Não querendo já aludir ao famoso chavão de Karl Popper sobre a tolerância, onde a tolerância levada ao limite faz com que a mesma desapareça. Parece lógico que isso acontece e por todo o sistema político democrático por esse mundo fora parece haver uma maior predisposição para a intolerância do que para o seu oposto. O que se passou? E como se combate esta ideia funesta?
A democracia portuguesa encontra-se num estado de intermitência com o Partido Socialista tendo a “faca e o queijo” na sua mão no que toca o combate a estas ideias radicais. Podemos perceber que a maioria absoluta concedida aos socialistas fez com que estes se tornassem no principal foco de combate a estas ideias radicais (não sendo, no entanto, os únicos). Temos visto, após estes largos meses de governação desastrada, que o partido português que governa com maioria absoluta se demitiu de combater o radicalismo e bastou-se a resolver casos e casinhos internos, além do que está apenas a gerir o país em vez do reformar. Isto acontece quando o partido que representa a extrema-direita (mesmo que não o diga abertamente) tem se consolidado no que toca a ser a 3ª maior força política do país. A questão é que o apoio a este partido de ideias primitivas e conservadoras, que vão desde a restrição na entrada de imigrantes na Europa e mais especificamente em Portugal, a uma suposta esquerdização do ensino, não se coibindo de se chamar orgulhosamente de “Direita, Conservador, Reformista, Liberal e Nacionalista”. O combate à intolerância passa do CHEGA por onde?
Primeiramente, deverá passar pelos partidos com assento parlamentar, porque só estes têm a oportunidade de confrontar os deputados eleitos pelos extremistas. Este partido tem passado os limites do bom-senso, no que toca, ao respeito pelas instituições e pelo respeito pelas pessoas residentes em Portugal. Quem não se lembra da proposta de confinamento para pessoas da etnia cigana? Ou a castração química de abusadores sexuais? Ou que a Igreja Católica “falhou um pouco” no que toca aos anos e anos de abusos? Todas estas questões se mascaram dos ideais acimas referidos. A tal Direita pachorrenta, o Conservadorismo bacoco, o Reformismo banana, o Liberalismo invisível e o Nacionalismo charlatão. Não estou com isto a atacar estes ideais, porque há quem os defenda de forma coerente e civilizada. No entanto, o que o CHEGA tem sido e continuará a ser é um partido à boleia dos grandes ideais da direita radical contemporânea, sendo um lobo em pele de cordeiro antes de ser eleito, passando a ser um lobo a comer todos os Pedros possíveis quando forma o governo. Vimos com o Trump, vimos com o Bolsonaro, vimos e vemos o desastre britânico tendo como exceção a governação da Giorgia Meloni em Itália.
Agora, como se combate a intolerância?
Esta é a pergunta que todos tem feito e que a lado nenhum se chega quando se a discute. Restringe-se de certa forma estes atores ou combatemo-los no seu terreno, através da humilhação e do insulto? É estranho estarmos em 2023 e termos que perceber como lidar com crianças grandes que não aceitam um não. O Partido Socialista atira as culpas da ascensão deste partido para a comunicação social e a comunicação social devolve e diz que a culpa é dos intervenientes políticos. Realisticamente, todos têm razão. O problema é que temos um sistema político que torna o clientelismo fácil, que faz com as mesmas elites governem o país há 49 anos, e quando assim é torna-se difícil concordar cada vez mais com os partidos da governação. Bastou chegar alguém que se dizia “outsider” para ganhar o apoio de uma grande franja da sociedade. A democracia portuguesa está a permitir o seu próprio desaparecimento.
Do meu ponto de vista, a intolerância só se combate através do uso da palavra. Nunca deixando que estes se façam sentir poderosos e superiores no discurso, porque na verdade são tão inconsistentes que bastam pequenos exercícios de retórica para que se contrarie a máquina da extrema-direita. Quando estes exigem o fim da corrupção, perguntamos então o porquê do apoio a líderes internacionais com casos gravíssimos na justiça? Quando pedem a castração química dos abusadores sexuais, perguntamos esta aplica-se aos da Igreja Católica? Quando pedem restrições na imigração, perguntamos se esta se aplicas a todas as cores e credos ou apenas a alguns? Quando falam da subsidiodependência, perguntamos se se esqueceram que apoiam alguns dos maiores devedores do país?
Esta incoerência devia fazer-se ouvir por todos os portugueses e a partir daí todos seriam livres de tomar a sua decisão em relação ao que este partido realmente representa. Estes partidos alimentam-se da incompetência estatal para fazerem valer da sua retórica e veja-se que não estão totalmente errados. Apontam problemas que realmente importam e existem, mas que no que toca à solução, falham redondamente. Devemos todos combater o extremismo político, porque conhecemos a história e sabemos que a não atuação imediata acaba em tragédia, devemos também perceber que quanto mais tempo estas ideias continuarem a ser ouvidas mais rapidamente a proibição do “aborto-apedido" se torna normal.
Devemos combater e ridicularizar estes oponentes sem nunca deixar que estes se façam de vítima. No caso de um resultado que permite à Direita Portuguesa governar não se deve nunca deixa que estes façam parte do acordo, porque mesmo não tendo a maioria dos votos deste setor do eleitorado não se iam coibir de mandar nos demais e de fazer governo nos seus próprios termos. Já vai este texto com alguma densidade e nem enumerei outras ideias ridículas que não devemos esquecer que este partido defende. Como por exemplo a reintrodução da prisão perpétua, a redução dos cargos políticos ao “estritamente necessário”, além da criação da IV República fazendo relembrar outros tempos.
Expondo estas ideias intolerantes, antidemocráticas e anti-humanitárias levou-me à pergunta: Até que ponto vai a tolerância? Até quando iremos ter que ouvir estas barbaridades na praça pública, correndo o risco de um dia uma destas ideias se torne real? A democracia portuguesa está na corda bamba e cabe à maioria dos portugueses como também aos deputados eleitos tomarem conta do sistema, e não que o sistema tome conta destes últimos.
Por isso, além da necessária uma reforma política e setorial gigantesca, temos o direito de não ceder. É necessário que as elites dominantes do país se apercebam do desastre político que seria ter o partido acima mencionado governar o país, e que não caiam na ilusão de que irão sempre ganhar. Os tolerantes deverão deixar de fora os intolerantes por muito contraditório que pareça, sem deixar que estes percam a voz, porque sozinhos caem no ridículo, mas com a conivência dos outros ganham força.