Neste segundo artigo, cuja temática está centrada no terrorismo transnacional islâmico, vou dar especial atenção aos atentados terroristas de 11 de setembro de 2001, ocorridos nos Estados Unidos da América (EUA), e que mudaram a visão e as políticas de prevenção e combate a este género de atos de terror.
Tal como foi abordado na primeira parte deste artigo, se no final da década de 70 observámos, na sempre problemática região do Golfo Pérsico, mais concretamente no Irão, a queda de um regime (Pahlavi) favorável às pretensões políticas e económicas por parte dos aliados, com a ascensão ao poder do Ayatollah Ruhollah Khomeini e a criação de uma república de base islâmica, também pudemos notar, de forma sumária, as implicações que as invasões da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS) ao Afeganistão, país asiático fronteiriço com o Irão, acabaram por ter através do conflito armado entre insurgentes mujahidins afegãos, que procuravam derrubar o governo comunista nacional, e as forças soviéticas. Ao apoio humano de vários guerrilheiros jihadistas vindos do mundo islâmico, juntou-se o suporte externo, principalmente ao nível do treino militar, poder bélico e ajudas económicas de diversas nações, tais como o Paquistão, a Arábia Saudita e os EUA, com estes últimos a percecionarem este conflito como parte integrante da Guerra Fria.
O palco afegão, nos anos 80, tem também ele a sua quota de importância no contexto do terrorismo, uma vez que serviu de trampolim para a criação de grupos extremistas, como a Al-Qaeda. Desta forma, podemos mencionar Osama bin Laden como um dos guerrilheiros que se voluntariou para o combate aos invasores comunistas infiéis, tendo recebido o seu treino em Peshawar para, posteriormente, ser integrado na frente de combate em território afegão, tal como é indicado na revista académica Studies in Conflict & Terrorism (2010). Apesar de ser proveniente de famílias sauditas abastadas, bin Laden juntou-se à causa como soldado e comandante no terreno afegão, unindo-se a Abdullah Azzam, entre outros, dando origem ao Maktab al-Khidamat (MaK), com o propósito de angariar fundos e recrutar novos guerrilheiros para a “Guerra Santa” em território afegão.
Em 1988, quatro anos após a fundação do MaK, Osama bin Laden criava a Al-Qaeda, a organização terrorista islâmica que viria a ser responsável pela morte de milhares de civis em território norte-americano e pela destruição do mito de uma civilização ocidental dominante sob todas as outras. O islamismo, na sua corrente mais fundamentalista, obtinha assim a sua maior vitória através da jihad violenta. Novamente baseando-me na publicação da Studies in Conflict & Terrorism (2010), posso indicar que pouco tempo após a retirada das tropas soviéticas do Afeganistão, em 1989, Azzam foi assassinado e Osama bin Laden assumiu o controlo do MaK fundindo-o na organização da Al-Qaeda.
Como é do conhecimento da maioria dos leitores, nesse mesmo ano a URSS, que enfrentava graves problemas económicos e sociais, mesmo após as reformas levadas a cabo por Gorbatchev, acaba por enfrentar outro grande desaire, não militar mas sim político, com a queda do muro de Berlim, uma ocorrência que viria a marcar o início da queda do comunismo existente em grande parte da Europa, assim como o fim da bipolarização das ligações estratégicas e geopolíticas a que assistíamos desde o final da II Guerra Mundial. Este fim não anunciado da Guerra Fria acabou por transformar as ameaças existentes à segurança internacional originando, como indica Ana Paula Brandão em A luta contra o terrorismo transnacional, uma revisão dos conceitos estratégicos dos Estados e das Organizações Internacionais.
Estes acontecimentos vão acabar por originar uma fragmentação geopolítica na qual o Médio Oriente e o continente asiático vão assumir um lugar de destaque, com especial realce para o Irão, China e Índia. O papel interventivo dos EUA ao longo dos anos 90, nas regiões já destacadas, acaba por atenuar os efeitos da nova ordem mundial originando, no entanto, um crescendo dos sentimentos antiocidentais, levando ao desenvolvimento de organizações terroristas de base islâmica, como a Al-Qaeda. Mais uma vez, de acordo com a obra coordenada por Ana Paula Brandão, a Al-Qaeda pode ser caraterizada como “uma rede transnacional de células constituídas por membros de diferentes nacionalidades, motivados por uma ideologia não-secular, que se organiza de forma flexível, descentralizada e desterritorializada, utilizando redes próprias de financiamento (narcotráfico, negócios privados, apoios locais) e tendo por alvo centros populacionais e grandes infraestruturas económicas, políticas e civis”.
Tal como a Revolução Iraniana deve ser considerada um marco histórico no que diz respeito à teocratização e autonomia de um Estado islâmico perante o controlo ocidental, também a Guerra do Afeganistão, ocorrida entre 1979-1989, deve ser observada como o ponto de partida para os conflitos que iriam surgir no pós Guerra Fria. Tendo por base a rede de contactos, o treino e as estruturas operativas herdadas desse conflito, associadas aos financiamentos de diversas proveniências, a Al-Qaeda rapidamente se transformou no primeiro grupo operacional capaz de praticar uma guerra não convencional em qualquer parte do mundo.
É neste contexto que a 11 de Setembro de 2001, em Nova Iorque e em Washington, se dá o ataque às Torres Gémeas do World Trade Center e ao Pentágono, símbolos do poder norte-americano. Como é sabido, o ataque posteriormente reivindicado por Osama bin Laden levou à invasão do Afeganistão por tropas norte-americanas, menos de um mês após os ataques verificados em solo americano, mais precisamente a 7 de Outubro do mesmo ano. Apoiados por aliados como o Reino Unido, as forças militares dos EUA tinham como objetivo retirar do poder os talibãs e, consequentemente, desmantelar a rede da Al-Qaeda. No entanto, é fundamental que o leitor tenha em consideração que a Al-Qaeda é uma rede global que funciona como um clã e que possui postos avançados e efetivos em vários locais do mundo, tendo por base de ação a ideologia de realizar guerras irregulares e assimétricas, onde Estados falhados acabam por ser alvos fáceis para o aliciamento e recrutamento de novos membros que, por sua vez, se disseminam pelo globo e disferem ataques às maiores potências mundiais.
Tal como foi possível verificar através da leitura da obra de John Keegan, Intelligence in War: Knowledge of the Enemy from Napoleon to Al-Qaeda, com a queda do regime talibã no Afeganistão, no princípio de 2002, a Al-Qaeda deixa de ter, não só uma base, como também um terreno efetivo onde operar. Desenvolve-se então a partir de vários Estados muçulmanos de cariz autocrático, sendo visível a impossibilidade de determinar a composição e o número exato das suas células e operacionais em atividade. Da mesma forma, o rastreio das suas finanças e respetiva procedência, assim como a estrutura do seu comando operacional, tornam-se praticamente impossíveis de decifrar e penetrar. Contudo, podemos ter a certeza de que após os ataques que tiveram lugar a 11 de Setembro de 2001, orquestrados e levados a cabo por uma organização terrorista transnacional como a Al-Qaeda, o papel do Estado continua inalterado. É nele que recai o ónus de elaborar políticas e medidas que visem garantir a proteção e segurança, não só do seu território como também da sua população. Neste sentido, as ameaças e os ataques terroristas transnacionais de matriz islâmica conduziram à necessidade de rever os planos estratégicos das diferentes entidades estatais.
Em jeito de conclusão, e sendo este um tema que me desperta particular interesse, creio não restarem dúvidas de que não existe uma definição clara e concreta acerca de terrorismo e de que a sua vertente transnacional é algo que, devido ao mundo global atual e à interdependência gerada entre os vários Estados, apresenta valores consideráveis. A vertente islâmica do terrorismo transnacional acaba por gerar novas problemáticas e desafios aos Estados, uma vez que apresenta estratégias, métodos, recrutamentos e alvos distintos do terrorismo de esquerda, que por seu lado ostenta um significativo declínio desde o final da Guerra Fria.
A Revolução Iraniana provou a possibilidade da criação de um Estado teocrático, liberto das amarras e das influências ocidentais, onde a modernização e a evolução do papel da mulher não têm lugar. Este choque civilizacional enunciado por Huntington, acaba por ter na revolução que consagrou Khomeini como Líder Supremo do Irão um dos fatores de estímulo. O mesmo se passa com o fim da Guerra Fria. No entanto, na minha opinião, estes dois fatores não podem ser considerados como alavanca para o aumento dos ataques terroristas de vertente islâmica.
Os atentados de 11 de Setembro de 2001 foram um marco na história mundial e trouxeram consigo mudanças de paradigmas e de visibilidade a algo que previamente era praticamente irreconhecível. O mundo mudou e a perceção do terrorismo acabou por acompanhar essa mudança.
As novas problemáticas demonstradas pelo terrorismo transnacional de matriz islâmica podem e devem ser combatidas a todo o custo. Nesse sentido, é necessária uma grande concertação de esforços e de políticas para que se possa, através dos serviços de intelligence, prevenir e prever os ataques terroristas, utilizando para isso diplomacia e pressão política, assim como medidas económicas que possam eliminar e negar aos grupos terroristas santuários a partir dos quais possam operar.
Caro leitor, espero que este “artigo bipartido” lhe tenha interessado e suscitado alguma reflexão para as problemáticas com que os nossos Estados se deparam a este nível. Conto consigo para o nosso próximo artigo, pois espero que também pense nele como seu. Cumprimentos e até breve!