No artigo O que é mesmo a literatura?, mencionei o texto Linguística e poética, do linguista russo Roman Jakobson, em que aponta seis funções da linguagem. Além da poética, menciona as funções emotiva, conativa, referencial, fática e metalinguística, cada uma delas correspondendo a um dos elementos do esquema da comunicação: o emissor, o receptor, o contexto, o canal e o código, respectivamente. A função poética é aquela que se volta para a própria mensagem.
Aproveito o tema das funções da linguagem para falar de um livro que fez - e ainda faz - muito sucesso junto ao público. Trata-se de Quem matou Roland Barthes?, um romance do francês Laurent Binet, vencedor do Prêmio Goncourt em 2010, publicado no Brasil pela Companhia das Letras em tradução de Rosa Freire D’Aguiar. Há muito o que se falar desse livro. Como o título da obra na tradução brasileira me chamou a atenção, vou tratar dele neste artigo.
Títulos são contextualizadores prospectivos, isso significa que sinalizam ao leitor o que ele vai encontrar na leitura, ou seja, os títulos, de certa forma, antecipam o assunto tratado, criando um horizonte de expectativas para o leitor, que evidentemente pode não se confirmar. Em meu artigo O que é mesmo literatura?, o leitor, ao se deparar com esse título, espera encontrar no texto a resposta a essa pergunta.
O curioso caso de Benjamin Button, título de uma novela de F. Scott Fitzgerald, sinaliza ao leitor que ele vai ler a história de um personagem e que essa história deve ter algo de curioso. A expectativa do leitor é sobre o que aconteceu com Benjamin Button. A nova Califórnia, título de um conto de Lima Barreto, ao contrário, não remete a um personagem, mas a um lugar que guarda alguma relação com o estado americano da Califórnia. A expectativa recai no espaço. O leitor é induzido a querer saber o que aconteceu nesse lugar.
Nos dias de hoje em que a literatura é também um negócio, o título deve ser "vendável", ou seja, deve atrair o interesse do leitor, funcionando como um dos elementos que possam levá-lo a adquirir a obra. Lembro-me de um excelente filme de Sydney Pollack, com Jane Fonda e Michael Sarrazin nos papéis principais, cujo título original é They shoot horses, don’t they?, algo como, Eles atiram em cavalos, não? No Brasil, o filme recebeu o título de A noite dos desesperados. Evidentemente, uma jogada de marketing, já que ‘A noite dos desesperados’ é bem mais vendável que ‘Eles atiram em cavalos, não?’.
No caso do filme de Pollack, o título em português, ao contrário do título original, não tem nada a ver com o filme. Para começo de conversa, o desespero dos protagonistas vai além de uma noite. Na versão original, o título está perfeitamente adequado à narrativa do filme que, na cena inicial, já mostra um disparo de arma de fogo contra um cavalo.
No caso do livro de Laurent Binet, o título dado à tradução brasileira, Quem matou Roland Barthes?, não corresponde a uma tradução do título original francês, que é La Septième Fonction du langage, ou seja, a sétima função da linguagem. Título enigmático para o leitor comum, particularmente àquele não familiarizado com linguística e teoria da comunicação, uma vez que remete às seis funções da linguagem propostas pelo linguista russo Roman Jakobson em Linguística e Poética.
No livro Quem matou Roland Barthes?, narra-se que o semiólogo francês Roland Barthes (1915 – 1980) estaria de posse de um documento que conteria a sétima função da linguagem, algo mágico ou encantatório, que teria o poder de convencer qualquer um de qualquer coisa, daí se suspeitar que o atropelamento de que Barthes foi vítima em Paris em 1980 e que acabou levando-o à morte não ter sido um acidente, mas um assassinato para apoderar-se do referido documento.
Na escolha do título em português, observou-se o critério mercadológico. O título original é melhor, reflete adequadamente o que está no livro, porque sintetiza, numa expressão curta, algo essencial do romance, o motivo do assassinato de Barthes (estar de posse da sétima função da linguagem). O título dado na edição brasileira, embora não comprometa, reforça apenas um dos aspectos do livro, que é o de ser um thriller em que um policial tosco, Jacques Bayard, auxiliado por um professor de semiologia na Universidade de Vincennes, Simon Herzog, um misto de Sherlock Holmes com Augusto Dupin, tentam dar uma resposta à pergunta do título do livro em português.
O romance de Binet, no entanto, é muito mais que isso. É uma narrativa inteligente, com passagens cômicas, referências não só a Barthes, mas também a outros linguistas como Saussure, o fundador da linguística moderna, e Roman Jakobson, de quem já falei. Chega a explicar didaticamente alguns conceitos teóricos de linguística e de filosofia. O livro apresenta ainda como personagens figuras expoentes da época, como Michel Foucault, Julia Kristeva, Umberto Eco, Louis Althusser, Gilles Deleuze, Jacques Derrida, Jacques Lacan, Tzvetan Todorov, John Searle, entre outros. Quem matou Roland Barthes? mescla o ficcional com o factual numa interessante reconstrução do clima que dominava as universidades da Paris nas décadas de 1960 e 1970 do século passado.