No mês de março ocorreu a premiação do Oscar. Evento assistido mundialmente e esperado por muitos amantes do cinema. Eu, apesar de gostar de filmes e séries, não sou a que mais acompanha a premiação do Oscar. Mas neste ano eu queria assistir a premiação, queria saber quem seriam os atores consagrados da noite, e o ganhador de melhor filme. O meu interesse em assistir ao Oscar este ano começou por causa de dois filmes que estavam sendo muito falados na crítica, e inclusive estavam concorrendo em várias categorias.

Hoje vou falar sobre um destes dois filmes, vou falar sobre o grande ganhador do Oscar 2023, Tudo em todo lugar ao mesmo tempo. Tive a oportunidade de assistir ao filme na semana seguinte a premiação do Oscar, ele entrou em cartaz nos cinemas da cidade em que moro. E lá vou eu e uma amiga assistir ao filme. Já começo dizendo para quem ainda não assistiu ao filme, assista! O filme é fantástico! Aborda temas diversos de uma maneira incrível, é engraçado, ao ponto de todos os presentes na sessão darem gargalhadas, é emocionante, e mais um monte de outros adjetivos que cada um há de acrescentar.

Ah, e sim, este texto contém spoilers, então reafirmo, assistam ao filme! Aí, depois vem aqui ler sobre o que nele me tocou. É importante destacar também que vou falar aqui sobre o que me tocou, sobre o que eu apreendi do filme, não é um relato detalhado do mesmo, e meu relato será muito pautado na psicanálise, não adianta gente, vejo psicanálise em tudo!

Quando o filme acabou, ficamos eu e minha amiga sentadas nas nossas poltronas olhando pros créditos subindo na tela e tagarelando sem parar sobre o que acabávamos de assistir. E já comecei dizendo:

E no final, é tudo sobre o amor!

Ah, o amor, sim, achei ele super presente neste filme, e em suas mais diversas formas! O filme começa com a infelicidade, a não aceitação, o desejo de viver outra vida, e os arrependimentos da personagem principal, Evelyn, interpretada por Michelle Yeoh. É como nos diz Zé Ramalho, em sua belíssima interpretação da música Sinônimos:

E quantos segredos traz o coração de uma mulher?

Evelyn trazia muitos segredos, amarguras, desejo de aceitação, sobrecarga de afazeres, entre outros. Para salvar a filha, essa mãe se transforma, acessa suas diversas versões, em diversos metaversos, para ficar mais forte e entender o mundo com os olhos da filha Joy, interpretada por Stephanie Hsu. E é com os olhos do marido Waymond, interpretado por Ke Huy Quan, homem gentil, fraco, que ela consegue salvar a filha. No momento em que a personagem principal coloca os olhos de adesivo, que o marido espalha em todo lugar na lavanderia e na casa deles, é então, com os olhos gentis deste homem, que ela consegue dar passos em direção ao início da salvação desta filha, mas não sem ajuda, seu pai e seu marido a ajudam a tirar a filha do donuts (uma espécie de buraco negro) que iria destruir todo universo.

Os metaversos são ligados às escolhas de Evelyn, quando ela escolhe mudar-se com o marido para os Estados Unidos contra a vontade do pai um metaverso foi gerado e neste novo mundo ela vive como seria sua vida se não tivesse seguido o marido e permanecido com a família. Assim, as dificuldades que Evelyn enfrenta em seu metaverso com a linguagem tem ligação com os outros metaversos e não com o fato de ser estrangeira.

Para ter acesso a estas outras vidas e as habilidades que ela desenvolveu nestes outros mundos, como lutar kung fu, ela precisa falar uma frase x ou fazer algo, só assim ela consegue acessar estas habilidade. A primeira coisa que ela precisa fazer para acessar a habilidade de lutar kung fu é dizer Eu te amo para a auditora fiscal com a qual estava precisando lutar, Evelyn tem muita dificuldade em fazer isso, mas consegue e esta fala faz muita diferença, pois inicia o processo de mudança da personagem ao longo da trama. E não é esse o trabalho de uma análise? É por meio da fala, do dizer, que o sujeito vai mudando a sua forma de se relacionar com o mundo.

A cura pela palavra, nomeada por Anna O., que é considerada por Freud1 o primeiro caso da psicanálise, (vale lembrar que a paciente não foi atendida por Freud, mas sim por Breuer, amigo de Freud da época), fica evidente neste filme, a protagonista que não conseguia finalizar conversas, deixava tudo pela metade, não demonstrava amor, carinho, ou qualquer outro tipo de afeto, ao final, fala de seu amor para sua filha e marido e os demonstra em troca de abraços e beijos.

A repetição se encerra ao final do filme. Ela não abandona a filha como o seu pai a abandonou na juventude, ela deixa a filha ir, mas não sem antes ser sincera pela primeira vez com a filha, aceitando-a como ela é, aceitando que a filha é homossexual! Inclusive, ela apresenta a seu pai a namorada da filha.

Em O banquete de Platão2 o amor é definido por Sócrates como:

[...] sempre pobre, e longe está de ser delicado e belo, como a maioria imagina, mas é duro, seco, descalço e sem lar, sempre por terra e sem forro, deitando-se ao desabrigo [...].

No final Evelyn salva a filha por amor, ela aceita, respeita e defende a filha por amor, ela aceita o marido como ele é por amor. No final, Evelyn aceita a pobreza na qual ela e o marido vivem, aceita a lavanderia falida e agora toda quebrada (por causa da luta que ouve no local).

Podemos pensar que Evelyn entendeu onde a sua felicidade está, ela consegue ver o amor.

Afinal, não é sempre ele?

Notas

1 Freud. S. Estudos sobre a histeria. In: Freud, S. Edição standard brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud. vol II. Rio de Janeiro: Imago, 1893-1895.
2 Platão. O banquete. Trad. José Cavalcante de Souza, Jorge Paleikat e João Cruz Costa. 1. ed. São Paulo: Abril S. A. Cultural, p. 41, 1972.