Localizado na Ásia Central, o Afeganistão apresenta uma localização geoestratégica importante, na medida em que permite a ligação a vários Estados da Ásia Central, ao Médio Oriente (Irão) e ao subcontinente indiano (Paquistão).
A situação política no Afeganistão é extremamente complexa e tem passado por várias mudanças ao longo dos anos. Neste artigo vou começar por centrar-me na segunda metade do século XX, época em que o país foi governado por uma monarquia até 1973, ano em que o rei Mohammed Shah foi deposto através de um golpe militar. Já com a abolição da monarquia a verificar-se, dá-se em 1978 um golpe comunista que derrubou o governo e levou à instalação de um regime pró-soviético.
A invasão soviética no ano seguinte desencadeou uma longa e atroz guerra no Afeganistão, com a formação de grupos rebeldes, conhecidos como mujahidin, que receberam apoio militar e financeiro dos Estados Unidos da América (EUA), Paquistão e outras nações. A guerra soviético-afegã durou praticamente uma década e terminou em fevereiro de 1989. Após a retirada dos soldados da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS), o país entrou numa guerra civil entre diferentes fações e grupos étnicos, incluindo os Talibãs (maioria étnica Pashtun), que emergiram como uma força poderosa no território afegão. Em 1996, os Talibãs passaram a controlar Cabul, a capital afegã, e estabeleceram um regime fundamentalista islâmico (noção abordada nos artigos anteriores sobre terrorismo transnacional islâmico). Contudo devemos ter a noção que o governo Talibã foi amplamente contestado e não foi reconhecido pela comunidade internacional, exceção feita ao Paquistão, Arábia Saudita e Emirados Árabes Unidos.
Após os ataques de 11 de setembro de 2001, nos EUA, a dinâmica política no Afeganistão mudou drasticamente. A liderança Talibã tinha fornecido abrigo ao grupo terrorista al-Qaeda, a organização responsável pelos ataques, e os EUA lançaram uma campanha militar para derrubar o regime Talibã e desmantelar a al-Qaeda. As tropas norte-americanas lideraram a invasão ao território afegão e procuraram controlar o governo e as políticas impostas no país, através de uma série de medidas que visavam acabar com as células terroristas naquela região e capturar os líderes da al-Qaeda, entre eles Osama bin Laden. No entanto, a estabilidade política e a construção de uma nação afegã democrática revelaram-se sempre enormes desafios. O Afeganistão é uma nação com uma área de cerca de 650 000 km² (Alemanha = 357 051 km² | França = 551.500 km²) e com uma população que ronda os 42,4 milhões de habitantes, segundo o Departamento de Assuntos Sociais e Económicos da Organização das Nações Unidas (ONU). Apresenta uma geografia de difícil penetração, sem fronteiras marítimas e com um relevo predominantemente montanhoso, onde se vislumbram planícies nas zonas norte e sudoeste.
Após o sucesso da invasão liderada pelas tropas norte-americanas, foi estabelecido um governo interino encabeçado pelo presidente Hamid Karzai, que posteriormente foi eleito presidente em eleições realizadas em 2004 e 2009. A este sucedeu Ashraf Ghani, que comandou o país até agosto de 2021, altura em que os Talibãs assumiram novamente o controlo do Afeganistão. Em fevereiro de 2020, com a insurgência Talibã a ganhar cada vez mais força, foi assinado um acordo histórico entre os EUA e os Talibãs, visando um processo de paz e a retirada gradual das tropas estrangeiras do território afegão, algo que se viria a concretizar nos meses seguintes.
Em agosto de 2021, no entanto, os Talibãs lançaram uma grande ofensiva, capturando rapidamente várias cidades e províncias afegãs, incluindo a capital, Cabul. O resultado foi uma queda rápida e surpreendente do governo afegão, com o presidente Ashraf Ghani a fugir para o exílio. A partir desse momento os Talibãs retomaram o controle de Cabul e declararam o restabelecimento do Emirado Islâmico do Afeganistão, que já havia estado em vigor no período 1996-2001.
Estes eventos, ainda recentes, continuam a levantar muitas preocupações sobre os direitos humanos e a estabilidade do país. A comunidade internacional reagiu de diferentes maneiras à tomada do poder pelos Talibãs. Alguns Estados, como o Paquistão, a China e a Rússia, têm mantido relações cautelosas com o novo governo afegão e expressaram alguma vontade em cooperar. No entanto, os EUA e outros países ocidentais, já condenaram o regime Talibã e suspenderam a ajuda financeira prestada ao Afeganistão. Estas medidas têm causado um impacto considerável em todo o país, onde uma parte significativa de afegãos está no limiar da pobreza. A escassez de alimentos, medicamentos e serviços básicos é uma realidade incontornável.
Com a chegada ao poder por parte dos Talibãs, em 2021, a economia afegã acabou por sofrer um grave colapso, com o Produto Interno Bruto (PIB) do país a cair 20,7%. Um ano depois, em 2022, a Organização das Nações Unidas (ONU) contribuiu com 3.200 milhões de dólares, que ajudaram diretamente 26.1 milhões de afegãos. O Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), indicou que o PIB do Afeganistão crescerá 1,3% este ano e 0,4% em 2024. Entretanto, de acordo com informações prestadas pela ONU, este crescimento poderá ser insuficiente, uma vez que as previsões indicam que a população afegã deverá crescer mais de 2%, o que implicaria um declínio do PIB per capita do país.
É ainda visível a preocupação da comunidade internacional relativamente aos direitos humanos, à igualdade de género e à possibilidade de o Afeganistão se tornar novamente um refúgio para grupos terroristas. O reconhecimento internacional do governo Talibã é uma questão sensível e que depende de condições e exigências muito específicas.
Para terminar este artigo, devo ainda abordar a questão dos direitos das mulheres. Neste momento há um inegável retrocesso nos direitos das mulheres (crianças e adolescentes incluídas), nomeadamente nas áreas urbanas. Nas zonas rurais não se tinham verificado grandes avanços neste domínio, consequentemente as mudanças não foram tão notórias. No entanto, nas áreas urbanas, como Cabul e Kandahar, as mulheres são praticamente excluídas da vida pública. Segundo a Amnistia Internacional, os direitos humanos no Afeganistão são constantemente violados, com as mulheres a perderem o acesso à educação, a cuidados médicos próprios e a exercerem um trabalho digno. Indica ainda a Euronews que as mulheres são obrigadas a tapar o rosto em público, estão proibidas de fazer desporto e a viajar sozinhas e, desde 2022, deixaram de poder trabalhar em organizações não governamentais (ONG).
Em jeito de nota final, caro leitor, a situação política no Afeganistão é muito volátil e encontra-se em constante evolução, apresentando uma economia frágil, com uma situação de pobreza generalizada, altos níveis de desemprego, dependência de ajuda externa e diversos problemas estruturais. Existem enormes desafios pela frente, nomeadamente no que se refere a estes quatro pontos: estabilidade política, segurança, direitos humanos e desenvolvimento económico.