para aquilo que tem interesse. Por isso, podemos encontrar e desenvolver a criatividade em qualquer área, não é algo inerente ao campo intelectual.
Após todas estas conclusões encontramos várias problemáticas que podem influenciar a nossa ideia de criatividade: a absorção e a credibilidade que damos a qualquer informação, a tendência à confiança na tecnologia como um meio omnipotente e a incredulidade na nossa capacidade de fazer algo inovador, de forma individual, porque acreditamos que outro indivíduo crie algo extraordinário, mas não é sempre que acreditamos na nossa própria capacidade. A criatividade é algo abstrato que resulta em algo concreto, isso abre o leque a vários outros motivos que repercutem diretamente nas nossas conclusões.
O paradoxo de partir de influencias passadas e começar a pensar em ideias de um quadro em branco é proposital. Se está tudo criado quer dizer que tudo está dito? Não. Está tudo criado apenas porque não foi criado nada novo. E ainda que tudo estivesse criado haveria algo a dizer.