O mais recente filme de Woody Allen “Coup de Chance” ou “Golpe de Sorte”, em português, é uma pérola cinematográfica, cujo charme e qualidade reside na simplicidade da história, em contraponto à sofisticação da maneira como é contada. É um filme sobretudo elegante, contido no estilo que passeia suavemente entre o drama, a comédia e o thriller de suspense.
Woody Allen nos leva a Paris mais uma vez, uma cidade de sonho, mas um pouco diferente daquela Paris boêmia e noturna de “Meia Noite em Paris”. “Golpe de Sorte” desenrola-se numa Paris dourada pela luz de outono. Diferente de seu primeiro filme parisiense, este é uma clara homenagem ao Cinema Francês, no melhor estilo dos filmes de François Truffaut das décadas de 60 e 70. A própria protagonista do filme, Fanny Moreau, tem seu nome composto por duas grandes atrizes francesas, musas de Truffaut: Jeanne Moreau de “Jules e Jim” e Fanny Ardant de “La femme d´à côté” (A mulher do lado) e “Vivement dimanche” (De Repente num Domingo).
Apesar de ser escrito por Allen, “Golpe de Sorte” é inteiramente falado em francês, com um elenco cem por cento francês. Soa estranho? A princípio sim, mas ao fim da primeira cena já estamos mergulhados na história, e o idioma pouco importa. Acho até que confere ao filme um charme especial.
Talvez não haja nenhum cineasta que consiga gerar essa empatia tão forte e tão agridoce quanto o Woody Allen. “Golpe de Sorte” é de uma simplicidade deliciosa, em que até a morte é um assunto corriqueiro. São os temas habituais da obra de Woody Allen: vida e morte, paixão e sentido da vida que se cruzam, e são tão banais quanto comer um sanduíche no banco da praça...de Paris.
Ah! Paris! É quase um personagem da história, lindamente bem captada pelas lentes do fotógrafo Vittorio Storaro, na sua 5ª parceria com Allen. Storaro é simplesmente o fotógrafo de filmes como “Apocalipse Now”, “O Último Imperador” e “Reds”, que lhe valeram seus 3 Óscares da carreira. A fotografia já valeria o ingresso. É uma aula de como aproveitar a luz para adicionar uma camada mágica à realidade captada, e como, de uma forma quase impercetível, pintar a história com tintas de humor, drama, paixão. Os encontros dos amantes são quentes, dourados, as cenas do casal são menos saturadas, em tons escuros e frios. Vemos aqui um mestre em ação.
Na obra de Allen, “Golpe de Sorte” talvez esteja bem mais próximo a outro filme europeu de sua autoria, “Match Point”, onde o protagonista se envolve numa trama de ascensão social, adultério e assassinato, passada em Londres, e onde também a sorte é um tempero especial. Este filme é mais carregado em drama e suspense do que “Golpe de Sorte”, e é um dos preferidos do próprio Woody Allen.
Para a nossa sorte, Woody Allen, aos 88 anos está em plena forma como criador e diretor de cinema. Em seu 50º longa-metragem, ele conta uma história sem firulas ou excessos. Não há sequências demasiadamente longas ou curtas, não há movimentos de câmera espetaculares, edições frenéticas ou efeitos visuais. Não há nada a provar para este “jovem” diretor. Aqui, menos é mais, e Allen guardou toda a sua energia e foco para a direção dos atores.
Imaginem dirigir um filme num idioma que não domina e tirar o máximo de seus atores. O elenco se sobressai, e nota-se perfeitamente a mão do diretor. Como em muitos dos filmes de Allen, a palavra se sobrepõe à ação, às vezes com diálogos cômicos e dramáticos na mesma cena, com citações literárias, indagações filosóficas, mas algo totalmente esperado em seus filmes. Destaco a atuação da Lou de Laâge, “a esposa”, que ilumina a tela com seu charme e beleza, o Melvil Poupaud, como o Jean Fournier, “o marido”, um personagem misterioso e encantador, um vilão muito longe de estereótipos, carregado de um humor quase psicótico, e a Valérie Lemercier, “a mãe”, que inocentemente conduz a história a seu desfecho.
Só há um ponto a destacar negativamente em “Golpe de Sorte”. É um filme curto de 1h33. Não que falte tempo para elaborar melhor a história ou seus personagens. Nesse ponto, a duração é perfeita. A pena é que acaba rápido, e eu gostaria de passar mais tempo com aqueles personagens, curtindo aquele ambiente, suas histórias, embaladas pelas melodias de jazz, marca registrada de Woody Allen em seus filmes.
Assistir a um Woody Allen, em forma, isto sim é um golpe de sorte para sua plateia. É pena que ele seja hoje um artista com dificuldade de financiar seus filmes, porque a cada ano e filme que passa, ele está cada vez melhor. Ele construiu uma carreira como realizador, como poucos, com independência de temas, histórias, uma independência criativa que nos presenteia com obras que vão na contramão da indústria, mas que nos fazem pensar, rir e nos dão momentos de puro encanto. Já estou ansioso pelo seu próximo filme.