Como docente da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo, abordo a relevância da adaptação curricular no campo da música, a fim de atender às demandas profissionais enfrentadas por alunos e ex-alunos dos cursos de música nas instituições de ensino superior do Brasil. Na minha função tanto como docente quanto como artista, a minha interação com estudantes e profissionais da música em todo o país, por meio de recitais e masterclasses, tem revelado desafios semelhantes que atravessam o panorama musical. Este texto busca, portanto, instaurar uma reflexão acerca do ambiente profissional real e a formação acadêmica nos cursos de música oferecidos pelas universidades brasileiras.
A etimologia da palavra "empreender" deriva do latim imprehendere, cujo sentido original se relaciona com o "pegar" ou "capturar", evoluindo ao longo dos anos para denotar a realização, execução ou início de uma ação. No âmbito musical, a noção de "empreender" desdobra-se em três vertentes: empreendimento público, empreendimento privado e empreendimento público-privado. No contexto de empreendimento público na música, encontram-se ações como os projetos de lei de incentivo fiscal, a exemplo do Programa de Ação Cultural (ProAC), ou programas de extensão universitária que subsidiem grupos artísticos ou projetos sociais. Ilustrando tal ideia, temos a USP Filarmônica em Ribeirão Preto e o Projeto USP Música Criança, programas que entrelaçam ensino, pesquisa e extensão como modalidades de empreendimento público. No espectro do empreendimento privado, observam-se formas de mecenato por meio de investimentos de pessoas físicas ou jurídicas, bem como empreendimentos comerciais a exemplo de escolas privadas de música ou empresas atuantes no campo musical. Por fim, na conjuntura da parceria entre empreendimento público-privado, a Fundação OSESP surge como exemplo, beneficiando-se de recursos tanto públicos quanto provenientes de captação via projetos de lei de incentivo.
Vale salientar a distinção entre trabalho artístico e cultural, concepções que, embora passíveis de interconexão, divergem consideravelmente segundo a ótica de Theodor Adorno e Terry Eagleton. A essência desta diferenciação repousa na complexidade, autonomia crítica e resistência à padronização inerente à cultura de massa. Em síntese, a arte oferece uma perspectiva reflexiva acerca da sociedade. Neste contexto, não aludimos a vastas culturas de massa, mas sim à produção artística e ao universo profissional de orquestras, grupos artísticos, projetos sociais, escolas de música, universidades e suas respectivas facetas.
Viver enquanto artista, usufruindo de estabilidade e remuneração satisfatória, persiste como um desafio notório para muitos graduados nos cursos de música. Esta dificuldade, em parte, advém da grande competitividade do mundo do trabalho em grupos artísticos profissionais. As audições são extremamente competitivas e escassas considerando o tamanho do brasil. Com isso, faltam oportunidades para todos nesse ramo específico do trabalho artístico. No cenário do músico profissional, habilidades técnicas e musicais em alto nível se fazem premissa, constituindo condição essencial para obtenção de vantagem competitiva no meio profissional. No entanto, habilidades de gestão e empreendedorismo, embora suplementares, desempenham papel fundamental na manutenção, sobrevivência e expansão da carreira artística.
Diante de escassez de vagas e oportunidades no cenário profissional, quais estratégias adotar? A universidade assume função primordial na mitigação deste desafio, facultando aos estudantes discernimento para gerir e traçar suas trajetórias profissionais, disponibilizando ferramentas propícias à concepção de oportunidades através de empreendimentos públicos e privados. No âmbito da FFCLRP-USP, instauram-se ações, tais como a disciplina "Gestão de Carreira e Empreendedorismo", oferecida a todos os alunos dos cursos de Música (Bacharelados em Instrumentos e Educação Artística - Licenciatura com Habilitação em Música). Esta disciplina objetiva preparar os discentes para as complexidades do campo profissional musical. A elaboração de currículos, biografias e comunicados à imprensa, a concepção e gestão de projetos, bem como o planejamento de carreira, figuram entre os elementos abordados. Através deste enfoque, pretende-se oferecer ferramentas que potencializem o êxito dos alunos nas trajetórias artísticas e acadêmicas.
A gestão de carreira exige que o músico planeje precocemente suas aspirações profissionais, capacitando-se para orientar sua formação no sentido desejado de atuação, seja na performance, pedagogia, academia, empreendedorismo ou em múltiplas frentes. A carreira musical adquire caráter diversificado, demandando proficiência em áreas multifacetadas para viabilizar uma jornada bem-sucedida no âmbito profissional. A boa nova reside na oportunidade contínua de aprendizado e ajustes na carreira, favorecendo a aquisição de competências e a realização pessoal. Consequentemente, se profissionalizar em um segmento pelo qual se nutre uma paixão amplia exponencialmente a probabilidade de sucesso e felicidade profissional. Contudo, não podemos ignorar o mercado digital e suas novas possibilidades nas carreiras artísticas dos músicos e complementação profissional em seus vários segmentos.