Caros leitores, antes de justificar as razões pelas quais a Europa pode ser considerada uma ficção, convém tentar definir o que é na realidade este continente a que chamamos Europa. Coube aos gregos inventar a palavra “Europa”. Esta era uma massa continental, o “Ocidente”, que ficava a Oeste da Grécia, uma das três grandes massas continentais que constituíam o Mundo e que se opunha à Ásia e à Líbia (África). A Europa era na realidade uma abstração grega e os outros povos que com eles compartilhavam o espaço “europeu” desconheciam tal conceito.
Em termos geográficos, a Europa pode ser considerada não mais que um prolongamento da Ásia, penso que é algo que todos tenderemos a aceitar. Mas porque é que podemos, eventualmente, afirmar que a Europa é uma ficção? É certo que é constituída por diversos povos - com maneiras de ser, estar e pensar diferentes - no entanto surge aqui uma nova questão. Não serão todos esses povos herdeiros de uma mesma cultura (greco-latina) e de uma mesma religião (cristianismo)?
Os fatores de unidade dos povos do velho continente são visíveis, no entanto, não são suficientemente fortes para fazer deste continente uma força ativa e influente no Mundo. A Europa está em permanente transformação, sempre esteve, mas devido às diferenças existentes nos diversos povos, e que foram forjadas por séculos de guerras, não se pode dizer que ela (Europa) seja, de facto, uma realidade.
Apesar de os países membros da União Europeia terem diversas políticas comuns, não é certo que se possam apresentar através de uma única identidade. A Europa é uma amálgama de diversos povos que dificilmente encontrarão um caminho conjunto que possa levar, por exemplo, à criação de uns Estados Unidos da Europa. Associada a esta circunstância existe ainda o facto da União Europeia não ser constituída por todos os Estados que fazem parte da Europa.
A crise atual faz com que se desenhe, uma vez mais, uma nova Europa: no Norte, as ricas regiões industriais aliadas aos países do arco alpino; no Sul, uma confederação mediterrânica de mais de 100 milhões de habitantes. A Alemanha, principal herdeira do Sacro Império Romano-Germânico, é o expoente máximo de uma Europa a duas velocidades. Apenas aproximadamente 25% dos alemães é que ainda tem confiança nas instituições que governam e norteiam a Europa. Talvez seja possível afirmar que as feridas provocadas pelas duas Guerras Mundiais e a ameaça do espectro do nacionalismo é que ainda mantêm a União Europeia viva. Os diversos diferendos acerca dos recursos financeiros provenientes dos Estados europeus e a forma como os mesmos são utilizados e administrados pelos Estados que mais têm beneficiado das políticas económico-financeiras europeias é, sem dúvida, preferível à guerra.
Esta crise, a crise do Euro (moeda única), é também uma crise entre a Europa do Sul e a Europa do Norte. Enquanto em Portugal, Grécia e Espanha os cidadãos protestam contra a ausência de perspetivas de futuro, os finlandeses e os alemães vão demonstrando que não querem dar mais dinheiro aos países sobre endividados do Sul. Por isso, a crise do Euro não é apenas uma questão de dívida pública, mas revela um cisma entre a Europa do Sul e a Europa do Norte. Numa altura em que a guerra na Ucrânia coloca em perspetiva uma União Europeia (eventualmente uma NATO) até às fronteiras da Rússia, passaremos a ter claramente uma Europa tripartida e a três velocidades. Como será esta Europa? Fica a questão em aberto, caro leitor.
E se os Estados-membros da União Europeia têm muitas instituições comuns, nas quais delegam alguns dos seus poderes e soberania, como são os casos da Comissão Europeia, Política Externa e de Segurança Comum (PESC), Tribunal Europeu de Justiça, Banco Central Europeu, entre outros, a realidade é que a Europa não apresenta uma Constituição, Governo, Ministério dos Negócios Estrangeiros ou até mesmo uma política fiscal únicas.
Já não estamos perante uma Europa fragmentada e composta por inúmeras fragilidades, como se verificou após ambas as Guerras Mundiais, contudo não podemos afirmar, tal como Winston Churchill pretendia, que existe ou que existirá a criação de uma “espécie de Estados Unidos da Europa”. A perda da soberania de um Estado, subjacente à criação de uns Estados Unidos da Europa, é um assunto muito melindroso e que ainda faz com que a Europa seja, de facto, uma ficção.