Há tempos sou uma das muitas pessoas que creem no potencial de ensino e aprendizado por meio dos desenhos infantojuvenis. A literatura acadêmica tem evidenciado a grande contribuição dos modelos simbólicos propagados pelos meios de comunicações como um dos estímulos responsáveis por promover a aprendizagem social e cultural. Desenhos animados, bem como outras produções midiáticas, podem servir como influências modeladoras de ações e conhecimentos1 .

Por meio da aprendizagem observacional as pessoas podem aprender novas habilidades e/ou novas maneiras de se comportar e agir ao assistir a performance das personagens. A título de ilustração, lembro-me de uma criança cercana que nunca havia feito birras e que ao assistir várias vezes um determinado desenho animado começou a realizar comportamentos que podiam ser entendidos como birras, muito parecidos com os realizados pela personagem dessa animação.

Os desenhos animados podem promover a modificação de comportamentos já realizados pelas crianças, fortalecendo ou enfraquecendo-os. Tomando como exemplo a mesma personagem, uma criança que já realizava comportamentos entendidos como birras, possivelmente poderia passar a realizar mais birras. No entanto, caso a personagem tenha consequências negativas após realização de algum comportamento, a criança pode refletir sobre o acontecido e, possivelmente, diminuir a realização desse comportamento.

Há ainda a possibilidade de as produções midiáticas exercerem a facilitação social, como em situações em que uma personagem tem uma maneira específica de falar, uma gíria que pode ser específica a uma região, mas que atinge um limite geográfico maior após o sucesso de dita personagem, de modo que pessoas de outras regiões passam a utilizar a mesma gíria, por exemplo.

No entanto, cabe aqui comentar que tanto a aprendizagem observacional, quanto a modificação do comportamento e a facilitação social são atividades cognitivas. Ou seja, as pessoas formam representações mentais das informações obtidas por meio das fontes midiáticas, refletem sobre as mesmas e, a depender do valor dos modelos e dos valores e saberes próprios, podem decidir repetir ou não a informação obtida via as produções midiáticas.

Boa parte das produções midiáticas é criada com o válido objetivo de reproduzir o mundo infantil e suas animadas fantasias. Entretanto, há produções que são elaboradas com a intenção de promover a difusão de novos saberes sobre determinados temas que são considerados socialmente importantes. Há exemplos de telenovelas que intencionalmente tiveram parte de suas tramas para discutir e difundir informações sobre o uso e abuso de substâncias tóxicas, controle de natalidade, dentre outros temas relevantes. Quando as produções são desenvolvidas com a intencionalidade de promover a difusão de novas informações há a necessidade de se considerar que as personagens sejam semelhantes ao público alvo, que as personagens tenham obtido melhoras em seus estilos de vida que possam servir como motivadores para o público incorporar as novas informações em seus cotidianos, além de proporcionar enredos que relatem o dia-a-dia da personagem, com suas dificuldades e conquistas a fim de possibilitar envolvimento emocional do público com a personagem. Isto está aqui descrito de modo resumido, dado que o processo de criação de conteúdo com intenção de divulgar novas informações e saberes é mais complexo do que o aqui relatado.

O filme animado Elementos pode ser um, dentre outros, a serem explorados com objetivos pedagógicos em salas de aula. Sem pretender fazer uma resenha do filme, mas considerando que parte dos leitores podem desconhecê-lo, relato que esta animação aborda a questão da imigração e a convivência entre culturas distintas. Cada um dos elementos, fogo, água, terra e ar e suas especificas características vivem uma trama que relata o desafio da convivência entre os povos e suas diferentes culturas. Aceitar e respeitar as diferenças passa a ser o primeiro passo para a convivência respeitosa entre todos.

Aborda com sutileza quase que poética as problemáticas sociais e/ou advindas de catástrofes naturais que impulsionam as pessoas a deixarem as suas terras de origem e buscar uma nova oportunidade de vida em terras distantes. Deixar para trás familiares e histórias de vida para chegar em uma nova terra e partir literalmente do nada é um desafio que perpassa a vida dos imigrantes, tão bem retratado nessa animação. A sutileza continua quando aborda a flexibilidade necessária ao acolhimento dos imigrantes pelos povos que os recebem. Um filme bonito, que aborda o desafio de ser quem um nasceu para ser e o equilíbrio constante que realizamos em busca deste sonho e as projeções de nossa família e da sociedade em que crescemos. Atual e pertinente às questões deste tempo, essa animação pode ser um excelente recurso para trabalhar o projeto de vida na escola, o ser protagonista e o respeito mútuo entre as culturas em diversas faixas etárias da educação básica.

Algumas das séries animadas2 que podem ser excelentes recursos para impulsionar atividades de ensino e aprendizado relacionadas às ciências naturais são Story bots e O ônibus mágico decola novamente. Aula sobre tratamento de água e esgoto? Um dos episódios do Story Bots retrata de modo tão divertido esse processo que o envolvimento e motivação dos estudantes para aprender sobre esse tema tão importante está quase garantido. Como se realizam os contágios virais; como ocorrem os terremotos; e tantos outros temas são abordados com seriedade de conteúdo e leveza de narrativa que aprender pode ser mais prazeroso. E ensinar também!

As animações podem ser valiosas ferramentas também para os professores substitutos. Quando estes são chamados para ministrar aulas para substituir um professor devido a uma emergência, sem devido tempo para preparar uma aula específica para dada classe, ter alguns projetos interdisciplinares, ou com foco em projeto de vida e ou habilidades socioemocionais, previamente elaborados a partir de uma animação pode ser uma excelente maneira de tornar uma substituição em um rico momento de aprendizagem.

Corre-se o risco de que alguns dos alunos já conheçam as animações a serem utilizadas, fato que não inviabiliza o propósito pedagógico a ser trabalhado. E, a depender da comunidade em que a escola esteja inserida, pode ser que os alunos não tenham acesso às diversas plataformas de streaming, aspecto que tornariam o uso de animações com objetivos pedagógicos ainda mais pertinentes. Um desalento pode ser a precariedade com que algumas escolas públicas têm que lidar: não contando com acesso a internet de alta velocidade, equipamentos de projeção e/ou salas preparadas para tal fim. No entanto, quando a infraestrutura da escola permite a utilização desses recursos, somar as animações pedagógicas às demais estratégias de ensino-aprendizagem podem ser práticas enriquecedoras para professores e estudantes.

Utilizar as animações como instrumentos educacionais em casa também é algo importante, que pode ser feito sem grandes esforços. Para tanto, é importante que a família preste atenção aos tipos de animações e demais programas audiovisuais que suas crianças e adolescentes estejam assistindo. Esses programas são compatíveis com os valores da família? Se sim, aproveitar as histórias contadas nesses programas para conversar sobre os temas abordados com as crianças pode ser uma simples estratégia promotora de aprendizado e de fortalecimento dos vínculos familiares. Caso as animações não sejam compatíveis com os valores da família, pode ser interessante limitar o acesso a tal conteúdo e gradativamente ir retirando-o do cotidiano das crianças e adolescentes. A medida que as crianças crescem ficam expostas a maior quantidade de conteúdo, fato que destaca a necessidade de a família estar atenta aos tipos de informações que as crianças e adolescentes estejam consumindo e conversar, explicando o porquê considera tais conteúdos inadequados ou adequados.

Afinal, as produções infantojuvenis estão cada vez mais compostas por mensagens profundas que até mesmo para os adultos servem como estímulo à reflexão e à adoção de novos pensares e fazeres cotidianos. Que tal aproveitar essas animações para aprender, passar mais tempo junto em família e fortalecer os vínculos familiares?

Notas

1 Os pensamentos sobre aprendizagem por meio de recursos mediáticos aqui descritos inspiram-se, mas não se limitam ao livro de Albert Bandura, Social Cognitive Theory: an agentic perspective on human nature, publicado pela Wiley, edição 2023.
2 As séries aqui citadas podem ser encontradas na plataforma Nelflix.