Adaptação é, em última análise, a manutenção de hábitos, de comportamentos que deram certo, que são eficientes. Estabelecer hábitos saudáveis e eliminar hábitos nocivos tem sido um objetivo educacional, quer na esfera pública (escola), quer na vida privada (família).
Geralmente, o hábito guia, orienta e faz o indivíduo se mover. É o hábito que preserva inúmeras situações, tanto quanto é ele que nos endereça para vícios, compulsões e estereótipos que corrompem o contato com o outro, com a realidade, com o novo que continuamente surge. Estar habituado é andar no automático. É como se programássemos, em nós, tudo à nossa volta, reagindo como inteligência (IA) artificial e automática que decide escolhendo, separando e incluindo. Viver habituado assemelha-se a viver preconceituosamente, no sentido de ser guiado por a priori, por conceitos antecipados. O hábito instala o passado como uma caixa preta, como roteador e determinante do presente, e impede a vivência da totalidade, a integração do que acontece, do que está se dando no presente. Ele decodifica e organiza variáveis, eventos, acontecimentos, e nesse sentido, o que seria bom necessário e facilitador - o estar habituado - não passa de ação semelhante a de um robô, máquina programada que circunscreve e estabelece diferenciações.
Mudar hábitos é mudar campos genéricos nos quais acontecimentos e percepções da realidade estão configuradas. Não é fácil mudá-los, pois implica em dispersar referenciais, criar desajustes, quebrar cascas, capsulas que protegem pessoas e, consequentemente, grupos e sociedades. A maneira, por exemplo, de se nutrir, se divertir, de sexualmente se relacionar pode criar hábitos que são verdadeiros bunkers, mosteiros, cavernas ou tocas que submergem e neutralizam indivíduos. Do hábito ao rótulo é um pulo. A instabilidade cria insegurança na vivência cotidiana, e portanto, criar, extinguir ou mudar hábitos é impossível quando não se questiona atitudes.
Atitude é motivação possibilitadora de comportamento. Estar motivado é expressar o estar no mundo com o outro. Os gestaltistas clássicos diziam que o motivo não está dentro, opondo-se à ideia psicanalítica de motivo inconsciente, interno, justificando assim uma das suas metáforas básicas acerca da totalidade, das gestalten: "o fruto não é miolo nem casca, é tudo ao mesmo tempo".
Sempre afirmo que não existe dentro e fora, interior e exterior, existe o relacional, o que está diante de si, e nesse sentido, a motivação, a atitude é sempre o que se atualiza enquanto percepção do que ocorre. Motivação não é resultado de drives primários, nem do inconsciente, proposto por Freud. Não existe o orgânico, nem nada previamente determinante da motivação, não é a linha reta, o ponto de partida e/ou de chegada, que determina acontecimentos. Na dinâmica, no movimento existe o que se movimenta. Motivação é atitude que transforma, criando repetições (hábitos) ou descontinuidades, isto é, novas ações. É por meio da atitude que se transforma o que se vivencia, tanto quanto é por meio dela que se entroniza, desvitaliza e imobiliza motivações, assim gerando automatismos: hábitos.
Para transformar ou manter é necessário relacionamentos estruturadores de dinâmicas e também de posicionamentos. Nessa polarização mantemos determinados movimentos, criamos hábitos, que, quanto mais durarem, mais se eternizam como vícios. Atitudes valorativas sequenciadas camuflam as situações. São os chamados vícios positivos ou negativos, assim avaliados em função dos resultados que geram. Em ambientes sociais diversos, como o do trabalho por exemplo, isso se discute com relação aos estupefacientes, as bebidas e diversas drogas, todas consideradas viciantes e ruins. Manter relacionamentos conjugais falidos e desagradáveis em função do suposto bem estar dos filhos e da família é também estruturante de vícios, de dependências, de justificativas por não conseguir participar do que questiona e impõe descobertas e transformações.
Em psicoterapia, por meio de constatações de problemáticas e questionamentos das mesmas se consegue deter o processo de deslocamento da não aceitação, a busca de pontos de apoio para não cair e assim sobreviver, por exemplo. Manter apoio também se constitui em hábito viciante. Essa descoberta é transformadora. O questionamento psicoterápico age sobre o sistema de hábitos e pode estruturar novas atitudes, novas motivações resultantes das implicações situacionais e relacionais dos próprios processos. Quebrar hábitos cria nova atitude, é uma mudança, é sair do casulo, é também começar a perceber os acontecimentos. Pessoas, grupos e sociedades mudam quando há questionamento, e esse processo é antítese aos hábitos enrijecidos. Vida é dinâmica, contradição, mudança, motivação.