Santiago foi a primeira ilha a que chegaram os navegadores a serviço de El Rei de Portugal, e nela instalaram a cidade de Ribeira Grande, a mais antiga da costa Ocidental africana, hoje conhecida por Cidade Velha, património cultural da humanidade.

Foi pensando nela que António Nunes nos ofereceu um dos mais belos poemas do nosso cancioneiro nacional cabo-vrdiano:

– Mamãi!
sonho que, um dia,
estas leiras de terra que se estendem,
quer sejam Mato Engenho, Dacabalaio ou Santana,
filhas do nosso esforço, frutos do nosso suor,
serão nossas.

E, então,
o barulho das máquinas cortando,
águas correndo por levadas enormes,
plantas a apontar,
trapiches pilando
cheiro de melaço estonteando, quente,
revigorando os sonhos e remoçando as ânsias
novas seivas brotarão da terra dura e seca,
vivificando os sonhos, vivificando as ânsias, vivificando a Vida!...

Cumpriram-se os versos premonitórios. Hoje Cabo Verde é um país independente e Praia, a sua orgulhosa capital.

É nesta ilha de Santiago, sem limites e sem fronteiras, que convergem os povos das demais ilhas, os emigrantes africanos e os expatriados dos quatro cantos do planeta.

Praia, a capital que cresceu desordenadamente por bairros clandestinos e pomposas zonas residenciais, humaniza-se e embeleza-se. Hoje, ela é palco central da política e da economia do país.

E para nós, os habitantes da cidade, que já levamos mais tempo de Praia do que nas nossas ilhas de origem, é curioso notar como da desordem que sucedeu à estagnada ordem inicial, uma nova ordem se está construindo mais aberta, mais humana e mais equitável.

Praia, cidade de todos, está se tornando cidade para todos.

Mas Santiago não é só Praia. Ela se estende, como disse o poeta, de Mato Engenho a Santana; estende-se pelo planalto interior e demanda Santa Catarina das revoltas de Rubon Manel; sobe pela Serra da Malagueta para se espraiar pelo Tarrafal de memórias de resistência; desce para a Cidade Velha, relembrando o vergonhoso tráfico de homens de mulheres escravizados; e sobe pelo vale verdejante de São Jorge dos Órgãos, lembrando coloridas festas religiosas e o encanto dos anos de chuvas abundantes que alimentam inúmeros riachos e cachoeiras oferecendo aos olhos extasiados dos passantes o mais belo espetáculo da natureza.

Esta é a Santiago em que vivemos. Uma ilha que guarda em si a memória de quando o primeiro navegador, descendo do seu escaler, pisou terra firme e se projeta desassombradamente para um terceiro milénio feito de barragens e correção torrencial, de PDM's e Casas Para Todos, de energias renováveis e programas “mundu novu”.

E nos ares sempre o som do batuque, tabanca e funaná hoje acompanhados da morna e coladeira, os afro-djazzs e todos os sons que a modernidade e a abertura nos vêm oferecendo.

À sombra de uma mangueira e ao som de uma ribeira de águas límpidas, aqui construí a minha casa transitiva.

E foi dedicado a esta ilha que o imortal poeta cabo-verdiano Jorge Barbosa escreveu estes versos lapidares, que me acompanham sempre:

Prelúdio

Quando o descobridor chegou à primeira ilha
nem homens nus
nem mulheres nuas
espreitando
inocentes e medrosos
detrás da vegetação.

Nem setas venenosas vindas no ar
nem gritos de alarme e de guerra
ecoando pelos montes.

Havia somente
as aves de rapina
de garras afiadas
as aves marítimas
de vôo largo
as aves canoras
assobiando inéditas melodias.

E a vegetação
cujas sementes vieram presas
nas asas dos pássaros
ao serem arrastadas para cá
pela fúria dos temporais.

Quando o descobridor chegou
e saltou da proa do escaler varado na praia
enterrando
o pé direito na areia molhada
e se persignou
receoso ainda e surpreso
pensando n'El-Rei
nessa hora então
nessa hora inicial
começou a cumprir-se
este destino ainda de todos nós.