Nas duas primeiras notas do tema musical do filme “Tubarão” ficamos absolutamente aterrorizados. Ainda estamos nos créditos iniciais do filme, e muito menos vemos o tubarão. Mas ao ouvirmos a música, construímos mentalmente a imagem do grande predador, e somos tomados por um sentimento de arrepio na alma. Puro medo! Confesso a vocês que, nos meses e anos que se seguiram ao fenômeno do filme Tubarão nos cinemas, a música não me saia da cabeça toda as vezes que estava numa praia, prestes a entrar na água. Eu era uma criança, mas aquelas duas notas ficaram impregnadas na minha psique e na de jovens e adultos. Agora, experimentem assistir ao filme sem a música. Não temos um décimo do impacto.
Em 1927 o filme “O Cantor de Jazz” marcou a grande revolução na arte cinematográfica, com a introdução do som. De lá para cá, podemos perceber que todos os grandes clássicos do cinema e filmes de sucesso comercial tiveram trilhas sonoras que superaram suas obras base e ganharam vida própria. Quem não se lembra dos grandes temas de “E o Vento Levou”, “Psicose”, “O Poderoso Chefão”, “Guerra nas Estrelas”, “A Pantera Cor de Rosa”, “A Ponte do Rio Kwai”, “Cinema Paradiso”, “Indiana Jones”, entre muitos outros grandes filmes que o cinema nos proporcionou. Max Steiner, Nino Rota, John Williams, Ennio Morricone, Bernard Hermann, Henry Mancini, Maurice Jarre, e uma “nova geração” de nomes como Hans Zimmer, Alexandre Desplat, Justin Hurwitz, Gustavo Santaolalla são alguns daqueles que podem e devem ser considerados como grandes autores da arte cinematográfica.
O cinema se constrói sobre três pilares artísticos. Primeiro é o texto, o argumento, o roteiro. Sem essa pedra fundamental não há um filme consistente. Eu diria que não há um filme. Em espanhol o roteio é chamado de “guión”. Acredito que não há melhor palavra para descrever sua importância. O grande guia a partir do qual a obra será construída.
O segundo pilar é o trabalho do diretor, aquele que tem o filme em sua cabeça, que o imagina visualmente, as sequências, as atuações, os ambientes. É claro que ele tem um trabalho muito ligado ao elenco, ao diretor de fotografia e ao editor, imprescindíveis para materializar em imagens a sua concepção e narrativa.
O compositor da trilha sonora tem talvez a tarefa mais solitária na produção de um filme. O trabalho de composição para cinema é extremamente técnico, e individual. As gravações envolvem centenas de músicos e especialistas em som, mas tudo sai da cabeça de uma única pessoa, um verdadeiro coautor da obra cinematográfica que, com suas partituras, dá vida a dinossauros, espaçonaves, e manipula os sentimentos e emoções do espectador.
As trilhas sonoras viraram uma categoria de música, e em alguns casos atingiram status de ícones da cultura pop. A “Marcha Imperial” composta por John Williams para o filme “O Império Contra-ataca”, sequência de “Guerra nas Estrelas”, causa um frissom na plateia, sempre que é executada em apresentações e concertos. Muitas vezes o maestro conduz a orquestra com um sabre de luz no lugar da batuta, ou mesmo caracterizado de Darth Vader, como já pude presenciar. Um toque de espetáculo!
Os filmes não nasceram com som, mas a música, de uma forma ou de outra, encontrou espaço para complementar e enaltecer a narrativa cinematográfica. No início do cinema as exibições dos “motion pictures” eram acompanhadas de um piano nos teatros, já um indício que seus criadores necessitavam de uma ferramenta sensorial extra para cativar o espectador.
A tecnologia aplicada à criação do produto cinematográfico, no que diz respeito ao som, atingiu tamanha sofisticação ao ponto de hoje ser possível construir tridimensionalmente a experiência sonora nas salas de cinema, ou mesmo em casa. Do piano dos teatros do passado ao som “Atmos” das salas atuais, passaram-se pouco mais de 100 anos.
Mas a música será sempre o denominador comum, na sua simplicidade e complexidade. Tudo se resume a sete notas, que podem sair de um simples piano, de uma orquestra sinfônica, de um sintetizador, e que cantarolamos ao sair de um filme. Afinal “the hills are alive with the sound of music”. Essa é mais uma das magias do cinema.