Há muito tempo ouço falar em responsabilidade emocional. De início sempre vi esse termo associado a relações amorosas, amizades e familiares, mas, quando olhamos ao nosso redor, é muito mais que isso. Todos já estão cansados de saber que o capitalismo move o mundo e que ele se torna cada dia mais forte, fazendo com que as pessoas, digo, donos de empresas, só se importem com o dinheiro e deixem de lado aquilo que deveria ser a essência da organização, aquilo que fez as pessoas confiarem neles quando depositaram o seu sonho: o comprometimento e a aptidão de tornar aquela ideia realidade.
Desde o final de agosto, quando a empresa 123 milhas anunciou a suspensão de passagens aéreas e pacotes de clientes que compraram pela ‘promo’, tenho acompanhado os relatos de pessoas que foram atingidas e que se viram sem norte, principalmente porque mais do que dinheiro, investiram seu sonho, e logo quando ele estava perto de se tornar realidade, viram tudo desabar. Esse não foi o primeiro caso que aconteceu. No começo deste ano, uma situação parecida já tinha tomado conta dos noticiários, naquela ocasião, foi com a Hurb, e milhões de pessoas foram atingidas.
Apesar desse boom ter aparecido agora com essas duas empresas, não são ações novas, há tempos é possível acompanhar relatos de pessoas que compraram viagens com agências e depois receberam aquele famoso calote, e mais uma vez, além de dinheiro, viram seu sonho de tantos anos ser parcialmente destruído. Quando falamos de situações como essas, é doloroso. Porque não há como negar que o dinheiro faz falta, mas a expectativa, o planejamento, a ansiedade e o tempo gasto montando o passo a passo da viagem, além de não serem coisas fáceis de serem recuperadas, também abalam a confiança. Afinal, em quem devo acreditar? Como voltar a idealizar minha viagem sem ter medo de levar um novo golpe?
Neste momento delicado, há aqueles que conseguem zombar da situação. Infelizmente, solidariedade e empatia não são coisas que todos são capazes de ter. Há quem fale coisas como: deveria ter comprado diretamente com a companhia aérea, tava na cara que era golpe. Mas, para aqueles que pensam assim, deixo aqui o meu relato.
Em 2019, tinha uma viagem planejada com minha família. O hotel estava pago, as atrações compradas e as passagens também. Eis que alguns dias antes da viagem, a companhia aérea a qual confiamos o nosso sonho, alterou a data do nosso voo - spoiler, não mandaram a nova data, só mudaram para um dia imaginário. Se aproximando do dia, entramos em contato, porque tínhamos recebido uma informação nada positiva de uma conhecida, que tinha comprado o mesmo voo.
Ela falou que todas as viagens tinham sido canceladas e não iam acontecer. Um tempo depois, a empresa declarou falência. Mas antes disso, nunca nos retornou e até mesmo no dia da viagem, seguia nos mandando aquelas mensagens prontas para que a gente realizasse o check-in. Até mesmo tinha a rota do voo, que nunca decolou. Situações como mostram que viajar é algo mais complicado do que o idealizado, porque estamos a todo momento sujeitos a interferências de terceiros que podem fazer com que ela nunca venha a acontecer.
Planejar uma viagem é algo cansativo. Exige muita pesquisa. Não é uma coisa que da noite para o dia, ainda mais quando se trata de um destino internacional, quando o investimento é muito maior, já que a moeda é diferente e mais valiosa que o real. Quando pensamos em uma viagem planejada para o inverno, o gasto é ainda maior, porque exige trajes específicos, já que o clima também é diferente do que estamos acostumados.
A razão de eu ter citado a responsabilidade emocional logo no começo do texto, não é simplesmente por causa dos fatores que já mencionei, também está associado ao fato da comunicação entre empresa e cliente. Tanto no caso da 123 milhas, como no caso da companhia aérea que interferiu na minha viagem, não fomos prontamente avisados do que estava acontecendo. A informação veio por meio da imprensa e só horas depois que a bomba já tinha sido lançada, que um comunicado via e-mail (no caso da 123 milhas) foi enviado aos compradores, que se viram sem ter o que fazer logo de imediato, uma vez que tudo aconteceu em uma sexta-feira à noite.
Foi necessário esperar dias para achar um novo rumo. Alguns conseguiram comprar passagem por outra empresa ou direto com a companhia, mas o medo e incerteza permanecem, porque, a todo momento, antes de viajar, fica aquele questionamento e angústia: será que dessa vez vai dar certo? Algo que já era para estar encaminhado, agora se torna uma pedra no sapato, e talvez, apenas quando chegar ao local de destino, vai ser possível ver que depois de tanto perrengue, as coisas aconteceram.
Mas, mesmo após o retorno, as coisas ainda continuam, porque gastos a mais foram realizados de última hora e ainda é preciso acompanhar o desdobramento do ocorrido, para saber o que vai acontecer com o dinheiro que foi investido. A viagem que antes era do sonho, virou um verdadeiro pesadelo, e nem mesmo depois de ter sido concretizada, é possível se livrar do fantasma que sempre se fará presente. Mesmo que tudo de bom tenha acontecido e a situação vire motivo de risada, ela nunca será apagada.