Eles estão por volta dos trinta anos. Ele é profissional liberal bem-sucedido, preocupado com a aparência, mora sozinho. Ela é funcionária pública federal com alto salário. Muito bonita, mora com os pais. Estão juntos há seis anos, mas ele não quer casar. A justificativa dele é "preciso de liberdade". Ele exige que ela se apresente sempre impecável, que tenha um bom carro, que se exercite, que mantenha o peso. Controla o tempo todo o que ela come. Viajam muito e sempre dividem todas as contas. Ela cuida da casa dele, desde a decoração até as contas, lavanderia, supermercado, empresta seu carro quando o dele vai para a oficina. Ele sai semanalmente sozinho para encontrar os amigos e as amigas. Muitas vezes ela o leva e busca nesses encontros. Quando ele chega em casa e não a encontra, liga reclamando que não tem nada para comer. Certa noite, ao sair da casa dele às duas da madrugada, teve um pneu furado e a roda do carro quebrada, em uma rua escura e perigosa. Teve de resolver o problema com o porteiro de um prédio. Não pode ligar para o namorado, porque ele sempre avisa quando ela sai da sua casa "não me ligue quando chegar em casa, porque já vou estar dormindo". Devastada, chega ao analista.
Cresce o número de pessoas solteiras que moram sozinhas e de mulheres que não querem mais ser mães. E qual é o novo fetiche dessas mulheres? A carreira? O próprio corpo perfeito? A independência financeira? Uma das afirmações psicanalíticas é que o homem chega ao amor através do sexo, e a mulher chega ao sexo através do amor. Como fica isso hoje? Na atualidade, uma das dimensões do masculino está atrofiada: o cavalheirismo. As mulheres se ressentem, por outro lado, estão bem mais ativas e arrojadas quanto à abordagem sexual dispensando a corte masculina e até a dimensão do amor na relação.
O que seria então uma ameaça na nossa forma de se relacionar atualmente? As diferenças entre as pessoas também podem ser vistas como ameaças para as relações e parece que as pessoas tendem a buscar objetos amorosos perfeitos, na busca da completude narcísica. O desejo de que um outro, com os mesmos desejos, venha resgatar para sempre da condição da falta, da incompletude que nos constitui. Contudo, a realidade revela que o outro é diferente e também incompleto e imperfeito. A falta, a perda, só podem ser elaboradas quando se fica com algo de quem se perdeu, com as identificações. Ou então, os sujeitos se põem a buscar um novo objeto a cada frustração, na esperança de encontrar “a pessoa certa”.
A realidade inclui a possibilidade da perda, da separação, saber que não se têm garantias, desfazer de ilusões. Segundo a psicanálise, é assim que se configura a única possibilidade de constituir-se como sujeito e é nessa condição que o sujeito se mantém desejante.
Para finalizar, pensamos que houveram de fato mudanças radicais da era vitoriana aos dias atuais, que afetaram principalmente as relações amorosas. Entretanto, permanece o desejo de fazer vínculos, a tentativa de sair da solidão e, cada um, à sua maneira, tenta iludir o desamparo e a incompletude, pois o amor, afinal, é ainda o que consegue fazer laço entre o real e o simbólico.
Nosso passado não é estático, ele é constantemente construído, é um mix no nosso tempo, vamos viver o presente nos relacionando com esse passado e em busca de um futuro mais saudável. O amor é uma fantasia e isso não corresponde em ele ser uma mentira, a fantasia para psicanálise não é uma mentira e sim uma condição da realidade, a nossa realidade psíquica. Vamos amar?